Alterações inconstitucionais à Lei Orgânica do Referendo e à lei das ILC’s

As Iniciativas Legislativas de Cidadãos e as Pré-iniciativas de Referendo são meios fulcrais da “democracia participativa”.

Em 1 de Junho, a AR aprovou, “de uma assentada”, alterações a três leis relativas à Democracia participativa. Porém, essas leis e várias das normas nelas contidas são inconstitucionais.

Trata-se da 2.ª alteração em relação às Iniciativas Legislativas de Cidadãos (= ILC) e em relação às Pré-iniciativas de Referendo (= IR)[1], em menos de um ano.

Começamos com a pretensa alteração à "Lei Orgânica" do Referendo Nacional; depois, várias das considerações são transponíveis, "mutatis mutandis", para a Lei relativa à Iniciativa Legislativa de Cidadãos e à Lei regulamentadora do direito de petição.

1. Alteração à Lei Orgânica do Referendo Nacional, através de lei não titulada como "lei orgânica" “ab initio”: Lei n.º 50/2017 de 13 de Julho.

A Constituição reserva para as leis orgânicas o regime do referendo nacional (artigos 164.º, alínea b), e 166.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (= CRP)). CARLOS BLANCO DE MORAIS alude aqui a "reserva integral" e a "clausura da reserva orgânica"[2].

Com efeito, a primeira das especificidades procedimentais das leis orgânicas, como "leis reforçadas procedimentalizadas"[3], é terem:

i) “nomen legis” privativo[4], qualificação própria, obedecendo ao princípio da tipicidade taxativa, de que resulta uma inerente reserva de Parlamento (artigo 166.º, n.º 2, da CRP[5]). Dito de outro modo, existe uma forma solene e uma estabilidade normativa das leis orgânicas, "asseguradas por via de uma rigidez propiciadora de durabilidade temporal"[6]: “Lei Orgânica n.º X/2017”, que não é cumprida;

ii) forma própria;

iii) e numeração própria ou autónoma, que claramente não é cumprida: trata-se da Lei n.º 50/2017, e não da Lei Orgânica n.º 1/2017, como deveria ter sucedido[7],

Isto sucede, diversamente das leis ordinárias comuns. (v. também art.º 9.º, n.º 3, da Lei n.º 74/98)[8].

A emanação de leis orgânicas anteriores sobre a matéria do Referendo impede que sobre elas incida uma lei simples da Assembleia da República[9].

Deste modo, para todos os efeitos, a lei orgânica anterior resiste à revogação por parte da Lei n.º 50/2017, em virtude da respectiva força de lei formal negativa (cfr. artigo 112.º, n.º 3, 1.º critério, da CRP), uma vez que tem valor reforçado, com vinculação geral.

Assim, a Lei n.º 50/2017 não se encontra titulada como "lei orgânica"[10] e, como tal, padece de inconstitucionalidade formal[11], por deficiência de identificação[12], e, para todos os efeitos, ferida de nulidade[13].

Tendo uma lei ordinária simples da AR revogado preceitos de uma lei orgânica, "configura-se plenamente legítimo suscitar a fiscalização da sua constitucionalidade no plano formal, por preterição de requisitos constitucionais de produção legal"[14], por parte dos órgãos previstos no artigo 281.º, n.º 2; tais como o Presidente da República, um décimo dos Deputados em efectividade de funções (23) ou o Provedor de Justiça.

1.1. Em 17 de Julho, a pedido de Deputados, o Presidente da AR veio emendar e emitir a “Declaração de Retificação” n.º 19/2017, de 18 de Julho, veio tentar emendar o erro, referindo:

declara-se que a Lei n.º 50/2017, de 13 de julho (...), foi por lapso, publicada como lei e não como lei orgânica, pelo que se anula a referida publicação, procedendo -se à sua publicação autónoma e integral, atribuindo-se -lhe a designação de lei orgânica com numeração própria”; vindo a ser numerada e republicada no “Diário da República” como “Lei Orgânica n.º 3/2017, de 18 de julho [15]. Assim, o título da lei foi alterado; os preceitos, que se referiam à “Lei n.º 50/2017”, foram modificados, substituindo-os por “Lei n.º 15-A/98, de 3 de abril”.

Todavia, propendemos a considerar duvidoso que se trate de uma verdadeira “rectificação”. Com efeito, esta é definida como sendo dirigida à “correcção de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga” (artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro (Lei-formulário).

Manifestamos reservas a que um erro de qualificação deficiente se trate de um “lapso” “de natureza análoga” (isto é, similar) a erros gramaticais, ortográficos ou de cálculo. Julga-se que a alteração da qualificação (e não apenas numeração), feita pela AR, de uma lei simples para uma “lei orgânica”, não parece ser uma verdadeira “rectificação”.

Em qualquer caso, independentemente de, não concedendo, a resposta à questão da natureza jurídica da Rectificação poder eventualmente ser afirmativa, não temos dúvidas que tal Declaração de Rectificação[16] não possa sanar as inconstitucionalidades formais, referidas abaixo em 1.3, retroagindo à “aprovação” (em rigor, deveriam ser várias subfases), uma vez que o desvalor jurídico associado é o da nulidade, não o da mera irregularidade.

Também as inconstitucionalidades, abaixo mencionadas em 1.2, relativas à preterição dos requisitos procedimentais das leis orgânicas, não foram cumpridas, e, por isso, não podem ser sanadas pela Declaração de Rectificação, “a posteriori”.

