“Talentos” precoces condenados a regressar a casa antes dos 23 anos

Fracasso de mais de 80% dos futebolistas estrangeiros contratados antes dos 18 anos não impede que aposta neste modelo de prospecção registe novos máximos, apesar do “Brexit”.

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Vinícius Júnior foi contratado aos 16 anos pelo Real Madrid e desafia as estatísticas Reuters/JAVIER BARBANCHO
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Portugal foi, de acordo com um estudo elaborado pela Associação Europeia de Clubes (ECA) — em colaboração com a FIFA — o quinto país que, entre Janeiro de 2011 e Dezembro de 2022 (12 anos), mais futebolistas estrangeiros menores de idade (média de 16,8 anos) acolheu, apresentando um saldo de 122 imigrantes contra 84 emigrantes lusos que tentam a sorte noutras Ligas.

Mas antes de entrarmos na discussão dos números, é preciso espreitar as conclusões... bastante pouco animadoras, por sinal. Especialmente para quem tão precocemente investe numa carreira longe de casa e da família, embora não menos desoladora para os clubes empenhados em prospecção tão agressiva quanto falível.

A conclusão, à luz dos dados recolhidos, parece incontornável: apenas uma percentagem ínfima vinga neste jogo de alto risco em que mais de 80% dos jovens regressam de forma inglória a casa antes de completarem 23 anos.

O estudo identifica, igualmente, a dinâmica geográfica dos fluxos internacionais de menores antes e pós-“Brexit” (altura em que os clubes ingleses deixaram de poder recrutar menores fora do Reino Unido). Importa referir que Inglaterra dominava o panorama internacional até Janeiro de 2021, tendo como referência um universo de 3371 jogadores menores.

No que diz respeito à expectativa destes menores, fixada até aos 23 anos, o estudo expõe uma trajectória profissional preocupante para a maioria dos 1223 jogadores que emigraram entre 2011 e 2017 para equipas de superior nível desportivo. E este é um dado importante, pois a concorrência e as dificuldades aumentam exponencialmente. Naturalmente, há sempre os casos particulares, que de alguma forma compensam os clubes mais perspicazes ou mais afortunados.

Mas é sobre o quadro geral que este estudo incide. E esse apresenta números que exigem reflexão, mesmo que depois da diminuição provocada pela pandemia (2020) e pelo “Brexit” os dados de 2022 tenham batido o recorde anual de autorizações por parte da FIFA, com o papel dos clubes ingleses a ser assumido pelos italianos, novos líderes entre os principais importadores de talentos com menos de 18 anos.

Desde 2011, o número anual de casos aprovados pela FIFA nunca foi inferior a duas centenas, tendo atingido um pico máximo em 2019 (344). Em 2022, contudo, a FIFA voltou a “patrocinar” um número recorde (347), o que sugere uma tendência de alta nos próximos anos.

Talvez este estudo alerte os clubes para os reduzidos benefícios e garantias obtidos, já que apenas 13% (160 de 1223) conseguiu competir ao nível doméstico nas Ligas de destino até aos 23 anos. E desses, cerca de metade (48%) apenas cumpriu entre uma e cinco partidas pelos clubes recrutadores, tendo um quinto (21%) disputado entre seis e 20 jogos.

Na realidade, desses 1223, apenas 49 disputaram mais de 20 encontros pelos clubes autorizados pela FIFA para assinarem com menores estrangeiros.

Prova da dificuldade de ser bem-sucedido é o facto de a maioria dos jogadores (mais de metade) regressar ao país de origem antes dos 23 anos para tentar relançar a carreira. Se a estes números juntarmos os casos de jovens que não conseguiram até essa idade assinar por qualquer clube, a percentagem é esmagadora, com 83% sem futuro no futebol.

Inglaterra, com 966 jogadores, e Itália, com 829, representam, em conjunto, 53% das autorizações concedidas pela FIFA. A Alemanha surge como terceiro país com maior número de recrutados (355), bem acima dos Países Baixos (156). Portugal ocupa o quinto lugar, com 122 jogadores, num total de 31 países e 515 clubes, sendo que os dados apontam para uma maior concentração dos emblemas de destino quando comparados com os 73 países de origem e os 1289 clubes de onde saem os jovens futebolistas.

A Europa, com França (246), Rep. Irlanda (219), Espanha (164) e Inglaterra (151) na parte de cima da tabela — onde Portugal ocupa o 14.º lugar (84) —, é, ao mesmo tempo, o maior ponto de partida e de chegada de jogadores, com os outros continentes ainda muito distantes.

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