Manifestações em oito cidades marcam protesto contra racismo e xenofobia
Manifestações decorreram em Braga, Coimbra, Faro, Guimarães, Lisboa, Portalegre, Porto e Viseu, “numa altura em que o racismo, a xenofobia e a extrema-direita ganham terreno”, diz organização.
Várias centenas de pessoas encheram este sábado a parte inferior da Rua de Passos Manuel, no Porto, numa manifestação que partiu da Praça da Batalha rumo à D. João I, num grito veemente contra o racismo e pela igualdade. O mesmo sucedeu noutras sete cidades portuguesas que também receberam manifestações, como foi o caso de Braga, Coimbra, Faro, Guimarães, Lisboa, Portalegre e Viseu.
Liderados pelo colectivo musical Batucada Radical, as várias centenas de manifestantes uniram-se em cânticos que demonstravam que a luta se faz “todo o dia contra o racismo e a xenofobia”, vincando que “o povo unido jamais será vencido”.
Além dos cânticos, foram visíveis várias caixas que simulavam urnas de voto, numa referência às eleições legislativas de 10 de Março, em que os manifestantes instavam ao voto “contra o machismo”, “pela resistência”, “contra a desinformação”, “contra a xenofobia” ou contra o “cheiro a bafio”.
“A alma não tem cor”, “Solidariedade ao poder”, “Nenhum ser humano é ilegal”, “A escravidão não acabou, só mudou de nome”, “A diferença é motivo de celebração e crescimento, não-motivo de destruição” ou “Portugal é um país com história racista” foram algumas das inscrições nos cartazes exibidos.
Ainda na Praça da Batalha, Cat Martins, de 43 anos, envergava outro cartaz em que se podia ler que “Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser anti-racista”, justificando a posição com a ideia de que silêncio é conivência.
“Não ser racista é qualquer coisa que todos temos que não ser, mas na verdade, se não formos anti-racistas e se não estivermos na manifestação e na luta contra o racismo e contra a xenofobia, contra a transfobia, contra a homofobia, estamos completamente a compactuar com os poderes opressores e com a escalada da extrema-direita”, disse à Lusa.
A manifestante argumentava ainda que “Portugal tem uma responsabilidade muito grande relativamente ao seu próprio passado” enquanto antiga potência colonial, considerando que é um país “estruturalmente racista”.
"Os direitos não são iguais para toda a gente em Portugal"
Questionada acerca da contestação sobre essa noção, Cat Martins afirmou que há “pessoas que não saem do seu privilégio branco, ou seja, nunca questionaram aquilo que têm e a forma como o têm”, pois “saem à rua e não têm de se preocupar com a sua cor de pele ou formas de opressão e discriminação”.
Já Bárbara Miguel, de 26 anos, diz que “os direitos não são iguais para toda a gente em Portugal, infelizmente”, e lembra os casos da agressão a Cláudia Simões, na Amadora (distrito de Lisboa), e do assassínio de Alcindo Monteiro, em Lisboa, em 1995, criticando o sistema de justiça.
Lara Silva, de 27 anos, considera que há "um certo racismo enraizado" na sociedade, vincando que "as pessoas não são racistas só por ser", mas ainda assim "há alguma recusa" em olhar para o racismo.
"Na teoria somos todos iguais, temos todos os mesmos direitos, mas na prática não é assim. Sinto que há pessoas que, como não passam por essa realidade, negam que isso exista, porque não lhes acontece a elas", prossegue, frisando que "só com estes momentos e quando ouvem casos de outras pessoas" entendem, algo que lhe acontece "diariamente com amigos".
Ambas contaram à Lusa já terem sofrido de discriminação racial em contextos desde "na escola, com professores, colegas" até à "polícia, familiares ou grupos de skinheads".
Já Carla Costa, da Samane - Associação Saúde das Mães negras e racializadas em Portugal, contesta o "mito de que o racismo não existe", clamando por mais "participação e a representatividade" de "pessoas negras nos lugares de tomada de posição e de poder".
No seu entender, o medo do imigrante e do estrangeiro combate-se com "informação", já que "os imigrantes não estão aqui para ocupar o lugar de ninguém", mas sim "para contribuir economicamente para o país".
"O racismo é uma construção, na verdade. Essa palavra foi criada, inclusive, no período colonial, para separar os brancos dos pretos. É uma construção do homem branco por si só. Não faz sentido porque nem existe, na sua essência. Foi criada porque as pessoas brancas precisam da pessoa negra para se sentir hierarquicamente mais fortalecidas, com mais poder", conclui.
Oito cidades portuguesas acolheram na tarde deste sábado manifestações contra o racismo, a xenofobia e o fascismo, convocadas por um conjunto de 64 colectivos que reclamam um país e um mundo mais inclusivos e interculturais.
Segundo a informação disponível na página electrónica do Grupo de Acção Conjunta Contra o Racismo, esta organização convocou “todas as pessoas que acreditam na democracia para uma grande manifestação nacional de luta contra o racismo”, que decorreu a partir das 15h0 em Braga, Coimbra, Faro, Guimarães, Lisboa, Portalegre, Porto e Viseu.
“Numa altura em que o racismo, a xenofobia e a extrema-direita ganham terreno, não só em Portugal como em toda a Europa e a nível mundial, é urgente sair à rua e mostrar a nossa força para exigir propostas e acções significativas, concretas e eficazes para combater o racismo estrutural e institucional patente na sociedade portuguesa”, lê-se no texto disponível online.
Os organizadores justificam a iniciativa como forma de mostrar que não se conformam com a indiferença, a inércia e o desrespeito pelas conquistas do 25 de Abril, “de tantas pessoas que deram a sua vida para deixar para trás a ditadura que a extrema-direita quer recuperar”.