Muito menos as restantes inconstitucionalidades, na fase da discussão e votação, poderam ser objecto de convalidação.

1.2. A Lei n.º 50/2017, de 13 de Julho (depois, requalificada como Lei Orgânica n.º 3/2017, de 18 de Julho), e a Lei n.º 52/2017[17] são também, salvo melhor opinião, formalmente inconstitucionais, na segunda e na terceira fases do processo legislativo parlamentar, por três razões:

i) Em primeiro lugar, houve “dispensa” da segunda fase do processo legislativo parlamentar: a fase da apreciação / consulta, ou fase instrutória, em comissão; o que acarreta inconstitucionalidade formal; 

ii) Em segundo lugar, deveria haver primeiro discussão e votação na generalidade - o que não existiu; depois, discussão e votação na especialidade[18]; e, só no final, votação final global (artigo 168.º, n.º 5).

Não pode haver “discussão conjunta”, na generalidade e na especialidade, diversamente do que sucedeu[19].

Na expressão do Presidente da AR, houve “discussão sem tempos”, o que é uma figura "sui generis" e insólita na boa prática parlamentar (ver "Diário da Assembleia da República", I Série, n.º 93, 2-6-2017, pg. 17).

Ora, é sabido que não pode haver votação final global precedida de discussão, ainda que “sem tempos”. 

iii) Em terceiro lugar, e mais grave, em virtude de as três fases – “rectius”, votações - terem sido realizadas simultaneamente em Plenário[20], em violação do decurso normal do processo legislativo parlamentar.

Com efeito, tudo se passou como se houvesse uma única votação, em violação das 3 subfases do processo legislativo parlamentar, conforme é consensual na Doutrina (quantomais não seja, pela diferenciação que é feita entre os números 4 e 5 do artigo 168.º).

Houve preterição da discussão na generalidade e de discussão na especialidade, o que acarreta inconstitucionalidade formal, por violação do art. 168.º, n.º 1, da CRP[21].

1.3. Gozando as leis orgânicas de um regime reforçado de fiscalização preventiva[22], houve também inconstitucionalidade por parte do Presidente da Assembleia da República, por não ter sido dado conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares, na data de envio ao Senhor Presidente da República do decreto para valer como "lei" pretensamente orgânica, no dia 20 de Junho, para efeitos de poderem também requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade (cfr. artigo 278.º, ns. 5 e 4, da CRP)[23]

2. Ambas as Leis prevêem a imperatividade da criação de dois Portais da Assembleia da República[24] (diversamente do que a Lei regulamentadora do direito de petição prevê, mesmo agora alterada pela Lei n.º 51/2017[25]): um para as Pré-iniciativas de Referendo; outro, para as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (Lei n.º n.º 52/2017 de 13 de Julho, 3.ª alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho; mas foi a segunda alteração em menos de um ano).

Conforme foi prometido por JORGE LACÃO, Deputado Coordenador do Grupo de Trabalho para o Parlamento Digital (criado em Junho de 2016, “com o objetivo de melhorar a qualidade da democracia parlamentar, através da utilização das novas tecnologias, aproximando o Parlamento dos cidadãos[26]), ambos os Portais serão criados até ao final do presente ano civil de 2017 [27].

A Resolução da Assembleia da República n.º 148/2017, de 13-7, refere:

O portal da Assembleia da República deve conter ainda: /(…) / e) A plataforma de submissão de iniciativas dos cidadãos, nomeadamente petições, iniciativas legislativas dos cidadãos e iniciativas populares de referendo;” (artigo 7.º, n.º 2, al. e))[28].

A Opinião Pública estará atenta e escrutinará o cumprimento desta medida.

2.1. Trata-se de soluções burocráticas, estatizantes e desnecessárias, configurando inconstitucionalidades por acção e duas omissões normativas relativas inconstitucionais.

Até que os Portais electrónicos da AR estejam a funcionar (e manifestamos algumas dúvidas sobre a capacidade logística de os serviços administrativos da AR os criarem em tempo útil) estejam a funcionar, continuará a ser inevitável que quaisquer ILC's ou IR’s sejam apresentadas mediante assinaturas em papel apenas[29].

Existem duas restrições às normas dos direitos fundamentais em causa (artigos 167.º, n.º 1, 4.º inciso; e 115.º, n.º 2), que, assim, constituem outros tantos fundamentos materiais de inconstitucionalidade por acção, por violação textual expressa.

Também não é de excluir que admite que possa existir também uma inconstitucionalidade por acção, por desvio de poder[30].

2.1.1. Cumulativamente, aqui, entramos na temática do instituto da omissão inconstitucional[31].

Na nossa maneira de ver, registam-seduas omissões normativas parciais[32], não institucionais[33]: “existe lei, mas (…) essa lei não exonera por completo o legislador do seu dever de actuação, estando este obrigado a uma nova intervenção.[34], de molde a tornar efectiva a norma preceptiva não exequível por si mesma[35].

Como refere JORGE MIRANDA, “A solução” deve “ser, no mínimo, a entrada em vigor das normas legislativas que não sejam exequíveis por si mesmas[36].

