Setembro

Pôs-se um Setembro abafado, muito húmido, com os dias pesados que parecem pousar-nos nos ombros como sacos, fardos de céu caído. Anda tudo a queixar-se de dores de cabeça, dores nas articulações, constipações que não pingam, cansaço para tudo, para comer ou amar. Este tempo cansa até para a felicidade mais fácil e recomendada. O Verão deixou de o ser para se comportar como um anúncio de tempestade. Uma fogueira estranha, que arde sem se ver.

Sabemos mal o que fazer da roupa, se levamos casaco à rua ou arriscamos brisa fora, às vezes a passar de fininho um vento irritante que só serve de alfinete para o recôndito dos ossos. Começo a ter idade para os reumatismos, fico a pressentir temperaturas e assobios. Assusto-me com os cães. Há cada vez mais cães abandonados. A crise e a glória das férias deitam os bichos à rua. Passam famélicos e observadores. Alguns ainda me devem confundir com os péssimos donos que tiveram. Talvez criem a expectativa de um regresso. Tenho-lhes medo e uma pena infinita.

Entretanto, os amigos são como o que pensamos das estações do ano, apenas tendenciais. Por mais que queiramos criar padrões para uma qualquer estabilidade, há alturas em que não há Verão, não há amigo. Ficamos sempre perplexos e defraudados. Compramos uma toalha nova, um bronzeador, mas ficamos em casa a ler, com pena de guardarmos ainda muita ingenuidade.

Com o tempo, os amigos são menos. Certamente, desenvolvemos características insuportáveis porque as pessoas abandonam-nos. Passam a criticar-nos o gosto pelo amarelo e pelas porcelanas floridas da antiga Artibus. Somos, subitamente, feios e burros. Lamentamos ter cozinhado tanto quilo de frango com leite de coco. Lamentamos muito o empenho na escolha de um vinho. Deve haver alturas para fazer e outras para perder amigos. Também por causa dos astros, isso da influência da lua e da água no nosso espírito, completam-se ciclos que trazem ou levam as pessoas da nossa beira. A lua explica.

Ando irritado e a perder amigos. Toda a gente se desculpa com as dores de cabeça, das articulações, constipações sem pingo, cansaço. A verdade é que nos pesa a falta de correspondência. Ah, ando carente. Até gosto mais de amarelo e das porcelanas floridas da antiga Artibus porque me sobra do que gostar.

Havia alguém que dizia que o regresso ao trabalho e às rotinas, a acontecer em cada Setembro, reenquadra as importâncias relativas sobre as pessoas e sobre as coisas na nossa vida. Quando regressamos, estamos libertos de algumas pessoas e necessidades. Percebemos, apenas de modo inato, que a vida andou e nós só estamos indo atrás, somos, um pouco, outros. Talvez o tempo se ponha exactamente assim estranho para servir de desculpa. Cria uma confusão bastante que serve de pretexto para afastamentos e desatenções.

Uma senhora dizia que lhe pesava tanto a cabeça que se sentia a rastos. Depois, opinava acerca dos shoppings. Ali, por contrário, estaríamos muito bem. O ar condicionado compõe o mundo, corrige o mundo. Ela dizia-me que, se fosse jovem, como eu, com um carro nas mãos, saía de manhã cedo para o shopping e só voltava quando a enxotassem no fecho. Não havia melhor. Sem ventos e chuvas, sem oscilações de temperaturas. Ali, vamos de pouca roupa e assim passamos bem o dia inteiro. E eu respondi: isto há-de acalmar. Na próxima semana começa a chuva, ficamos tristes mas já nada confusos. É sempre o mesmo. A mulher disse que lhe importa pouco a tristeza porque a felicidade, sabe ela, é o bom tempo do abrigo e das luzes de néon.

Suspeito de tudo. Ando mariquinhas dos melindres. Fico magoado, arreliado, injustiçado, quero sei lá o quê, não tenho paciência, estou longe de mim. Coloco a hipótese de estar doente. Devo ter uma coisa qualquer sem pingo nem espirro, meio matreira e de pouco sinal à vista, mas devo ter. Ando para escolher amigos como se pela primeira vez, na verdade, cruel, porque agora sou um adulto mais vivido e com menos rodeios, estou até a gostar. Renovo votos e declaro interesses recentes. A vida parece que se entusiasma. Assim que passem estes dias de tempo indefinido, acredito que o país inteiro se terá reorganizado emocionalmente. Desejo a todos muito bom juízo e sorte.     

Sugerir correcção
Ler 1 comentários