Joaquim Goes: “Falar em idades de reforma de 67 ou 70 anos é incontornável”

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Foto: Rui Gaudêncio

Reformular a administração pública, reduzir a taxa social única, aumentar o IVA, eliminar benefícios fiscais, actualizar os salários indexados à produtividade, taxar os serviços de saúde e de educação públicos segundo os rendimentos e cingir a politica de transportes de passes sociais aos mais pobres, são propostas da iniciativa Mais Sociedade para promover o crescimento económico.

Em entrevista ao PÚBLICO, Joaquim Goes (gestor do BES), na qualidade de promotor do movimento que está a colaborar com o PSD, na elaboração do seu programa eleitoral, defende a saída do Estado da economia, mais privatizações, mas recusou a tese de que tem uma agenda ultra liberal, lembrando que a riqueza que Portugal gera, “não é compaginável com um conjunto de apoios e de prestações sociais que têm vindo a ser concedidos”. A 29 e 30 de Abril, no quadro de uma mega conferência, com 70 oradores da sociedade civil, Passos Coelho irá receber propostas destinadas “à construção de um novo futuro para Portugal”. O encontro abordará temas sobre o papel do Estado na economia, a promoção do crescimento, a reforma do sistema de justiça, as políticas de educação e a reforma da segurança social e da saúde.

PÚBLICO - Pedro Passos Coelho disse recentemente que era preciso dar a volta ao texto o que só se conseguia mudando de Governo. Quais são as vossas propostas [do movimento Mais Sociedade] para mudar o texto?

Joaquim Goes- A primeira questão que tem que ficar clara é que os números e a evolução do país na última década mostram que os modelos de desenvolvimento e de crescimento económico e o social têm que ser alterados. Esta é a questão de fundo. Nessa perspectiva, defendemos que têm que existir mudanças profundas, e não uso o termo reformas estruturais porque é usado a propósito de tudo e de nada, a ter em conta. Ou o país está consciente e disponível para mudar as regras do jogo, alterar comportamentos e pressupostos há muito estabelecidos, ou, efectivamente, não vamos conseguir sair deste ciclo de empobrecimento relativo e de perda de competitividade com que estamos confrontados.

O que é que está errado? Falta de competitividade, despesa do Estado...

Do nosso ponto de vista há uma visão integrada e que tem várias dimensões. A despesa do Estado é da ordem dos 48 por cento do PIB, e há que reduzir e reposicionar a intervenção do Estado na economia, tornando-o mais eficiente. Essa é uma condição essencial para o crescimento. Sem um Estado que gaste menos e absorva menos recursos da economia não é possível voltar a crescer. Mas só a redução do Estado e da despesa pública não chega para permitir um crescimento sustentado e sem isso não se pode reduzir a dívida da economia como um todo. É fundamental ter uma agenda clara de crescimento. Estas duas dimensões devem ser colocadas em paralelo e não em termos de superioridada uma sobre a outra.

Na Suécia o peso do Estado é superior a 50 por cento do PIB e o país tem taxas de crescimento elevadas?

A Suécia é um bom exemplo daquilo que se fez desde a década de noventa, em que a própria percepção que existe do que é a intervenção do Estado da economia se alterou com benefícios para as populações e para o crescimento económico. E como a qualidade dos serviços públicos tem sido muito elevada, o peso do Estado tem-se vindo a reduzir ainda que mantenha um peso significativo.

Pode especificar?

Por exemplo, na educação. Desde 1992 que o serviço público nesta área não é só feito pelas escolas públicas, as próprias escolas privadas prestam um serviço público. E no caso das pensões, na Suécia, há mais de dez anos, que existe um sistema de contas individuais virtuais sobre pensões em que cada sueco sabe, a todo momento, quanto é que descontou para a segurança social. E, não obstante o mecanismo de financiamento das pensões continuar a ser o mecanismo de repartição, aquilo que os activos descontam é aquilo que serve para o pagamento das pensões. Não é um sistema de capitalização no financiamento mas está directamente relacionado com aquilo que descontou. E isso é a chave de afectação para o cálculo da reforma o que é muito incentivador.

Mas é apenas uma medida simbólica?