Os resultados a que o Legislador chegou são claramente insuficientes, depondo no sentido de as normas constitucionais, resultantes dos artigos 115.º, n.º 2, e 167.º, n.º 1, 4.º inciso, da CRP, continuarem desprovidas de exequibilidade[37].

este desvalor do resultado, que se traduz no não cumprimento da constituição por falta de exequibilidade das suas normas (…) justifica, desde logo, a ‘limitação da liberdade de conformação do legislador’ quanto à decisão da adopção da medida legislativa. O legislador não tem a liberdade de optar entre legislar” e decidir adiar a informatização das assinaturas[38]. Daqui resulta uma inconstitucionalidade por omissão, por “deficiência das medidas legislativas[39].

Estão aqui presentes, de forma cumulativa[40], deveres específicos de legislar[41], no sentido de emitir normas eficientes de procedimento, processo e organização[42], designadamente o dever de correcção ou adequação das leis vigentes, que violam direitos fundamentais[43];

2.2. Em termos de mérito, permitir que as ILC’s e as IR’s sejam subscritas electronicamente significa desburocratizar, reduzir custos, materiais e organizativos, para os cidadãos, desonerando estes, e possibilitar muito maior rapidez na contagem das assinaturas[44]. O grau de participação poderá certamente aumentar.

Há soluções muito mais simples e muitíssimo menos burocráticas: por exemplo, admitir (ainda que transitoriamente) o recurso a Portais criados pela comunidade, como o da “Petição Pública”, já reconhecido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados; sendo as ILC e as IR’s depois recepcionadas através de um Formulário no “site” da AR. Ou, em alternativa, reconhecer plenamente os Portais privados (era esse o sentido dos Projectos de lei, apresentados, aquando da discussão da Petição n.º 24/XIII/1.ª, em 2016, pelo BE[45], pelo CDS[46] e pelo PEV[47]).

Tais soluções normativas seriam conformes com a Constituição, e eliminariam as omissões inconstitucionais parciais.

3. A exigência adicional, de menção do número de cartão de cidadão eleitor, constitui restrições ou entraves inconstitucionais aos direitos fundamentais de iniciativa legislativa popular e de Pré-iniciativa de Referendo, devido a não passarem no crivo do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição)[48].

Note-se que a exigência de número de cartão de cidadão eleitor nunca havia constado da Lei Orgânica do Referendo. No caso da Lei n.º 52/2017, trata-se de um retrocesso da solução legislativa adoptada há menos de um ano, na Lei Orgânica n.º 1/2016, que havia sido aprovada por unanimidade.

Ora, este recuo não é de todo compreensível[49].

A exigência do número de cartão eleitor é tanto mais estranha quanto este, já desde 2007, se encontra “descontinuado”. Por outras palavras, o que é necessário para votar é o Cartão de Cidadão ou outro documento identificativo. O “cartão de eleitor” não tem de ser mostrado fisicamente, em papel, em cada Mesa eleitoral: basta citar ou mostrar o número eleitor[50], por exemplo, através de mensagem de SMS do telemóvel.

Por isso, “ressuscitar” um cartão “desmaterializado” e descontinuado, para os efeitos de exercer direitos fundamentais análogos a direitos, liberdades e garantias de participação política (cfr. art. 17.º; 48.º a 52.º da CRP), não faz qualquer sentido.

Em menos de um ano, a Assembleia da República introduziu um retrocesso e uma restrição inconstitucional ao direito fundamental de iniciativa legislativa popular, por ser desproporcionada (art. 18.º, n.º 2, da CRP), à norma da Lei Orgânica n.º 1/2016, que suprimira a exigência do número de cartão de cidadão eleitor; ao arrepio dos trabalhos preparatórios da Lei anterior[51].

4. Por fim, em termos de demérito das leis aprovadas, a criação de dois Portais, burocráticos e estatizantes, e a exigência do n.º de cartão de cidadão eleitor constituem um desrespeito por parte dos Programas de Forças políticas, que se apresentaram a eleições em 2015, bem como do “Programa de Governo”.

Com efeito, o Programa eleitoral do PSD e do CDS (“Portugal à Frente”) preconiza:

A revisão dos regimes de referendos e de iniciativa legislativa popular: nomeadamente promovendo asimplificação dos procedimentos edos requisitos exigidos para a iniciativa popular de referendo nacional e para a iniciativa legislativa por cidadãos.[52]

Por seu turno, o “Manifesto eleitoral” do Bloco de Esquerda às eleições legislativas preconiza:

Ampliar o acesso dos cidadãos à decisão política (…)[53].

Com a postergação "para as Calendas gregas" dos Portais das ILC's e das Pré-iniciativas de Referendo e mediante a exigência adicional da menção do número de cartão de cidadão eleitor, estão a ser defraudados compromissos eleitorais.

Há também incumprimento do Programa do actual XXI Governo constitucional, uma vez que este preconiza “Melhorar a qualidade da democracia”, reforçando a “confiança dos cidadãos relativamente à política, às instituições democráticas e aos seus responsáveis, actuando em “áreas-chave” como a “valorização de mecanismos já existentes (…);[54].

Ora, as alterações introduzidas não aumentam a valia dos institutos já existentes.

5. As Iniciativas Legislativas de Cidadãos e as Pré-iniciativas de Referendo são meios fulcrais da “Democracia participativa[55], corolários do Estado de Direito democrático[56], que visa assegurar uma abertura do Parlamento a determinados anseios do Povo português.

O direito de iniciativa legislativa popular permite ultrapassar os casos de «não decisão» inconstitucionais, potenciados pela eventual existência de uma estrutura super-representativa e ultra-partidária"[57].

