Enfermeiros temem que projecto das USF fique na gaveta por falta de profissionais

Enfermeiros dizem que valores de incentivos e de suplementos para trabalho extra são de 2007, o que poderá não atrair muitos profissionais.

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Sindicatos e Governo têm-se reunido para discutir a proposta sobre o novo modelo das Unidades de Saúde Familiar Nuno Ferreira Santos

O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) alertou para o perigo de a proposta governamental sobre Unidades de Saúde Familiar "ficar na gaveta", por falta de enfermeiros dispostos a aderir a "um projecto injusto".

"A proposta e o princípio que está subjacente, no sentido de alargar os cuidados à população e garantir melhores cuidados de enfermagem, é interessante, mas depois existem várias questões que poderão fazer com que o projecto nunca saia da gaveta", disse à Lusa o vice-presidente do Sindepor, Fernando Fernandes, no final de uma reunião tida esta segunda-feira com o secretário de Estado da Saúde, Ricardo Mestre.

A tutela está a receber os sindicatos para debater o novo projecto de diploma sobre as Unidades de Saúde Familiares (USF) e tanto o Sindepor como o Sindicato Nacional dos Enfermeiros apontam várias "injustiças" e "tratamento desigual".

Em declarações à Lusa, Fernando Fernandes disse que o projecto "é limitativo quanto às capacidades dos enfermeiros e, ainda mais grave e absurdo, é que os valores de incentivos e de suplementos para trabalho extra são valores de 2007".

O sindicalista lembrou o aumento do custo de vida dos últimos 16 anos: "Actualizou-se o preço da gasolina, do pão, do supermercado, mas o Governo não quer actualizar os incentivos a dar aos enfermeiros e, se é para ganharem o mesmo que ganhavam há 16 anos, duvido que aceitem."

Para Fernando Fernandes, sem enfermeiros "as Unidades de Saúde Familiar não conseguem funcionar e o projecto ficará na gaveta".

Segundo contas feitas pelo sindicato, o valor dos suplementos previstos pelo trabalho extra poderá significar no final do mês um aumento no salário de um enfermeiro "de apenas 20 ou 30 euros".

No entanto, acrescentou Fernando Fernandes, "para o sector médico, o valor apresentado é, em alguns casos, oito vezes superior ao do enfermeiro".

O vice-presidente do Sindepor garante que esta não é a única "desigualdade entre enfermeiros e médicos", referindo que um médico que tenha alunos para orientar terá direito a um suplemento de formação para desempenhar a função de ensino, mas esse suplemento não existe para os enfermeiros que tenham também alunos para orientar.

A proposta governamental prevê também que os médicos recebam um valor extra quando fazem um domicílio e os enfermeiros não, disse Fernando Fernandes.

"Para os médicos, esses suplementos remuneratórios têm efeitos para aposentação e reforma, mas para os enfermeiros não", acrescentou, acusando a tutela de parecer criar uma "casta superior".

Em Setembro, os sindicatos deverão voltar a reunir-se com o Ministério e, "caso se mantenham as injustiças", o Sindepor admite recorrer para o Tribunal Constitucional ou para o Presidente da República "para garantir que os direitos constitucionais sejam tratados da mesma forma".

O Sindicato Nacional dos Enfermeiros (SNE) também se manifestou contra o projecto governamental, criticando também a diferença de incentivos atribuídos aos médicos e aos enfermeiros e o facto de estes últimos estarem impedidos de coordenar as USF.

A proposta da tutela impede os enfermeiros de coordenar as USF, "mesmo que tenham uma maior competência académica e profissional na área da gestão", lembrou o SNE.

Fernando Fernandes disse à Lusa que durante a reunião com o secretário de Estado da Saúde deu como exemplo o seu próprio caso: "Tenho um doutoramento e 33 anos de profissão e quem vai ser o meu coordenador pode ser um recém-formado na escola de Medicina, só porque tem um diploma de médico."

"Da forma como está este diploma, ele não serve nem à população portuguesa, nem aos utentes, nem aos médicos, nem aos enfermeiros", afirmou Fernando Fernandes.

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