Marcelo canta o rap dos afectos

Presidente passou o dia no Porto. Depois da protocolar cerimónia na câmara, visitou um bairro problemático, ouviu hip hop e visitou o seu amigo Miguel Veiga, fundador do PSD.

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Marcelo respondeu ao desafio do grupo de hip hop do Cerco e também falou em verso Pedro Granadeiro

A cidade do Porto rendeu-se ao novo Presidente da República. Ao terceiro dia depois de tomar posse, Marcelo Rebelo de Sousa rumou ao Norte para partilhar com os portuenses que “Portugal não é só Lisboa”. O dia começou com uma sessão no salão nobre dos Paços do Concelho, onde o Presidente fez um discurso onde deixou a sua marca: “Aqui, no Porto, é impossível não acreditar em Portugal.” E “numa palavra” disse: “O Porto é, de algum modo, como o berço da liberdade e da democracia.”

“Aqui vir e aqui estar hoje a terminar as cerimónias de posse iniciadas em Lisboa é, a dois títulos, simbólico. É simbólico como homenagem ao Porto, ao seu passado, ao seu presente e ao seu futuro. É simbólico como sublinhado de virtudes nacionais num tempo atreito a desânimos, desilusões e desavenças”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa nos Paços do Concelho.

A partir do Porto, Marcelo lançou um desafio aos portugueses para que acreditem em si e no que valem, para que “as crises deixem de ser o único horizonte possível”.

“Não há D. Sebastiões em democracia e aqui no Porto é impossível não acreditar em Portugal”, declarou o recém-empossado Presidente da República na sessão nos Paços do Concelho do Porto, onde discursou no âmbito das comemorações das cerimónias de posse iniciadas na quarta-feira em Lisboa. Num discurso cheio de emoção, Marcelo Rebelo de Sousa puxou pelo orgulho que a cidade consagra e disse que o Porto é, “de algum modo, como berço da liberdade da democracia”.

Mas o dia fez-se de outros momentos e para a memória fica a visita que fez a meio da tarde ao Bairro do Cerco do Porto — um dos mais problemáticos da cidade —, onde Marcelo mostrou o seu lado hip hop. O Presidente da República, acompanhado do autarca independente que dirige os destinos da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi recebido por uma multidão eufórica.

O Cerco é uma família a precisar de ajuda

“Marcelo, Marcelo, Marcelo, és o nosso Presidente”, gritava a multidão que tentava furar a todo o custo o cordão de segurança que o protegia, mas o chefe do Estado, como que em modo de campanha eleitoral, não se furtou a beijos e abraços aos moradores do bairro, enquanto se dirigia ao Largo dos Afectos, onde um palco anunciava a exibição de um grupo rap. Debaixo de um sol inclemente, o Presidente ouviu divertido os jovens do bairro cantar e aplaudiu a actuação do grupo liderado pela rapper Capicua, a psicológa Gisela Borges, o músico André Tentúgal e o videasta Vasco Mendes.

O bairro estava em festa e o mais alto magistrado da nação não defraudou o entusiasmo que os moradores colocaram na visita que fez a uma das zonas mais deprimidas da cidade. Em palco, os jovens apresentaram-se à ilustre plateia e não esqueceram uma pessoa que foi fundamental para o lançamento do projecto Oupa! da Câmara do Porto: Paulo Cunha e Silva, o vereador da Cultura, que o Porto viu partir em Novembro passado.

Ainda o grupo Oupa! cantava “O Cerco sou eu, o Cerco somos todos nós”, já Marcelo tomava conta do palco, juntamente com Rui Moreira e o vereador da Habitação e da Acção Social, Manuel Pizarro, e improvisou um rap: “Ouvi e gostei deste hip hop do Norte, Portugal será mais forte (...). Aqui no Bairro do Cerco e onde está a sua gente, estará sempre o Presidente.” A multidão aplaudiu a simplicidade do Presidente da República e Marcelo não se deixou afectar pela falha momentânea de som.

Ali ao lado, dezenas de crianças que frequentam a creche do Centro Social da Obra Diocesana de Promoção Social do Cerco do Porto esperavam pelo Presidente da República, que se deliciou embevecido a ouvi-las e chegou mesmo a cantar com elas. Enquanto Marcelo visitava a creche e o lar da terceira idade, uma outra figura atraía as atenções do bairro. O candidato presidencial Vitorino Silva, conhecido por Tino de Rans, juntava-se à comitiva. Na mão trazia um saco com dois pares de sapatos para Marcelo e um convite para que o novo inquilino de Belém visite a freguesia de Penafiel que Tino colocou no mapa.