Um dos problemas do tema de pensões é exactamente a falta de escrutínio e de transparência. Regras da afectação claras e uma percepção de que não mudam arbitrariamente porque o Estado precisa de receitas, ajudam bastante a que as pessoas se sintam co-responsabilizadas e descontem. É verdade que não resolve tudo, mas ajuda. O segundo aspecto tem que ver com a evolução demográfica. Um regime de repartição como aquele que temos funciona muito bem quando existem taxas de natalidade elevadas e um número de activos, relativamente ao número de pensionistas, também elevado. Quando as taxas de natalidade e o número de activos se reduzem muito em relação aos pensionistas, então, temos, por definição, um problema nas reformas.

Que propostas têm nesta área?

Há que admitir a necessidade de aumentar a idade da reforma. Na Caixa Geral de Aposentações a idade efectiva da reforma no funcionalismo público é de 60 anos. Mas as pessoas têm que se reformar mais tarde. Falar em idades de reforma de 67 ou 70 anos é uma incontornável. A segunda questão é que as reformas vão passar a ser mais baixas do que no passado. Porque o bolo geral das receitas vai ser menor. Estes são temas de fundo.

Como é que se diz a uma pessoa que tinha um direito, que o perdeu?

Os direitos adquiridos tem que ser visto no quadro das possibilidades efectivas de um país. Quando algumas promessas foram feitas não tiveram em conta, nem anteciparam, tendências de fundo incontornáveis. A falta de capacidade financeira exige que se ajustem as expectativas e, obviamente, tendo em conta uma sensibilidade social. Ninguém está aqui a dizer que deveremos tomar medidas idênticas para todos os reformados.

Relativamente às medidas fiscais o que é que propõem?

Num país desenvolvido a carga fiscal não deve ultrapassar os 35 por cento do PIB, hoje Portugal está já a 37 por cento. Como reduzir é difícil temos, pelo menos, de não aumentar.

Como pensam reduzir a despesa do Estado?

O número de entidades públicas globalmente falando, administração local, central, regional, ultrapassa as 13 mil. É evidente que há onde se pode cortar. Isto tem que ser feito a dois tempos: há o óbvio, mas que carece de autorização política, fundações, organismos, e, neste caso, há limites, se não queremos pôr em causa o funcionamento do Estado. E, por outro lado, há um segundo nível, mais profundo, que exige uma análise estrutural das instituições. Temos que saber que processos estão instituídos? Que organização está implementada? Que tipo de tecnologias e formas novas de trabalhar estão instituídas? E só com base nesta análise se pode decidir.

Mas há um carácter de urgência ao nível da necessidade de ajustamento e essas medidas exigem tempo. Para além dos cortes nas prestações e nos salários o que é propõem?

Pode-se fazer um primeiro corte nas gorduras, eliminar um conjunto de estruturas.

Quanto vale esse corte?

Acreditamos que em quatro anos será possível reduzir quatro por cento a despesa pública em despesas com pessoal, prestações sociais e consumos intermédios. Se o Orçamento do Estado de 2011 for cumprido, o peso da despesa do Estado será de 46 por cento, e queremos passar para 42 por cento. Este é um objectivo exigente, que vai exigir sacrifícios, mas é necessário e possível

Qual será a redução salarial?

Não falei em corte salarial. Mas tem que haver ajustamento nas despesas com pessoal. O peso das despesas com pessoal na estrutura deveria passar de 10,7 por cento para 9,5 por cento, o que mostra que não são necessários cortes significativos. Mas terá de haver um congelamento de salários que nos parece necessário. Há que intervir ao nível do congelamento de salários e das progressões automáticas e de todas as evoluções de carreira, pois esta é uma das dinâmicas que vai aumentar os custos com pessoal. A redução da despesa deve ser vista no limite de quatro anos e envolve a redução do número de funcionários públicos não contratando. Não é só uma questão de salários. Reduzir não é necessariamente despedir.

Mas o PS não tentou fazer isso?

Entendemos que o PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) teve resultados muito pouco previsíveis. Um dos aspectos importantes para ter ganhos de eficiência é que, sendo o Estado, o principal comprador do país era importante que se conseguisse que centrais de compras únicas e coordenadas tirassem partido da capacidade negocial e da dimensão do Estado para reduzir custos. Mas não se levou até às últimas consequências essa possibilidade. No contexto da reestruturação do Estado existe muito para fazer. Um trabalho que tem de ir ao detalhe. Estes processos não são de curto prazo. E, ou se vai por uma redução imediata e muito dolorosa socialmente, que exige redução de salários, o que é injusto porque todos pagam pela mesma bitola, ou se vai por um processo de análise mais profundo e de intervenção cirúrgica e estrutural que permita outro tipo de poupanças. Daí o exemplo da Inglaterra onde está em curso um profundo processo de reestruturação e de redução da Administração Pública.

