“Profunda alteração da organização do Estado” avança em 2017-2021

O ministro-adjunto promete que até às autárquicas de 2017 terá pronto o quadro legal que permitirá a eleição directa dos presidentes das áreas metropolitanas. Outra garantia é a de que as CCDR serão reforçadas com poderes e competências da administração central. De fora ficam as finanças.

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Eduardo Cabrita Daniel Rocha

Aos 55 anos, o ministro-adjunto do primeiro-ministro, Eduardo Cabrita, é o responsável pelo poder local e pela descentralização no Governo de António Costa. Aliás, há uma década, já tutelou este dossier como secretário de Estado também de António Costa, então ministro da Administração Interna. Afirmando que o centralismo português só é comparável com o da Grécia e da Turquia, o ministro-adjunto frisa que a descentralização é sinónimo de desenvolvimento. E reafirma que a avaliação das freguesias será só depois das autárquicas.

Quando arranca a legislação sobre descentralização?
A descentralização é o pilar de uma verdadeira reforma do Estado. Pelo contrário, o centralismo e a desorganização da administração territorial do Estado são dos principais factores de subdesenvolvimento português. Estive a trabalhar sobre estes temas no início de Maio na Organização para o Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e a OCDE diz que a descentralização é um dos sinais de desenvolvimento. O nosso nível de centralismo só é comparável, na Europa no âmbito da OCDE, com o da Grécia ou da Turquia. Os exemplos são múltiplos com sistemas constitucionais muito diversificados, mas os países mais desenvolvidos – aqueles que normalmente são a nossa referência caracterizam-se por níveis elevadíssimos de descentralização. Temos, desde a Agenda para a Década, um objectivo de, no quadro de uma década, nos aproximarmos do nível médio – não nos podemos comparar a países com modelos federais – e passar de cerca de 16 para 24% de despesa pública realizada a um nível regional e local.

O que é que isso significa?
Temos uma marca a meio da legislatura que nos favorece nesta preparação: as eleições locais realizam-se em Outubro de 2017. O que é que isto significa? Significa que não há transformações estruturais profundas que sejam feitas no Orçamento [do Estado] de 2016 nem haverá alterações estruturais profundas no Orçamento de 2017. Todo o trabalho que estamos a fazer visa que no próximo círculo autárquico de 2017/2021 tenhamos já um quadro correspondente a uma profunda alteração no modelo de organização do Estado. Na Europa quase não há dois países com exactamente o mesmo modelo de organização territorial, agora o que não existe é nenhum como nós. Em Portugal, uma parte dos ministérios estão organizados segundo os antigos distritos, outros segundo os modelos das comissões de coordenação regional, o que significa que, quando se quer juntar as várias áreas para definir prioridades para o Alentejo ou para o Norte, bom… cada um tem o seu Norte e cada um fala do seu Alentejo, sendo que a desresponsabilização é total e a opacidade na decisão é significativa.

Essa reestruturação vai ser feita de forma integrada nas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR)?
Há vários planos. Um é racionalizar a organização territorial do Estado, o que significa fazer convergir a generalidade das estruturas territoriais do Estado para o modelo das CCDR.

Na generalidade?
Não tem sentido, a não ser em funções que sejam estritamente centrais, caso das direcções de finanças ou direcções de segurança social, que na sua parte financeiras são funções puramente nacionais. Nessa matéria não há necessidade nenhuma de uma estrutura regional.

As CCDR vão receber competências e vão racionalizar poderes que são do Estado mas são eleitas indirectamente por um corpo de eleitores que estão num patamar administrativo inferior. Depois há as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto com uma legitimidade directa, mas praticamente sem poderes. Não há aqui contradição?
Vamos separar as questões. A mera racionalização territorial, ainda que não descentralizássemos nada, era um ganho imenso. Era bom que fizessem um trabalho sobre os milhões de euros que são decididos por pessoas sem rosto…

Ninguém questiona isso.
Mas esse é um ganho.

O que é que vão fazer as áreas metropolitanas que vão ser eleitas pela primeira vez directamente?
Estamos a falar de planos distintos. No caso das CCDR, há o plano de definição das prioridades de planeamento e de desenvolvimento no quadro de grandes espaços territoriais. As áreas metropolitanas são autarquias locais que a Constituição prevê relativamente às grandes áreas urbanas. Não faz nenhum sentido que o presidente da Câmara de Sintra ou de Oliveira de Azeméis, que são os actuais presidentes das áreas metropolitanas, vão uma tarde por mês pensar sobre as áreas metropolitanas. As áreas metropolitanas têm um tipo de poderes, são autarquias completamente diferentes das CCDR. São autarquias que têm a ver com questões que existem nas grandes áreas urbanas e que não têm uma resposta à escala do município. Exemplos óbvios: coordenação dos transportes, intervenção na área das águas, na área dos resíduos, na negociação da energia, na promoção turística. Não tem sentido hoje dizer: Vá visitar Cascais. Tem sentido dizer: Vá visitar Lisboa, que, para este efeito, vai de Mafra a Sesimbra. Também não tem sentido falar da atracção de projectos económicos para Gondomar ou para São João da Madeira. Tem sentido é falar daquilo que é a marca Porto. Essa articulação no espaço de uma grande autarquia de matérias que têm uma dimensão supramunicipal corresponde a algo que está previsto na Constituição e que tem um modelo de decisão e que todos os autarcas das áreas metropolitanas contestam.

