O assédio e o problema da violência contra a mulher no ensino superior

Os mecanismos de apoio à vítima são (demasiadas vezes) inexistentes, as plataformas de denúncia escassas e o debate da temática pelos órgãos de gestão e administração das IES pouco profícuo.

A violência contra a mulher é, ainda, uma dura realidade da nossa sociedade. Sendo o género da vítima o principal motivo pelo qual a agressão é praticada, a violência contra a mulher traduz muito mais do que lesões físicas, contando igualmente incontáveis danos morais e psicológicos.

Apesar de todos os direitos pretensamente adquiridos pelas mulheres em função do estado democrático e da consensual luta pela igualdade de género, os casos de violência contra a mulher perpetuam-se em todas as instituições e meios: Como?

Quando as instituições não beneficiam de mecanismos eficientes no combate a esta problemática, a pari passu com a inegável assimetria de estatuto e condições em função de género, é inevitável que as vítimas percam voz perante agressores que, sistematicamente, escapam impunes.

O assédio é uma das formas mais comuns que conhecemos de violência contra a mulher. Uma certeza temos: não é necessário que se explique a uma das gerações mais qualificadas e mais bem formadas de sempre o que é o assédio moral ou sexual. Assim, expectável será que o mesmo valha para os grandes autores da literatura científica que coabitam o meio académico. Se assim é, porque é que o assédio é uma prática reiterada na comunidade académica das instituições de ensino superior (IES) portuguesas?

O meio académico reúne circunstâncias que permitem este tipo de abuso: as carreiras precárias de docentes e investigadoras, a posição frágil das estudantes e a quase inilidível presunção de inocência de investigadores e docentes em função de critérios como hierarquia, reconhecimento científico e brilhantismo académico. Estes contextos criam a equação perfeita para o silêncio da vítima.

Esta será uma degradante realidade das nossas universidades enquanto elas próprias se recusarem a enfrentar abertamente o problema. Os mecanismos de apoio à vítima são (demasiadas vezes) inexistentes, as plataformas de denúncia escassas e o debate da temática pelos órgãos de gestão e administração das IES pouco profícuo.

As IES sentem ainda o reconhecimento de casos de assédio e de violência contra a mulher no seu seio como desprestígio e afronta aos seus académicos. O desprestígio está, precisamente, em legitimar agressores e permitir que se somem vítimas. Urge a criação de organismos que permitam a proteção e acompanhamento da vítima: desde o primeiro momento de denúncia, à possível mediatização do caso, ao transtorno emocional e lesão psicológica, até ao seguimento de um possível processo criminal.

É perigoso do ponto de vista da proteção dos seus interesses, que existam para a vítima tantos espaços vazios quando se enfrenta este tipo de trauma. Quais devem ser os primeiros passos? A quem deve pedir orientação? Quais são os seus direitos? E porque não se predispõem as IES a preencher estes espaços cinzentos? As universidades podem ter a resposta necessária ao problema inevitável, basta que se coloquem ao lado da vítima: com disponibilidade, com profissionais de saúde que possam acompanhar, com profissionais da área jurídica que possam esclarecer e viabilizar o acesso da vítima à justiça mas, sobretudo, com proteção.

É premente que se criem condições para a segurança no contexto académico. Nenhuma mulher se deveria sentir uma potencial vítima. E, acima de tudo, nenhuma vítima se deveria ver obrigada ao silêncio por se ver desprotegida pela sua própria instituição.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários