A democracia não está aberta à sociedade civil

Vivemos num Estado altamente burocratizado e somos vítimas do embaraço do burocrata e teórico, sem capacidade para o experiente se pronunciar sobre a realidade das coisas.

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A democracia não está aberta à sociedade civil Nuno Alexandre

Nós, jovens geração Erasmus, filhos da globalização, somos fruto de uma maior oferta de oportunidades para estudar no estrangeiro. Temos capacidades linguísticas orais e escritas numa panóplia maior de línguas, temos a flexibilidade do trabalho remoto e para exercer actividade profissional no estrangeiro já não estamos condicionados a mudar de país para um nicho mais restrito de profissões. E é por isso que temos a obrigação de ter a mente mais arejada, fruto de experiências mais vastas, e o dever de ser menos preconceituosos, mais receptivos à diferença. A representatividade é para nós uma exigência porque ao conhecer o mundo apercebemo-nos de que a nossa raça, a nossa orientação sexual, as nossas condições socioeconómicas e o tipo de cultura e regime em que vivemos pode condicionar os objectivos aos quais podemos almejar.

No entanto, quando olho para o meu país, apercebo-me de que o maior défice associada à falta de capacidade para me ver representada ou de sentir que alguém se pode exprimir em meu nome está na casa da democracia, na Assembleia da República portuguesa. A culpa mais fácil e leviana recai sempre aos partidos e à actividade partidária, mas quem vê de perto a corrupção e a desmoralização do poder local, apercebe-se de que quem apodrece a democracia são os que se servem da actividade partidária para o nepotismo, o compadrio e o favorecimento e não é a ideologia política em si que perece.

Não estou inscrita em nenhum partido, apesar de ter obviamente as minhas inclinações e simpatias pessoais mais próximas de determinada ideologia. Porém, tenho a convicção de que se deve valorizar quem faz parte da vida associativa pelas oportunidades de os jovens se colocarem em debate, promovendo o espírito crítico e o desenvolvimento de soluções. Nunca fui capaz de me filiar porque a quem governa exige-se a moderação, requer-se que se deixe uma parte do programa eleitoral por cumprir. Quem governa administra uma nação, não governa os militantes, não governa quem a elegeu, mas sim todos.

Quando olho para os deputados, vejo uma ascendência a partir das juventudes partidárias que não corresponde ao activo social que representam, uma superioridade numérica de juristas e uma Assembleia parca em empresários de sucesso, com contributos activos para uma economia forte. Escassa a presença de médicos e outras classes de profissionais de saúde dos vários sectores que se possam manifestar sobre as reais carências do sistema de saúde. Não há nenhum estudante, nenhum agricultor, como se esses não votassem, não enfrentassem a realidade económico-social e não fossem fonte de PIB futuro e actual. Onde estão os professores, que são o símbolo de aquisição de conhecimento, da instrução e do progresso?

Vivemos num Estado altamente burocratizado e somos vítimas do embaraço do burocrata e teórico, sem capacidade para o experiente se pronunciar sobre a realidade das coisas. Não se devia poder estar na Assembleia da República mais do que dois mandatos, não se devia poder fazer carreira única e exclusiva na política porque isso é para quem não tem méritos, objectivos e propósitos próprios. Os deputados devem emprestar-se à vida pública para promover a mudança, em virtude do conhecimento que adquiriram profissionalmente e depois retomar ao posto de trabalho inicial, permitindo haja uma real democracia na capacidade de promover o bem comum.

O país sente-se enganado. Há um desencanto com a política, que é o talento da caridade, do ato de servir as pessoas. Há um desencantamento com a medicina que é a profissão que mais sentido dá a vida humana, com o altruísmo e humanismo no centro da sua acção. Há um desencanto com a justiça, que constitui a premissa essencial para a igualdade. Há um desalento profundo com a condição da educação, que me números parece em avanço, e em qualidade em declínio, relacionado com as condições de trabalho dadas aos profissionais e à dificuldade com que se quer reprovar alunos, facilitando-se a transição de ano até às quatro negativas.

A exigência é o ponto de partida para a sociedade progredir. Andamos perdidos, mas em democracia vamos sempre a tempo de ser diferentes.

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