Porém, uma ILC ou uma IR nunca é vinculativa para o Parlamento: este tem a possibilidade de votar qualquer delas desfavoravelmente, na discussão e votação na generalidade.

5.1. Entre 2003 e 2017, foram apresentadas apenas 5 Iniciativas Legislativas de Cidadãos, o que dá uma média de 0,35 ILC’s por ano. Tal vem a tornar o artigo 167.º, n.º 1, da Constituição, no fragmento referente às ILC's, “letra morta”.

Em 19 anos de vigência da Lei Orgânica do Referendo Nacional (1998-2017), foram apresentadas apenas 3 (três) Pré-iniciativas de Referendo; o que dá uma média de 0,15 Pré-iniciativas de Referendo por ano.

Com efeito, a Lei Orgânica do Referendo, de 1998, ficou estagnada no tempo, não tendo acompanhado o processo evolutivo da realidade[58], da Informática; tendo ocorrido paulatinamente uma inconstitucionalidade total por omissão deslizante[59], entre 1998 e até à Lei n.º 50/2017.

Ou seja, sem prejuízo da liberdade de conformação do Legislador, a demora de este actualizar a Constituição originou primeiro uma “situação constitucional imperfeita[60].; e, posteriormente, a situação criada pela “situação” de inércia legislativa resvalou para uma “realidade inconstitucional”[61], uma verdadeira inconstitucionalidade por omissão[62]parcial deslizante[63] superveniente.

A evolução tecnológica tornou obsoletas as condições legais de subscrição das Pré-iniciativas de Referendo. Assim, o prolongamento da inactividade do legislador, durante anos a fio, convolou definitivamente a situação legislativa vigente em inconstitucional “a posteriori[64]; uma vez que, a partir de uma situação de inércia legislativa, “já se operaram as transformações normativas e materiais da realidade constitucional que, à luz da Constituição, exigem uma intervenção reguladora sobre a realidade em causa.[65].

Por isso, também o artigo 115.º, n.º 2, da CRP tem sido “letra morta” naprática institucional.

Urge, por isso, que a AR inverta as consequências gravosas, senão mesmo catastróficas, aludidas "no mais curto lapso de tempo possível"[66]; pois, a não ocorrer uma actualização por parte do Legislador democrático, redundariam numa não concretização (ou, no mínimo, mais do que tardia), arbitrária e anacrónica, dos direitos dos cidadãos.

 

Vídeos: 1) Discussão da Petição n.º 24/XIII/1.ª em Plenário, em 6-5-2016, em https://www.youtube.com/watch?v=dSqYPs5FsLg&list=WL&index=158 ; 2) Audição dos Peticionários, IVO MIGUEL BARROSO, JOSÉ RIBEIRO E CASTRO, ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS, de 17-2-2016, em https://www.youtube.com/watch?v=Exm6_J2Itmk (com o Senhor Deputado JOSÉ SILVANO (PSD), Vice-Presidente da 1.ª Comissão Parlamentar, a presidir à Audição; e as intervenções das Senhoras Deputadas presentes, SANDRA MESTRE CUNHA (BE) e VÂNIA DIAS DA SILVA (CDS-PP)).

 

[1]Summo rigore”, não se trata de uma iniciativa, mas de uma “pré-iniciativa” (seguimos a terminologia proposta por JORGE MIRANDA (in Manual de Direito Constitucional, tomo VII, Estrutura constitucional da Democracia, Coimbra, 2007, n.º 111.III, pg. 326; IDEM, Artigo 115.º, XII,in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, 1.ª ed., JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Coimbra Editora, 2007, pg. 303).

V. também, com bastante interesse, MARIA LÚCIA AMARAL, A forma da República, Coimbra, 2005, 8.2, pgs. 258, 259; MARIA BENEDITA URBANO, O impacto da Quarta Revisão Constitucional na Parte III do Texto da Constituição: a Organização do Poder Político, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXIV, 1998, pg. 442.

[2] CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas. As leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos, diss., Coimbra Editora, 1998, pg. 703.

[3] CARLOS BLANCO DE MORAIS, Lei reforçada, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1.º suplemento, Lisboa, 1998, pg. 151.

[4] CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas, pg. 700.

[5] GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pg. 751; MARCELO REBELO DE SOUSA / JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição da República Portuguesa. Comentada, Lex, Lisboa, 2000, pg. 227.

[6] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas, pgs. 621, 700.

[7] Neste sentido, cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição…, II, 4.ª ed., Coimbra, 2010, anot. ao art. 166.º, III, pg. 343.

[8] Há, por isso, inconstitucionalidade, e também ilegalidade, sendaeste última consumida pelo vício mais forte da inconstitucionalidade.

[9] GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pg. 698; no mesmo sentido, cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas, pgs. 702-703.

[10] Cfr. "Lei n.º 50/2017 de 13 de julho. Sexta alteração à Lei n.º 15 -A/98, de 3 de abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo) 

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte: 

Artigo 1.º 

Objeto 

A presente lei procede à sexta alteração à Lei n.º 15 -A/98, de 3 de abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo), alterada pelas Leis Orgânicas n.os 4/2005, de 8 de setembro, 3/2010, de 15 de dezembro, e 1/2011, de 30 de novembro, pela Lei n.º 72 -A/2015, de 23 de julho, e pela Lei Orgânica n.º 1/2016, de 26 de agosto."