Propõem a diminuição do número de funcionários públicos?

A redução de funcionários tem subjacente, novas formas de funcionamento e a passagem para a esfera privada e a administração regional de um conjunto de responsabilidades.

A iniciativa Mais Sociedade tem por base alguns dos promotores do Compromisso Portugal, um movimento de tendência neoliberal, onde, aliás, também participou. A regulação anglo-saxónica foi dada nas conferências que efectuaram como modelo a seguir. Mas crise de 2008 veio provar que não era à prova de bala, tendo estado na origem da actual crise internacional. Porque é que continuam a querer copiar o exemplo inglês?

Não é copiar, mas aprender com as experiências que correram bem noutros países. E não estamos a dizer que tudo o que se fez foi bem feito. Se for analisar em detalhe a qualidade e a eficiência da administração pública inglesa é evidente que há diferenças de fundo. Provou-se que quando se mudam formas de trabalhar e processos não é apenas uma questão de redução de custos mas também de qualidade de serviços prestados. Nada disto se faz em seis meses. E há ainda a questão das prestações sociais que são o maior bolo da despesa pública. Não falar deste tema é não encarar o problema.

O que propõem?

Portugal é hoje dos países da Europa com maior peso das prestações sociais sobre o PIB e é também onde a redução da pobreza pelo facto de existirem essas prestações sociais é menor. Se avaliar os índices de pobreza antes das prestações sociais e depois vê-se que o impacto que essas prestações têm é menos do que proporcional ao volume das prestações sociais.
“O Estado está a subsidiar directamente a classe média”

Porquê?

Porque muitas das prestações sociais ainda são feitas de classe média, para classe média. Podendo ajudar pessoas com rendimentos de 800, mil e 1500 euros, era o que faríamos. Mas temos que começar por aqueles que mais precisam, isto, num contexto, de recursos escassos. Aquilo que é pago por uma família com um filho no ensino superior é muito inferior ao custo e muitas são de classe média. De algum modo de modo estamos a subsidiar directamente a classe média. Olhemos para a política de transportes públicos. Qualquer pessoa com mais de 65 anos tem um passe social que custa metade do passe normal que, já por si, tem um custo inferior ao do transporte, isto, independentemente de ter uma pensão de 500 euros ou de 5000 euros. Por outro lado, 50 por cento das pessoas têm isenção de taxas moderadoras na saúde e o próprio valor é independente do rendimento. Estou a dizer que há espaço para cortar. Hoje não se tem em conta o património das pessoas. E é diferente estar a apoiar-se uma pessoa com 500 euros de reforma mas sem património, do que apoiar outra que tem um património de activos de 500 ou 600 mil euros.

Assim não ganham as eleições...

Não podemos fazer propostas a pensar em eleições, Temos que fazer opções e as opções tem que privilegiar quem mais precisa.

Não acha que alguns sectores da classe média são, neste momento, os mais estrangulados? E se lhe tirarem as almofadas empobrecem?

Temos que ter presente as necessidades da classe média, mas temos que apoiar as pessoas que recebem 300 euros de rendimentos, porque há pobreza em Portugal. E temos ainda que falar na redução do subsídio de desemprego. Portugal é o país com maior duração do subsídio de desemprego, há quem receba durante 900 dias, e é dos poucos países que diferencia face à idade. Uma pessoa com 55 anos tem mais subsídio de desemprego que um jovem. Numa perspectiva de incentivo ao emprego e de termos mais uma vez de fazer opções, parece-nos que há também aqui espaço para intervir. Defendemos a redução do tempo de subsídio de desemprego, em linha com os restantes países europeus, que vai dos 12 aos 18 meses e o fim da diferenciação por idades.

Como é que o combate à desigualdade pode favorecer o crescimento?

Existem duas grandes dimensões dessas desigualdades: uma tem que ver com a qualificação das pessoas, que é um factor determinante para a rentabilidade e para o seu próprio rendimento, mas só com o tempo se vai resolvendo. Temos que apostar cada vez mais em investir numa educação de qualidade para a empregabilidade. Há uma segunda dimensão que é a assimetria no mercado de trabalho entre os mais velhos e os mais novos que não conseguem encontrar trabalho. Estes estão a ser excluídos do mercado de trabalho o que também acentua as desigualdades.

