Pintura de Artemisia Gentileschi redescoberta nos armazéns reais em Inglaterra

Uma versão de Susana e os Anciãos esteve mais de um século sem moldura, a acumular sujidade e até atribuída a outros artistas. Agora está exposta no Palácio de Kensington.

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Uma conservadora a trabalhar na pintura em Hampton Court DR/Cortesia Colecções Reais
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Uma das versões de Susana e os Anciãos de Artemisia Gentileschi foi redescoberta nos armazéns do Palácio de Hampton Court, a casa de Henrique VIII. “É um acréscimo significativo à obra existente de Artemisia e lança uma nova luz sobre o seu processo criativo”, dizem os curadores das Colecções Reais britânicas, e a segunda pintura de Gentileschi de sete inventariadas pela corte britânica de Carlos I a ser encontrada.

Artemisia Gentileschi (1593-1656) é uma das raras mulheres pintoras cuja obra foi reconhecida pela História da Arte no período barroco e o seu cânone parece estar em permanente expansão. A exposição realizada este ano em Nápoles adicionou quatro pinturas à obra da artista europeia, por exemplo, depois de terem sido erradamente atribuídas a outro artista.

Agora, uma das versões de Susana e os Anciãos, uma cena bíblica que a pintora retratou várias vezes e que se associa à sua adolescência e ao período posterior à sua violação por Agostino Tassi, aluno do seu pai, o pintor Orazio Gentileschi, emerge nas Colecções Reais britânicas e está já exposta no Castelo de Windsor — até 29 de Abril.

A “maior artista feminina da sua geração”, dizem os curadores da colecção britânica, tinha uma das suas obras num armazém do palácio onde viveu Henrique VIII “erradamente atribuída e deixada arrecadada por muitos anos”, diz ao semanário britânico a vice-responsável pelas pinturas do rei Carlos III, Anna Reynolds. “Ninguém tinha olhado bem" para a obra, que estava coberta de sujidade e com várias camadas de verniz de restauros anteriores.

Pistas

O historiador de arte Niko Munz, que trabalhava nas colecções, foi o grande responsável pela redescoberta. “A redescoberta resultou do trabalho dos curadores do Royal Collection Trust para localizar os quadros vendidos e dispersos pela Europa após a execução de Carlos I em 1649. Sete pinturas de Artemisia estavam registadas nos inventários de Carlos I, mas pensava-se que apenas o seu Auto-Retrato sobrevivera até aos nossos dias”, lê-se no site que apresenta a pintura.

Durante esses trabalhos, Munz associou a descrição no inventário a algo que tinha visto nas reservas da colecção. Estava ali guardada há mais de um século, detalha o Observer, e estava “incrivelmente castanha e descolorada, como muitas vezes acontece com verniz orgânico. O seu tamanho também tinha sido aumentado com tiras de tela cosidas à sua volta. Estava sem moldura. No vídeo que apresenta o processo, vê-se a radiografia que permite descortinar as diferentes camadas na pintura.

Uma das pistas, que o vídeo detalha enquanto mostra frascos vários de pigmentos, foi o uso de um amarelo com chumbo de que a artista era adepta e que era “incomum”, como diz a conservadora Adelaide Izat. Outra foi uma aguarela de 1819 que retrata uma sala do palácio de Kensington em que a pintura está encostada a outras nos aposentos da rainha. Na parte de trás, encontraram a marca do rei Carlos I, o que comprova que fazia parte da sua colecção e que terá sido então encomendado pela sua mulher, Henrietta Maria.

É um indício também do período que “passou em Londres no final da década de 1630, trabalhando ao lado do pai na corte de Carlos I”, dizem as informações das Colecções Reais, tendo estado lá mais precisamente em 1638, dizem os responsáveis. Não é indicado a quem foi erradamente atribuído. Pensa-se, escreve o Observer, que tenha estado sobre a lareira na Somerset House, onde residiram, entre outros, Catarina de Bragança.

Uma das outras versões de Susana e os Anciãos é precisamente a primeira obra assinada por Artemisia Gentileschi e está no Castelo Weissenstein, em Pommersfelden, na Alemanha. Data de 1610. O facto de ser uma cena retratada na vertical e não, como era mais comum, horizontalmente, é tido como um traço de originalidade — “a Susana de Pommersfelden revela uma pintora perfeitamente sintonizada com a nuance narrativa”, lê-se no catálogo Orazio and Artemisia Gentileschi (2001), editado pelo Museu Metropolitan de Arte de Nova Iorque. Outra versão — em cada uma, Susana tem uma expressão diferente e embora se cubra sempre, encara de forma diferente os lascivos anciãos que a cercam — pertence aos marqueses de Exeter e é datada de 1622, tendo chegado a ser atribuída a Caravaggio no século XIX.

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