[11]Cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª edição, Coimbra, 2010, n.º 105.II, pg. 385.

[12] Considerando que, no decreto da Assembleia, os erros de identificação se convolam em inconstitucionalidades formais, cfr. MIGUEL GALVÃO TELES, Parecer, in O Presidente da República e o Parlamento, Assembleia da República, Lisboa, 2004, pg. 191 (nota 93).

[13] Com efeito, é mister distinguir este caso da lei orgânica deficientemente titulada, ou seja, com omissão de legenda, cujo desvalor era o da mera irregularidade (cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo I, Garantia da Constituição e controlo da constitucionalidade, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2006, pg. 259).

[14] CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, II, 1.ª ed., pgs. 56, 55.

O Autor considera que remanesce uma inconstitucionalidade indirecta, que consome o desvalor da ilegalidade (IDEM, ibidem).

[15]Declaração de Retificação n.º 19/2017”, de 17 de Julho, in Diário da República, 1.ª série, n.º 137, 18 de julho, pg. 3795.

[16] Ainda assim, a Declaração de Rectificação n.º 19/2017 foi publicada dentro do prazo de 60 dias (artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 74/98); formalidade que foi cumprida.

[17] Também a Lei n.º 51/2017, que procedeu à alteração à Lei regulamentadora do direito de petição, e republicação, padece dos mesmos vícios formais, apontados às leis anteriores.

[18] Neste caso, teria de ser feita necessariamente em Plenário, dada a exigência do artigo 168.º, n.º 4, da CRP, com remissão para o artigo 164.º, al. b).

[19] V. "Diário da Assembleia da República", I Série, n.º 93, 2-6-2017, pg. 17.

[21] O facto de o projecto de lei ter sido subscrito e votado por todos os Grupos parlamentares e pelo Deputado do “Pessoas, Animais, Natureza” (PAN) evidentemente não é de todo susceptível de sanar estas inconstitucionalidades formais, flagrantes.

[22] Para utilizar a expressão de JORGE MIRANDA, Artigo 112.º, XXIII, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Coimbra, 2007, pg. 273. Cfr. DAVID DUARTE / ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO / MIGUEL LOPES ROMÃO / TIAGO DUARTE, Legística, Almedina, Coimbra, 2004, pg. 311.

[23] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas, pg. 726; IDEM, Justiça Constitucional, II, 1.ª ed., pgs. 37-38, 52.

O único órgão de soberania que cumpriu o trâmite procedimental foi o Senhor Presidente da República, em virtude de esperado 8 dias antes de promulgar ao 9.º dia – a chamada “promulgação vedada” em razão do tempo (art. 278.º, n.º 7, 1.ª parte, da CRP). 

Não obstante, o Senhor Presidente da República poderia ter levantado objecções constitucionais às três leis mencionadas, junto do Tribunal Constitucional (cfr. artigo 278.º n.º 1, da CRP que indicia uma faculdade discricionária de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional; conforme é a opinião de MIGUEL GALVÃO TELES e de JORGE MIRANDA, designadamente em virtude de uma interpretação inferente do fragmento literal "pode"; em sentido oposto, RUI MEDEIROS).

A nosso ver, o caminho mais adequado teria sido que o PR requeresse a fiscalização preventiva da constitucionalidade, dado que a qualificação parlamentar era deveras insatisfatória (cfr. MIGUEL GALVÃO TELES, Parecer, in O Presidente da República e o Parlamento, Assembleia da República, Lisboa, 2004, pg. 191 (nota 93)).

Com efeito, encontram-se sujeitas a fiscalização preventiva não apenas os decretos cuja titulação ou objecto principal indiciem carácter orgânico, mas também todos os decretos que disponham sobre a reserva material orgânica (CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas, pg. 727).

[24] Ver a nossa crítica em Iniciativas Legislativas de Cidadãos já!, in Público, 22 de Julho de 2016 (também in Jornal Tornado, 1 de Agosto de 2016), publicada há um ano.

Aí, prevíamos que esta solução adiava a informatização das assinaturas das ILC’s “para as Calendas gregas”.

Não nos enganámos no prognóstico: passado um ano, ainda não há concretização prática das ILC’s.

[25] Cfr. Lei regulamentadora do direito de petição, que, aqui, admite Portais privados – Lei n.º 52/2017, de13 de Junho.

[26] Despacho do Presidente da AR (http://www.parlamento.pt/sites/COM/XIIILEG/GTARPD/Paginas/default.aspx.

Já a Resolução parlamentar n.º 64/2014, de 10 de Junho, preceituava:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, adotar os seguintes procedimentos: / (…) 42 — Facilitar a comunicação bidirecional. O Parlamento português está empenhado em implementar ferramentas tecnológicas interativas de forma a reforçar a capacidade dos cidadãos para proporem contribuições significativas para a legislação (…)”.

[27] Cremos que terá sido na Reunião de 18 de Abril de 2017, promovido pela 12.ª Comissão, de que há vídeo, disponível no Canal Parlamento (visionado na AR-TV), em que o Deputado JORGE LACÃO prometeu 3 Portais até ao final do ano (v. a Ordem de trabalhos), gravado pelo Canal Parlamento.

No dia seguinte, 19 de Abril, saiu a notícia no Público.

[28] In Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 134, 13 de julho de 2017, pg. 3726.