E as freguesias, que competências vão receber?
A experiência de Lisboa [quando António Costa era presidente] mostrou que é possível descentralizar competências do município para as freguesias e dar sentido, razão de ser, às freguesias das próprias áreas urbanas. Nesta área, temos de olhar para as freguesias como entidade de proximidade que terá uma natureza diferenciada em espaço rural e em espaço urbano. E valorizar igualmente que, aquilo que é feito com base em delegações pontuais pelos municípios, possa ser estabilizado, isto é, que a transferência de competências tenha, no mínimo, a vigência de um mandato com regras claras e naturalmente com claro acompanhamento.

Mas já tem ideia sobre as competências a transferir?
Da gestão dos espaços verdes à gestão daquilo que é uma participação no ensino no primeiro ciclo até licenciamento de actividades simples de nível local. As freguesias podem, de facto, transformar-se em verdadeiros balcões multisserviços de proximidade extrema.

Por que razão é que o Governo retirou da agenda política a revisão do mapa de freguesias?
O programa do Governo é muito claro: a palavra utilizada é avaliar e, portanto, é isso que estamos a fazer. Aliás, está já constituída a equipa técnica com a participação da Associação Nacional de Municípios Portugueses [ANMP] e da Associação Nacional de Freguesias [Anafre]. São nove elementos em que as autarquias são largamente maioritários têm seis elementos e que vão definir os critérios de avaliação. Aqui há dois erros que não podem ser repetidos: autoritarismo e precipitação. Foi o que aconteceu, decidir de cima para baixo e decidir precipitadamente. Estas questões de reforma do Estado exigem perenidade e rigor e, por isso, não podemos ser toldados pela emoção. Sabendo que o modelo anterior foi decidido de forma autoritária de cima para baixo, de forma precipitada, por vezes com grande desconhecimento da realidade local, queremos envolver a ANMP e a Anafre e, futuramente, os autarcas a nível local numa avaliação rigorosa dos méritos e dos defeitos e da experiência.

Quando é que há resultados dessa avaliação?
O grupo técnico está constituído e tem um mandato de 180 dias.

Mas o Governo criou algumas expectativas em relação à reorganização territorial das freguesias. O secretário do Estado das Autarquias declarou recentemente que a revisão do mapa das freguesias está na “agenda” do Governo.
A avaliação deve ser feita durante o mandato do Governo. Nós somos rigorosos no cumprimento daquilo que é o nosso programa.

E nessa avaliação que está a ser feita prevêem contemplar críticas do PCP e do BE nomeadamente a proposta do BE de fazer um referendo local?
Neste caso, devemos sempre ponderar tudo, temos é de ter uma grande atenção ao que diz a Constituição.

A Constituição não prevê esse referendo?
A Constituição prevê que os referendos só são realizáveis relativamente a competências próprias, a competência para a criação ou extinção de autarquias locais é reserva absoluta da Assembleia da República.

Não é apenas o PCP e o BE que discordam. No PS, esta questão também não é pacífica. O antigo presidente da ANMP, Mário de Almeida, já veio criticar o Governo, acusando-o de ter recuado em relação a esta matéria.
Não houve recuo nenhum. O Governo está em função há seis meses, num mandato de quatro anos, e cumprirá o seu programa. Aliás, é por isso que, com o acordo da ANMP e da Anafre, está constituído este grupo para a definição os critérios de avaliação. Somos um país de homens livres, compreendemos as expectativas, mas exactamente por isso é que precisamos de quatro anos para cumprir o nosso programa.

Quando é que vai haver regionalização?
O meu compromisso é com o programa do Governo e a [regionalização] não está no programa do Governo.

Concorda com o líder do PS-Porto que diz que se está ainda muito longe de convencer a maioria das pessoas de que a regionalização é indispensável ao desenvolvimento equilibrado do país e à coesão?
Temos custos pesadíssimos do centralismo da desorganização territorial. Este modelo caótico de organização do Estado, a falta de transparência em que imensas decisões são tomadas por pessoas que ninguém sabe quem são e sem legitimidade, obriga-nos aqui a racionalizar o Estado.

Mas essa racionalização como está feita anula o princípio da regionalização por referendo que a Constituição prevê. Ou não?
Não, porque não estamos a falar de autarquias. O modelo [de descentralização] assenta na clarificação e racionalização a nível regional de prioridades de planeamento e de desenvolvimento. Acabando com o caos actual, permitirá no futuro que a questão possa ser repensada com base nas vantagens de uma reorganização territorial do Estado.

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