Não me mandem coisas

Os privilégios e as borlas são instrumentos feios de propaganda forreta.

Um dos meus prazeres é o dever de elogiar as coisas boas que vou encontrando. Para escrever sobre elas é preciso eu comprá-las, usá-las e sentir-me beneficiado.

É natural que muitas empresas me mandem coisas (quase sempre boas) sem me cobrar um cêntimo, sem sequer a esperança que eu escreva sobre elas.

Aceito e recebo, mas nunca escrevo. Como consumidor e cronista o meu papel tem de ser sempre desconfiado.

Tenho de ser igual aos meus leitores. Se os meus leitores pagam 10 euros por uma coisa boa como posso eu ser igual a eles se receber essa mesma coisa por nada?

A cavalo oferecido não se olha o dente. É um conselho óbvio. A versão inteligente é "a cavalo que se compra, por bom dinheiro, a vingança, tal como o agradecimento, é a mesma coisa".

Muitas pessoas e empresas me mandam coisas boas (e más) com ou sem a esperança de eu escrever sobre elas. Eis a verdade: nunca escrevo sobre aquilo que me oferecem. Por muito bom que seja.

Como escritor não sou capaz de me distanciar dos meus leitores. Receber coisas de graça, sabendo que se espera comentário de graça (não interessa se for justo ou imerecido), é colocar-me na posição de extraterreste.

Há vezes em que iria elogiar certas coisas que comprei e das quais gostei. Mas como entretanto mas ofereceram, com boas ou más intenções, morreram para mim.

Os privilégios e as borlas são instrumentos feios de propaganda forreta. Façam o favor, que muito agradeço, de ganharem juízo.

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