[29] Há duas normas de "vacatio legis" em ambas as leis, sendo a segunda "sui generis". No caso da Lei n.º 52/2017, o segundo enunciado linguístico preceitua:

O n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, na redação dada pela presente lei, produz efeitos com o cumprimento dos requisitos técnicos aplicáveis e a entrada em funcionamento da plataforma eletrónica nele referida.” (artigo 6.º, n.º 2).

[30] Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo II, O Direito do contencioso constitucional, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, n. 832, pg. 499.

[31] Omitir significa “[n]ão fazer algo” que era esperado fazer, porque era juridicamente devido ou imposto” (JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas. Contributo para uma Teoria da inconstitucionalidade por omissão, diss., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2003, pg. 11; GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2010, anot. ao art. 283.º, IV, pg. 987).

Sobre o conceito de omissão legislativa, v., desenvolvidamente, duas Dissertações de Mestrado, de JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas. Contributo para uma Teoria da inconstitucionalidade por omissão, diss., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2003, pgs. 11-13, 23; 88-94; e de RAQUEL ALEXANDRA BRÍZIDA CASTRO, As omissões normativas inconstitucionais no Direito Constitucional Português, diss., Almedina, Coimbra, 2012, pgs. 79 ss.; bem como CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo II, O Direito do contencioso constitucional, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, ns. 830-832, pgs. 497-503, e ns. 1196-1210, pgs. 871-890.

Cfr. também CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, anot. ao art. 15.º, n.º 12, pg. 339; GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa. Anotada, Volume II, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2010, anot. ao art. 283.º, III a V, pgs. 987-988, X e XI, pgs. 990-991; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, pg. 1035; IDEM, Constituição dirigente e vinculação do Legislador, 2-.ª ed., diss., Almedina, Coimbra, 2001;  pgs. 205, 276, 335; FERNANDO ALVES CORREIA, Justiça Constitucional, 1.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pgs.182-184; RUI MEDEIROS, Artigo 283.º, V, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Organização do poder político. Garantia e revisão da Constituição. Disposições finais e transitórias, Artigos 202.º a 299.º, 1.ª ed., JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Coimbra Editora, 2007, pgs. 866-874; JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo VI, Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição, 4.ª ed., revista e atualizada, Coimbra Editora, 2013,

n.º 92.II, pg. 361, n.º 93.I, pgs. 364-366, ns. III a VI, pgs. 368-373; n.º 95.II a IX, pgs. 380-387; n.º 99.III, pg. 398; CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo I, Garantia da Constituição e controlo da constitucionalidade, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2006, n.º 68, pgs. 136-137; JORGE PEREIRA DA SILVA, Deveres do Estado de protecção de direitos fundamentais. Fundamentação e estrutura das relações jusfundamentais triangulares, diss., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pgs. 670-674.

[32] Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., pg. 1035.

[33] Relativa a um direito fundamental (JORGE MIRANDA, Manual…, VI, n.º 93. I, pg. 366.

[34] JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pg. 89.

[35] JORGE MIRANDA, Manual…, VI, 4.ª ed., n.º 93.V, pg. 371.

é indiferente que o cumprimento incompleto tenha ficado a dever-se a uma errada interpretação das normas constitucionais que estabelecem o dever de actuação legislativa, a uma deficiente avaliação das circunstâncias factuais, (…) ou até a uma intenção expressa do legislador” (JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pg. 89).

[36] Cfr. JORGE MIRANDA, Manual…, VI, n.º 92.III, pg. 363; cfr. IDEM, Decreto, Coimbra, 1974, pgs. 60 ss.; IDEM, Um Projecto de Revisão Constitucional, Coimbra, 1980 (art. 127.º, n.º 5).

[37] Cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição…, II, 4.ª ed. revista, anot. ao art. 283.º, VI, pg. 988.

[38] Cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição…, II, 4.ª ed. revista, anot. ao art. 283.º, VI, pg. 988.

[39] JORGE MIRANDA, Manual…, VI, n.º 93.I, pg. 366, e n.º 95.X, pg. 387; já assim, JORGE MIRANDA, Inconstitucionalidade por omissão, pg. 348; JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pg. 58.

[40] Referindo expressamente a cumulação de deveres de actuação, cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pgs. 86-87.

Cfr. JORGE MIRANDA, Manual…, VI, 4.ª ed., n.º 95.I, pg. 381.

[41] Sobre o conceito de dever específico de legislar, v., designadamente, JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pgs. 23-24:“existe um dever específico de legislar sempre que a interpretação das normas constitucionais em causa revelar de forma inequívoca (…) o ‘se’, o ‘quando’ e o ‘como’ das noras legais a emanar” (IDEM, ibidem, pg. 23).

[42] Cfr. JORGE MIRANDA / JORGE PEREIRA DA SILVA, Artigo 18.º, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., pg. 326.

Distinguindo entre deveres de protecção, por um lado, e deveres de organização, procedimento e processo, por outro, JORGE PEREIRA DA SILVA, Deveres do Estado de protecção de direitos fundamentais, pgs. 36-39.

[43] JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pgs. 58-66.

Com efeito, “o incumprimento de um dever jurídico-constitucional de actuação não coincide necessariamente com a falta ou inexistência (total ou parcial) de uma lei sobre uma dada matéria, podendo suceder, designadamente, que o legislador já tenha disposto sobre um determinado direito fundamental e, ainda assim, haver lugar à verificação de uma inconstitucionalidade por omissão” (JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pg. 58).

as normas de organização, procedimento e processo colocam-se ao lado dos titulares dos direitos fundamentais, em face de possíveis comportamentos agressivos, provindos do próprio Estado” (JORGE PEREIRA DA SILVA, Deveres do Estado de protecção de direitos fundamentais, pg. 644).

