Remoção de açude no rio Alviela vence prémio europeu

Projecto que removeu açude em Abril de 2023 vence prémio que celebra e impulsiona a restauração da conectividade dos rios europeus. Em 2023, foram removidas 487 barreiras nos rios europeus.

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Em Abril do ano passado, a retroescavadora foi retirando algum do material que compunha o açude de Vaqueiros MATILDE FIESCHI/ARQUIVO
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A remoção pioneira de um açude no rio Alviela, no distrito de Santarém, em Abril do ano passado, venceu o Prémio Europeu de Remoção de Barragens 2023 nesta terça-feira, nos Países Baixos. A notícia foi avançada pelo GEOTA (Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente), cujo projecto Rios Livres liderou esta remoção do açude de Vaqueiros.

O Prémio Remoção de Barragens é atribuído pela Dam Removal Europe, uma coligação apoiada por diversas organizações que tem como objectivo a remoção das barreiras fluviais destituídas de funções, para que se alcance uma maior conectividade dos rios, permitindo a deslocação de peixes e a passagem dos sedimentos. No fundo, para que a função ecológica e hidrológica dos rios se cumpra na totalidade.

O açude no rio Alviela, de 14 metros, foi construído para uma fábrica de curtumes que está desactivada há décadas: a estrutura já não cumpria qualquer função. Como mostra a reportagem feita pelo Azul, a sua remoção permitiu que o rio pudesse circular livremente ao longo de 3,3 quilómetros, num troço que faz fronteira entre o concelho de Alcanena e o de Santarém.

“Este projecto foi um marco para o movimento de remoção de barreiras obsoletas à conectividade fluvial em Portugal, uma vez que, após a conclusão da remoção, o Ministro do Ambiente e da Acção Climática, do anterior governo, anunciou o início de um Programa Nacional para a Remoção de Barreiras Obsoletas com o apoio das ONGA”, lê-se no comunicado agora enviado às redacções.

Na altura em que foram anunciados os candidatos ao prémio, em Março deste ano, Catarina Miranda, que lidera o Rios Livres, afirmava que, a ganhar, o prémio serviria para continuar o trabalho na bacia hidrográfica do rio Alviela – que nasce na serra da Mendiga e desagua na margem direita do Tejo.

“Estamos com um projecto que é o Rolling Rivers. Estamos a mapear todas as barreiras de conectividade fluvial na bacia do Alviela. Com base nestas características, estamos a ver quais são as melhores candidatas a ser removidas”, explicava Catarina Miranda à data. Até ao fim de 2025, o desejo do GEOTA é remover mais duas barreiras naquela bacia hidrográfica.

Remoção de barreiras fluviais na Europa bateu recorde em 2023

Em 2023, foram removidas 487 barreiras nos rios europeus, um aumento de 50% em relação ao número recorde registado no ano anterior, indica um relatório publicado na segunda-feira pela coligação de organizações Dam Removal Europe (DRE). A retirada de barreiras, em 15 países europeus, permitiu a religação de “mais de 4300 quilómetros” destes cursos de água. “França e Espanha foram os países que mais barreiras removeram, 156 e 95 respectivamente, enquanto Portugal removeu apenas duas barreiras”, refere em comunicado a Associação Natureza Portugal/Fundo Mundial para a Natureza (ANP/WWF), dando conta do resultado do trabalho da DRE.

Segundo esta coligação de sete organizações, incluindo a WWF, o crescimento do restauro de rios através da remoção de barreiras está “em consonância com os objectivos da União Europeia (UE)”. "As quase 500 barreiras removidas realçam o apoio crescente à recuperação dos rios para inverter a perda da sua biodiversidade, promover a sua resiliência face aos impactos das alterações climáticas e assegurar água em qualidade e quantidade para as pessoas", refere Herman Wanningen, director da World Fish Migration Foundation, parceiro fundador da Dam Removal Europe, citado no comunicado.

No entanto, a directora executiva da ANP/WWF, a primeira organização não-governamental (ONG) responsável pela remoção de uma barreira em Portugal – uma das duas eliminadas o ano passado – considera que “nem tudo são boas notícias”.

Ângela Morgado adianta que “a Lei do Restauro da Natureza está actualmente no limbo depois de não ter conseguido obter votos suficientes no Conselho Europeu”, o que considera “um enorme retrocesso”, tendo em conta que “a proposta de lei inclui um objectivo crítico para a recuperação de 25.000 km de rios através da remoção de barreiras”. “Em Portugal, continuaremos o nosso trabalho para um efectivo restauro fluvial, pois só isso poderá garantir rios saudáveis para as pessoas e para a biodiversidade”, diz ainda, citada no comunicado.

O relatório da DRE também alerta para “os riscos de segurança das barreiras fluviais obsoletas”, 150.000 das mais de 1,2 milhões que dividem os rios na Europa, notando que algumas foram consideradas “potenciais ‘máquinas de afogamento’, devido à formação de correntes fortes e imprevisíveis”. Na primeira tentativa de recolher informações sobre os riscos das barreiras para “utilizadores recreativos dos rios”, como nadadores e canoístas, o trabalho refere que “ocorreram 82 incidentes em 16 países, que resultaram em 129 vítimas mortais”.

Assinala ainda que “os fenómenos climáticos extremos devido às alterações climáticas estão a aumentar o risco de colapso de barreiras, em particular das mais antigas e obsoletas, colocando vidas e propriedades em risco e causando prejuízos económicos.” Ângela Morgado defende a eliminação daquelas barreiras para evitar futuras catástrofes: "É altura de repensar a forma como gerimos os nossos rios, eliminando todas as barreiras obsoletas e deixando correr livremente o maior número possível de rios. Um rio que não corre livremente é um rio que morre lentamente".

Além da WWF, integram a DRE as organizações The Rivers Trust, The Nature Conservancy, European Rivers Network, Rewilding Europe, Wetlands International e World Fish Migration Foundation. com Nicolau Ferreira

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