Temos uma geração qualificada que tem menos ofertas de emprego do que a não qualificada?

Isso gera um estrangulamento de emprego. Daí que as questão da desigualdade sejam uma questão central de uma sociedade mais desenvolvida e mais próspera. Não existe uma solução imediata, mas a exigência é um tema que tem de estar em cima da mesa. Por exemplo, achamos que o sistema de ensino, mesmo o básico, é pouco exigente, não prepara os nossos jovens para a empregabilidade.

Um Governo deve ter, ou não, uma Política Económica?

Um governo deve assegurar o funcionamento dos mercados Tem que permitir um contexto de uma maior concorrência, que é o factor chave da competitividade de uma economia. E tem que assegurar a qualidade dos serviços em áreas onde só o Estado pode estar como a justiça, reduzindo a burocracia em termos de autorizações e licenciamentos, dando enquadramento ao sector da saúde e da educação com concorrência entre entidades a operar na esfera pública e privada. O Estado tem que ser forte, regulador e assegurar que as regras de jogo se cumprem.

Como é que garante que um regulador, que até pode ser independente dos poderes políticos, não fica capturado por interesses privados?

Têm de existir critérios de escrutínio muito claros e de reforço da independência. O período, em que após as funções de regulação, esses reguladores possam ir para a iniciativa privada, deve ser alargado. A selecção desses reguladores deve ocorrer em períodos distintos das legislaturas políticas, e a sua selecção deve decorrer ao nível da Assembleia da República e não ao nível do poder político. Mas a ideia chave é que o Estado se concentre em funções nucleares, fazendo aquilo que a iniciativa privada não pode fazer. E sendo, para o resto das actividades, um forte regulador, com sentido de arbitragem.

Como é que pensam promover o crescimento económico?

O crescimento para nós tem que vir por duas vias: pela competitividade externa da nossa economia, como é que vamos vender mais serviços e produtos para fora; e globalmente como é que vamos gerar mais riqueza com os mesmos recursos. Hoje não chegamos a 70 por cento da média da produtividade europeia. E os défices externos que fomos acumulando ao longo dos últimos anos e que nos levam hoje a um défice externo global superior a 100 por cento do PIB são reveladores da falta de competitividade da nossa economia. Há dois objectivos centrais: promover a competitividade externa, um objectivo atingível com políticas de mais curto prazo, e aumentar a produtividade global, que é mais de natureza estrutural.

Faz sentido identificar e apoiar sectores que exigem uma atenção maior do Estado, nomeadamente onde Portugal possa ter vocação exportadora?

Há um grande debate sobre as políticas industriais pró-activas. Mas tem que se ter um grande cuidado. Entendemos que se devem aperfeiçoar os mecanismos de funcionamento e de flexibilidade dos mercados, de que se tem falado muito, mas actuado pouco. Outra questão que contribui para o crescimento tem que ver com factores de enquadramento do próprio Estado, não na lógica da despesa pública, mas da máquina do Estado, designadamente em termos da Justiça, como simplificadora da actividade empresarial. E temos de concentrar os recursos em áreas prioritárias como as PME. Das cerca de 350 mil empresas portuguesas só 17 mil é que exportam, cerca de cinco por cento.

Com que medidas?

Dando incentivos favoráveis ao financiamento e ao reinvestimento de lucros, e garantir que o Estado paga atempadamente pois o Estado é o maior comprador público.

A promoção da competitividade externa deve ser feita ainda através da redução da taxa social única (TSU), por contrapartida do aumento do IVA, uma medida neutral. E há outro tema que é o da indexação dos salários à produtividade e não á inflação.

Como é que se materializam as propostas?

É muito simples. Numa lógica de empresa, temos de ver qual é o valor acrescentado que cada ano é gerado, se é que é. E com base no aumento da margem gerada face à actividade que a empresa tem definir-se-á se existe espaço para aumentos salariais. A política salarial tem que ser equacionada numa lógica de produtividade. Defendemos ainda que se deduza em sede de IRC os lucros retidos e reinvestidos. Isto para além das alterações o sistema fiscal de apoio à competitividade, dando maior peso dos impostos sobre o consumo do que sobre o rendimento e eliminando parte dos benefícios fiscais. Achamos que deve haver uma redução do número de escalões de imposto sobre o rendimento, e a introdução de incentivos ao reinvestimento dos lucros gerados e à capitalização das empresas. A criação de condições para atrair investimento estrangeiro e promover o empreendedorismo é uma prioridade.

