Abusos sexuais na Igreja: lista de alegados abusadores vai ser entregue ao MP ainda este mês

“Ainda não fizemos o completo cruzamento entre o trabalho dos historiadores e aquilo que as vítimas nos disseram”, explica Daniel Sampaio.

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Daniel Sampaio, psiquiatra e membro da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja Daniel Rocha

A lista com os nomes dos alegados abusadores de menores no seio da Igreja Católica portuguesa vai ser entregue ao Ministério Público (MP) e à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) ainda este mês, garante Daniel Sampaio, psiquiatra e membro da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI).

Chegados ao fim do trabalho da Comissão Independente, acredita que se durasse mais tempo esta realidade seria ainda mais extensa?
Sim, acho que os números foram significativos para o tempo de trabalho que tivemos. Se continuássemos a trabalhar teríamos mais casos. Aliás, já depois do encerramento dos nossos trabalhos recebemos e-mails de vítimas, o que faz pensar que temos de continuar a recolha de depoimentos. De qualquer forma, o número é importante.

A dimensão do sofrimento psicológico destas pessoas ficou bem demonstrada, quer através das entrevistas presenciais, quer através dos textos que foram lidos na nossa apresentação, que têm que ver com a parte aberta do questionário em que as pessoas podiam expressar aquilo que sentiam.

A noção que tivemos é que o abuso sexual teve um impacto enorme nessas pessoas e é urgente tomar medidas para não só apoiar as vítimas, mas para prevenir no futuro este tipo de situações.

A lista de alegados abusadores já foi entregue ao Ministério Público (MP)? Quando será?
Essa lista resulta do cruzamento do que as vítimas nos disseram. Temos uma lista que foi denunciada pelas vítimas. E depois há um cruzamento que é preciso fazer com os arquivos. Ou seja, os historiadores tiveram provas do que se passou com esses nomes que foram indicados pelas vítimas, mas também apareceram novas situações que estavam registadas nos arquivos.

É um assunto delicado porque temos de ter agora prudência no cruzamento desses dados dos arquivos com os dados que nos foram fornecidos pelas vítimas. O nosso prazo vai ser até ao final deste mês, para entregar [essa lista] à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e ao MP.

Ainda não fizemos o completo cruzamento entre o trabalho dos historiadores e aquilo que as vítimas nos disseram. Os historiadores tiveram muito pouco tempo para trabalhar porque foi difícil e houve resistências por parte da hierarquia da Igreja, no sentido de os arquivos serem estudados.

Não teme que o facto de esses alegados abusadores continuarem no activo abra a possibilidade de estarem a perpetuar o crime?
Sim, essa é uma das nossas preocupações. Vamos fazê-lo o mais depressa possível para que o MP possa actuar, mas temos de ter muito cuidado.

Mas mais importante de tudo é que a Igreja possa, através do Direito Canónico, actuar imediatamente sobre essas pessoas e, se a suspeita for credível, a Igreja tem o poder de suspender a actividade desse padre.

O coordenador da comissão, Pedro Strecht, falou em mais de 100 alegados abusadores. Desses, quantos é que estão no activo?
É um grupo à volta de 100 abusadores no activo, neste momento, o que é evidentemente inquietante. Mas é preciso dizer que o impacto tão grande que teve a nossa apresentação tem um efeito dissuasor porque alertou a opinião pública para esta questão.

O feedback que tenho tido de pessoas que assistiram à apresentação é de choque com a profundidade do impacto psicológico, com a dimensão do problema. E isto é um importante efeito dissuasor em alguém que tenha esse comportamento abusivo, que pode agora, de alguma forma, ser contido porque estamos todos muito atentos.

Esses 100 alegados abusadores dizem respeito a crimes que já prescreveram ou alguns estarão entre os 25 casos que foram enviados ao Ministério Público?
Os 25 casos foram enviados ao Ministério Público são casos que nós consideramos não prescritos.

Portanto, abusadores que estão também no activo?
Sim.

Defende que esses suspeitos devam ser imediatamente afastados das suas funções e do contexto em que estão inseridos?
Sim, se as circunstâncias forem de uma suspeita credível. Não podemos lançar nomes de uma forma leviana. Temos de ver se, de facto, aquilo que a vítima nos diz ou aquilo que os arquivos demonstram é credível. Se existir, acho que a Igreja deve imediatamente suspender o padre e depois iniciar um processo a nível dos tribunais canónicos no sentido de verificar a culpabilidade desse padre. Mas a suspensão eu defendo que seja imediata.

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