Para mais desenvolvimentos, vide as passagens das obras de GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., pg. 1035, com arrimo em PETER BADURA e R. STETTNER; e de JORGE MIRANDA / JORGE PEREIRA DA SILVA, Artigo 18.º, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Coimbra, 2010, III, XIII, pg. 327, e V, XIV, pg. 344.

É defensável, embora algo duvidoso, que possa estar em causa também a violação dever de reposição da igualdade, em relação ao regime do direito de petição e da Iniciativa Legislativa Europeia. Porém, pode entrever-se uma diferenciação material entre uma Petição, por um lado, e uma ILC ou IR, por outro. O Legislador de 2107 optou por conferir o mesmo regime conjuntamente às ILC’s e às IR’s, pelo que, pelo menos ao nível do Direito interno, não parece existir violação do princípio da igualdade, prevalecendo a margem de livre conformação do Legislador, sem prejuízo de, “de jure condendo”, não concordarmos com a solução dos Portais estatizantes. 

Em termos de mérito pelo menos, porém, entendemos que as soluções deveriam ser aproximadas do regime jurídico aplicável ao direito de petição; isto é, admitindo também Portais privados.

[44] Já em 21 de Dezembro de 2011, o BE apresentou um Projecto de lei, visando incorporar a realidade da Internet nas ILC (Projecto de lei disponível em http://www.beparlamento.net/sites/default/files/pl_ilc.pdf). A Deputada CECÍLIA HONÓRIO defendeu a informatização das assinaturas das ILC, na Reunião Plenária de 2012, já lá vão 6 anos (!!).

O BE, por intermédio da Deputada Professora SANDRA MESTRE CUNHA, bateu-se por este objectivo (redução para 4.000 assinaturas), no Projecto de lei que apresentou (v. https://www.youtube.com/watch?v=o9JXYdEK04s); tal como o CDS e o PEV.

[45] O artigo 6.º, n.º 2, do Projecto de lei n.º 167/XIII/1.ª, apresentado pelo BE, preceitua: “O direito de iniciativa legislativa de cidadãos pode também ser exercido por correio eletrónico ou através da internet, devendo a Assembleia da República organizar um sistema de receção eletrónica de iniciativas.

[46] Projecto de lei n.º 188/XIII/1.ª, apresentado pelo CDS-PP:

Artigo 6.º-A [Apresentação eletrónica]

1. O direito de iniciativa legislativa de cidadãos pode também ser exercido por correio eletrónico ou através da internet.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a Assembleia da República organiza um sistema independente de receção eletrónica de iniciativas legislativas de cidadãos.

Artigo 3.º (Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Neste Projecto de lei, requeria-se a “verificação dos dados por parte de uma entidade credenciadora” (art. 6.º, n.º 3); a qual, porém, não seria necessariamente o Parlamento.

[47] Projecto de lei n.º 208/XIII/1.ª, apresentado pelo PEV (artigo 6.º, n.º 2, al. c)).

[48] Neste sentido, Petição "Simplificação dos requisitos das Iniciativas Legislativas de Cidadãos e das Iniciativas Legislativas de Referendo. Por uma Democracia Participativa ao serviço dos Cidadãos" - tramitada entre Fevereiro e Julho de 2016, e que deu origem à Lei Orgânica n.º 1/2016 –; bem como Audição dos Peticionários desta Petição:

«2. Pedido complementar: simplificação das formalidades das Iniciativas Legislativas de Cidadãos

(…)a Lei n.º 17/2003, reguladora das Iniciativas Legislativas de Cidadãos (ILC’s), contém formalidades excessivas, que se tornam um empecilho à angariação de assinaturas; designadamente a exigência de “indicação (…) do número de cartão de eleitor correspondente a cada subscritor” (artigo 6.º, n.º 2, alínea c)); / (...)

Ora, actualmente, estas regras não fazem qualquer sentido, uma vez que o número de cartão de cidadão eleitor não é exigido nem para as Petições, nem para as Pré-Iniciativas de Referendo, nem para a Iniciativa Europeia.

O que se pretende é a uniformização dos quatro regimes, à luz do princípio da igualdade material.

Além disso, o recenseamento eleitoral passou a ser passivo e qualquer cidadão passa, “ipso facto”, a estar registado como eleitor no momento de emissão do respectivo cartão de cidadão, havendo, portanto, quanto à indicação do registo eleitoral, uma exigência redundante e que, de forma superveniente, deixou de se coadunar com o regime jurídico vigente.

Nestes termos, é de suprimir essa exigência. Os regimes jurídicos das ILC’s devem, pois, ser aproximados, em prol do aprofundamento da Democracia representativa e do direito fundamental multifacetado de tomar parte (…) na direcção dos assuntos públicos do País, (…) por intermédio” dos Deputados da AR, “representantes livremente eleitos” (cfr. art. 48.º, n.º 2, da CRP).»

Assinale-se a concordância da Deputada SANDRA MESTRE CUNHA, na discussão na generalidade dos 6 projectos de lei que foram apresentados, aquando dessa Petição.