Quais as vossas propostas para o mercado de trabalho?

A lógica do emprego para a vida acabou. Tem que se mudar o conceito de emprego, para o trabalho. Mas as empresas também têm que adaptar as suas forças de trabalho às exigências daquilo que são as suas estratégias competitivas. Por isso achamos que deve haver flexibilidade laboral, com novo contrato de trabalho e possibilidade das empresas em dificuldade baixarem os salários e deve haver revisão dos acordos colectivos de trabalho.

De que modo é que, no seu entender, se deverão apoiar sectores de actividade que venham a ser classificados de prioritários?

É preciso ter muito cuidado na promoção/criação artificial pelo Estado de sectores. Temos que nos especializar e ser produtores naquilo em que somos competitivos não podemos criar artificialmente sectores. Podemos ser deficitários num sector e ser altamente exportadores noutros. O problema é que não conseguimos nos sectores onde temos mais competências ser tão exportadores como devíamos. Mas achamos muito perigoso criar incentivos... pois esses recursos deixarão de ir para onde é necessário.

A captação de investimento estrangeiro consta das vossas propostas como modo de promover a produtividade do país?

Sim, temos de atrair investimento estrangeiro de qualidade e para sectores de valor acrescentado. E isso necessita de três coisas: um enquadramento macro económico estável, que hoje não existe, mas que após a clarificação da ajuda externa, passará a existir. Isto quer a nível fiscal, quer legal, quer laboral. O investidor estrangeiro quer que haja um acordo na sociedade, que ultrapasse a legislatura. Para se poder criar um quadro mínimo de captação de investimento estrangeiro de qualidade e de relevância temos de dar, num prazo de 10 anos, condições claras e favoráveis nos domínios fiscal, legal e de funcionamento do Estado. Há outra dimensão que tem que ver com a promoção mais integrada da inovação radical, que permita que os tais sectores emergentes tenham sucesso em Portugal. Nos EUA, entre 1992 e 2005, cerca de 64 por cento dos empregos criados foram em empresas com menos de cinco anos de existência. Nos últimos anos, assistimos em Portugal a um reforço dos doutorados e licenciados em áreas de engenharia e ciências. O grande desafio é transformar esse conhecimento em projectos empresariais.

O que pensam do tema da reabilitação urbana?

Não foi equacionado.

Tem sentido apresentar um programa, em muitos pontos idênticos ao que terá de ser adoptado, quando Portugal quando vamos ser governado nos próximos anos pela troika: FMI/UE (BCE)?

Gerou-se a percepção de que o acordo com o FMI vai retirar espaço de manobra ao País nos próximos anos. Não concordo. É óbvio que há um conjunto de aspectos que vão ser definidos no acordo, e a que o país vai ficar veiculado, mas existe todo um conjunto de políticas de natureza económica e a própria forma de se chegarem aos objectivos vai depender das opções do país. E, portanto, haverá campo para actuar na promoção do crescimento, com várias combinações possíveis. A Troika vai estar preocupada em ter garantias de que existem condições para a redução do défice público, a solidez do sistema financeiro e a criação de mecanismos que permitam o crescimento da economia. Alguns dos temas que abordámos vão estar seguramente em cima da mesa. Mas há outras soluções que não estão e que para promover o crescimento o país terão de ser adoptadas.

O que responde quando lhe dizem que a iniciativa Mais Sociedade tem uma agenda ultra liberal?

Quero dizer muito claramente que não é assim. Não é essa a lógica, nem o princípio. As preocupações de natureza social existem, mas para podermos prestar o apoio aos que necessitam é preciso mudar a forma de pensar e de prestar esses apoios. Não podemos continuar a dar apoios a pessoas que não têm o grau de fragilidade e de pobreza que outros têm. A preocupação social, que está presente nas nossas propostas, não é contraditória com as mesmas. Temos um Estado e um País que gera a riqueza que gera e que não é compaginável com um conjunto de apoios e de prestações sociais que têm vindo a ser concedidos. E temos que cortar nalgum sítio.

Mas não classifica as vossas teses sobre o papel do Estado, as privatizações, como liberais?

