Administrador do Hospital de Gaia alerta que não basta aumentar salários para resolver crise no SNS

Rui Guimarães pede reorganização de serviços e de oferta porque “não faz sentido que os doentes sejam reféns deste problema e que vão de ambulância” de hospital em hospital.

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Cerca de 2500 médicos recusam-se a fazer mais horas extras do que as 150 a que estão obrigados Manuel Roberto
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O presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Gaia e Espinho considera que é "uma ideia romântica" pensar que aumentando os salários se resolvem os problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), defendendo uma reorganização.

Em declarações à Lusa, Rui Guimarães alertou que "mais importante" do que aumentar o vencimento dos médicos é "reorganizar o SNS" e "criar um novo normal" porque a nova geração de clínicos "não está disposta" a trabalhar 15 ou 16 meses por ano.

Para o responsável pelo Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho, no distrito do Porto, "não faz sentido" que os doentes "fiquem reféns" do impasse que o SNS atravessa e a solução passa por uma reorganização de serviços e oferta. A urgência de Ortopedia e os Cuidados Intensivos são os serviços mais afectados no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho pela escusa de médicos a cumprirem mais horas extraordinárias.

"Esta ideia romântica que aumentando os salários as pessoas deixam o [serviço] privado ou regressam do estrangeiro e voltam para o SNS talvez seja difícil [de concretizar], sozinha não chega", avisou Rui Guimarães.

Isto porque, explicou, os problemas que o SNS enfrenta não passam apenas por questões salariais: "É muito importante percebermos uma coisa, há médicos que, independentemente do resultado das negociações, já tomaram a decisão de não quererem uma vida em que trabalham 15 ou 16 meses num ano".

Concorrência vai manter-se

Até porque "quem saiu do país não o fez por 100 ou 200 euros mas por duas, três vezes mais remuneração e é difícil [o SNS] igualar esses valores e o serviço privado não vai fechar e também precisa de médicos e vai haver sempre essa concorrência".

"Não vale a pena pensar que vamos resolver isto à mesa e que as pessoas vão todas ter aumentos, que provavelmente não são possíveis atribuir aos médicos sem criar guerras com outros profissionais, é provável que no final disto tudo tenhamos que olhar para a organização do SNS de outra forma", observou.

Para o também médico, "é necessária uma reorganização de serviços e de oferta" porque "não faz sentido que os doentes sejam reféns deste problema e que vão de ambulância para um hospital e depois já não é naquele hospital que há condições para os tratar e têm que ir para outro".

"A proximidade é uma coisa que as pessoas valorizam muito, mas se formos honestos e percebermos que não há recursos suficientes, para não enganar as pessoas e trabalhar com equipas abaixo dos mínimos, faz mesmo sentido concentrar recursos, reforçar pontos de redes para estarmos preparados para os dias de sol e para os dias em que tudo acontece, o sistema tem que ter esta elasticidade", defendeu.

"É o desafio, procurar encontrar formas de trabalho e de organização que mantenham a satisfação das pessoas e, muito mais importante, mantenham a segurança. Todos nos orgulhamos muito do SNS que construímos, dos resultados que temos, que têm que se manter, mas, em consciência, temos que perceber que somos um país com recursos limitados e que temos que fazer um novo caminho", disse.

Mais de dois mil médicos pediram escusa

Há 18 meses que sindicatos médicos e Ministério da Saúde estão em negociações sem conseguirem chegar a acordo sobre questões salariais.

A última ronda negocial decorreu no passado sábado, também sem acordo, estando marcado novo encontro para quarta-feira.

Os constrangimentos que se verificam no hospital de Gaia e Espinho também se verificam em outras 30 unidades hospitalares do país desde que mais de 2500 médicos decidiram não ultrapassar as 150 horas extras a que estão obrigados por lei.

Rui Guimarães referiu que o serviço de urgência de Ortopedia está a funcionar apenas com um médico a partir das 02h00 e que no serviço de Cuidados Intensivos 86% dos médicos que cumprem urgência apresentaram escusa a horas extraordinárias além das 150 obrigatórias por lei.

"O serviço tem 35 médicos, dos quais 28 fazem urgência e destes 24 apresentaram escusa", apontou. O responsável salientou que a situação neste serviço é diferente das restantes áreas: "Enquanto nos outros serviços há consulta, cirurgia programada, internamento, este, por força da sua natureza, funciona como se fosse uma urgência aberta 24 sobre 24 horas e a maleabilidade e gestão de horários é muito mais difícil porque todo o horário é feito em turnos de urgência”.

Rui Guimarães fez também questão de salientar o "bom senso" por parte dos clínicos.

"Muita das pessoas que apresentaram escusa e se posicionaram desta forma têm concordado, ainda que de forma mais pontual do que era habitual, fazer horas além das 150, nomeadamente quando há situações de doença de colegas, baixa ou férias, ou ausências. Tem havido bom senso e isso é de salientar porque mostra a preocupação que os médicos têm", referiu.

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