[49] De resto, não se compreende a manutenção dos números 5 e 6, que inculcam a verificação da identificação dos subscritores da iniciativa legislativa. Em rigor, estes números só incidem sobre as assinaturas em papel.

Cfr. o artigo 6.º, números 5 e 6, da Lei das ILC’s, na redacção da Lei n.º 51/2017:

5 — A Assembleia da República pode solicitar aos serviços competentes da Administração Pública a verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade da identificação dos subscritores da iniciativa legislativa. 

6 — A Assembleia da República verifica a validade dos endereços de correio eletrónico, cuja indicação é obrigatória pelos subscritores que utilizem plataforma eletrónica.

[50] O número de cartão de cidadão eleitor que pode ser obtido através dos dados do recenseamento, através da Internet ou através de mensagem de SMS de telemóvel.

[51] Sobre os trabalhos preparatórios, v. a Petição "Simplificação dos requisitos das Iniciativas Legislativas de Cidadãos e das Iniciativas Legislativas de Referendo. Por uma Democracia Participativa ao serviço dos Cidadãos"  (Petição n.º 24/XIII/1.ª, tendo como primeiros Peticionários JOSÉ RIBEIRO E CASTRO e nós próprios, autores materiais da Petição apresentada à AR.

Na altura, foi consensual, quer na audição dos Peticionários (por intermédio do Dr. JOSÉ RIBEIRO E CASTRO, minuto 29'11 ss.), quer na discussão da Petição em Plenário, a abolição do número de cartão de cidadão eleitor; designadamente por parte do Bloco de Esquerda (v. intervenção da Deputada e Professora SANDRA MESTRE CUNHA em Plenário).

[52] Programa eleitoral da Coligação “Portugal à frente”, disponibilizado na Internet em 29 de Julho de 2015, pg. 125.

[53]Manifesto do Bloco de Esquerda (disponibilizado na Internet), pg. 40.

[54] Programa do XXI Governo Constitucional, apreciado em Dezembro de 2015(consultado na Internet em http://economico.sapo.pt/public/uploads/articles/1_novo_site/ProgramaXXIGC.pdf), pg. 41.

[55] Conexa com a Democracia participativa, está a Democracia semidirecta (cfr. JOSÉ MELO ALEXANDRINO, Lições de Direito Constitucional, Volume II, 2.ª ed., AAFDL, Lisboa, 2017, 12.4, pg. 106.).

[56] Artigo 2.º, “in fine”, e Preâmbulo, “in fine”, da Constituição da República Portuguesa.

Pode também considerar-se que faz parte do direito fundamental multifacetado de “tomar parte (…) na direcção dos assuntos públicos do País, (…) por intermédio” dos Deputados da AR, “representantes livremente eleitos” (cfr. art. 48.º, n.º 2, da Constituição).

[57] GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 348.

[58] JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pg. 59; cfr. pgs. 200,

[59] Quanto às Pré-iniciativas de Referendo, sendo a Lei Orgânica do Referendo Nacional, de 1998, não houve imediatamente uma omissão inconstitucional.

Porém, com o crescimento dos utilizadores da Internet, a situação ainda era conforme à Constituição, mas havia a ameaça de ela se tornar inconstitucional (podendo aludir-se a "situação constitucional imperfeita" (GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pgs. 205, 276, seguindo PESTALOZZA, Noch Verfassungsmaessige und blossverfassungswidrige Rechtslagen, in FestagabeBundesverfassungsgericht, vol. I, Tubinga, 1976, p. 540), uma "zona cinzenta de situações imperfeitas" (“grauen Zone Verfassungsimperfekter Sustaende”), que se desenvolve entre a nulidade e a constitucionalidade "sem mácula" ("malelloserVerfassungsmaessigkeit").

"Nestas hipóteses, a solução do 'apelo' ao legislador (...)", através de uma recomendação, é o único "recurso pragmático" (GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pgs. 205, 276).

[60] Cfr. GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 205.

[61] Cfr. GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 276.

[62] Cfr. GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 205.

[63] Parafraseando GOMES CANOTILHO, o"tornar-se inconstitucional" de uma lei ou de uma situação é um processo e não um acto" (GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 276).

a actuação e dinamização das imposições constitucionais (...)" não tem datas rigidamente marcadas, sendo, sim, um “processo de concretização" que, não obstante a ausência de termos “a quo” e “ad quem”; exige que a iniciativa legislativa não seja remetida para as Calendas gregas (neste sentido, GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 205).

Sobre as omissões inconstitucionais deslizantes, RUI MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999, pp. 542 ss.; JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pgs. 59-62; cfr. GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente…, pg. 276.

[64] Cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pgs. 59-60.

[65] Cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, pg. 200.

[66] Citando JORGE MIRANDA e JORGE PEREIRA DA SILVA, o “dever de 'concretização' das imposições constitucionais expressas constantes das (...) normas jusfundamentais (...) deve ocorrer no mais curto lapso de tempo possível, atendendo às exigências próprias do debate técnico e político que sempre antecede e acompanha os processos legislativos" (JORGE MIRANDA / JORGE PEREIRA DA SILVA, Artigo 18.º, III, XIII, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., pg. 326).

 

Docente universitário; representante dos Peticionários da Petição à AR n.º 24/XIII/1.ª, intitulada Simplificação das Iniciativas Legislativas de Cidadãos e das Iniciativas de Referendo. Por uma Democracia Participativa ao serviço dos Cidadãos

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