Acreditamos que o cidadão, a iniciativa privada deve ser ela a assumir as suas responsabilidades e deve ser ela o motor do crescimento. É ela que deve ter a iniciativa, que tem a responsabilidade de criar e para isso têm que ter condições de enquadramento. Não defendemos que seja o Estado a resolver tudo. Como somos um País pequeno, mais pobre, há quem pense que tem de ser o Estado a fazer tudo. Se ser ultra liberal é defender que se devem retirar as amarras do Estado, reforçar a responsabilização dos cidadãos e as oportunidades, então somos Agora se ser liberal é defender um país onde vale tudo, onde não há lugar para os mais desfavorecidos, então não somos. Mas isto não é uma questão ideológica, é escolher o que é melhor para o País.

“A venda da CGD não gera consenso entre nós”O que pensa a iniciativa Mais Sociedade do programa de privatizações?

A nossa posição é clara. O plano de privatizações deve ser reforçado. Hoje temos um défice significativo na área das empresas não financeiras, cujo endividamento bancário remonta a 31 mil milhões de euros.

Existem na Europa muitas empresas do universo público que são bem geridas e que dão dinheiro ao Estado. Porque é que cá em Portugal isso não acontece?

A pressão que muitas vezes existe para outro tipo de condicionantes que de alguma forma condicionam a gestão dessas empresas públicas é grande estando ela na órbita do Estado. A nossa forma e lógica de trabalhar não é essa. Pergunto: porque é que a Carris ou o Metro devem ser públicos? Há países em que não são. Em Inglaterra, por exemplo, não são. A concessão é que é pública. Deve é existir uma boa regulação. Na tal lógica em que o Estado deve ser o regulador, não vemos nenhuma razão para o Estado ser “o gestor”. Achamos que deve ser feito um programa extensivo de privatizações: CP, Metro, Carris...

Portanto...tudo...

A lógica é a divisão entre infra-estruturas e gestão da operação.

E a Refer também?

Não, nem o Metro na componente das infra-estruturas.

Concordam com a venda da REN?

Sim. E não falámos da TAP e da ANA que também devem ser privatizadas desde que haja um acordo parassocial. E no caso da TAP o que defendemos é a privatização no quadro de um parceiro estratégico que salvaguarde, no contexto de um acordo parassocial, a manutenção de uma companhia de bandeira portuguesa e que mantenha a sua base em Portugal.

E a venda do Grupo CGD que já foi defendida por Passos Coelho?

Neste caso, dentro do movimento, há divisões. Há consenso em relação à venda dos seguros e da área da saúde [da CGD], e não há consenso em relação à venda do banco CGD. Mas admite-se pelo menos uma privatização parcial.

Em Portugal os governos começam sempre por dizer que a venda é apenas parcial, caso da Galp, PT e da EDP, para depois acabarem por vender tudo...

Não temos dogmas...A nossa posição é clara: o peso do Estado na economia é excessivo e tem que ser reduzido. Há muitas empresas onde não há justificação para a presença do Estado. Não quero dizer com isto que não possam existir excepções. Mas são excepções onde o Estado possa manter uma presença que ajude a manter o centro de decisão nacional, mas que deverá ser alvo de uma discussão pública aprofundada. Este debate está em aberto e nem todos [Mais Sociedade] temos as mesmas opiniões, embora haja uma posição tendencialmente favorável a um programa vasto de privatizações. Acreditamos que a gestão feita por privados é mais racional.

Defendem a privatização dos serviços de Defesa Nacional, como alguns já defenderam?

Não. Essa é uma função de soberania que não deve ser privatizada.

Como comenta a acusação que alguns têm feito a Passos Coelho, como é o caso de Basílio Horta, de que não está preparado para ser Primeiro-Ministro?

Não concordo por estas razões: o cargo, pela sua complexidade, abrangência e responsabilidade é por definição um cargo em que é muito difícil à partida estabelecer uma avaliação fundamentada sobre o grau de preparação de qualquer candidato ao cargo. Muitos primeiros-ministros, quer em Portugal, quer no estrangeiro não tiveram um percurso profissional e político semelhante ao do dr. Pedro Passos Coelho. Mas gostava de realçar algumas características do dr. Pedro Passos Coelho reveladoras da sua preocupação em se preparar para o eventual exercício do cargo: escreveu um livro em 2010 onde retrata de forma clara e frontal a sua visão sobre os principais desafios para o país; manifestou a sua disponibilidade e interesse em ouvir a sociedade civil no processo de construção de uma alternativa para o país; expressou publicamente a opinião que o próximo governo deverá ser constituído por pessoas de reconhecida competência técnica e mérito pessoal, não sendo a filiação partidária o único nem o decisivo critério para a sua escolha.

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