Os dois pares de sapatos, ambos pretos e de tamanho 41, são fabricados por um industrial seu amigo de Guimarães. Segundo Tino de Rans, os sapatos que ofereceu ao seu adversário presidencial são “todo-o-terreno” e destinam-se ao Presidente, que vai ter um caminho agreste pela frente.

“Descentralize o poder”

Na visita ao bairro do Porto, o segundo maior da cidade do Porto, onde residem 2074 pessoas, num total de 835 famílias, o convidado presidencial ouviu o queixume de muitas moradores, que lhe pediram para não esquecer aqueles que não têm emprego ou que precisam de habitação. Das mãos de uma menina de nove anos, recebeu uma carta escrita pela mão do pai, em que pede a Marcelo para que “seja um bom Presidente e descentralize o poder”.

De manhã, o tema forte da intervenção do presidente da Câmara do Porto foi precisamente a questão da centralização do país. Rui Moreira pediu ao recém-eleito Presidente da República para que erga a sua voz “em defesa de um Portugal menos centralista, um Portugal que deixe, enfim, respirar os que querem ousar, arriscar, fazer mais e melhor”. “Com a sua voz e a sua autoridade, peço-lhe que lute contra a desigualdade e injustiça. Erga também a sua voz em defesa de um Portugal menos centralista, um Portugal que deixe, enfim, respirar os que querem ousar, arriscar, fazer mais e melhor. Estamos a falar de muito mais do que um centralismo de interesses. Estamos a falar de mentalidades e da sua necessária mudança”, afirmou o autarca na recepção.

Perante uma plateia de convidados, o autarca descreveu ao Presidente um país que “está mais assimétrico e, desgraçadamente, mais desigual”, argumentando que “são ainda muito diferentes as condições em que vivem e aquilo a que podem aceder” os portugueses. “Portugal é plural e diverso e, sabe-o muito como poucos, é muito mais do que o Palácio de Belém e outras sedes de órgãos de soberania. Os portugueses são das cidades, são do litoral e do interior. Os portugueses são os algarvios, são os transmontanos, os minhotos e os portuenses”, frisou.

O Presidente da República teve ainda tempo para visitar na Galeria Municipal Almeida Garrett a exposição P.– Uma Homenagem a Paulo Cunha e Silva por extenso. E foi com emoção que falou do antigo vereador. “Aqui há a gratidão do Porto a quem tanto lhe deu e isso é muito bonito, muito emocionante mesmo”, afirmou Marcelo aos jornalistas, destacando que a visita ao Porto o tinha feito sentir “como se tivesse nascido” na cidade.

Antes de deixar o bairro camarário, na freguesia de Campanhã, o antigo comentador político mostrou-se encantado pela forma como foi recebido pelos moradores. “O Porto é sempre surpreendente. Eu esperava calor humano, foi muito mais calor do que o que eu esperava. Esperava adesão afectiva e foi superior ao que eu esperava. Há realmente aqui um ambiente de alguma esperança, isso faz a diferença e é preciso alimentá-la”, declarou.

E na hora de partir, falou do que sentiu, do afecto, das pessoas, do bairro e não esqueceu de apontar a atenção que a Câmara do Porto, liderada pelo independente Rui Moreira, tem dado ao Cerco. O bairro “mostra bem a solidariedade de gentes muito diferentes” que ali se reúnem “e também a valorização que tem sido feita pelo município com o apoio da freguesia, a começar na juventude”, sublinhou o Presidente, enfatizando: “O Porto é sempre assim, mas de cada vez que há esta experiência, é melhor do que a vez anterior.”

A visita ao Bairro do Cerco prolongou-se por mais tempo do que aquele que estava previsto, mas o Presidente da República não deixou a cidade do Porto sem primeiro visitar o conceituado advogado portuense, Miguel Veiga, seu amigo de há muitos anos. Na companhia do presidente da câmara, Rui Moreira, Marcelo aproveitou a sua vinda ao Porto já como Presidente da República para dar um abraço a Miguel Veiga, fundador do PSD, que se encontra doente há já algum tempo. A visita a Miguel Veja não constava da agenda presidencial e foi guardada em silêncio até ao fim, mas a comitiva presidencial foi vista a passar na Foz junto da casa do advogado portuense.

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