Pólo de Inovação de Nelas terá investigação focada na vinha e alterações climáticas

O Pólo de Inovação de Nelas nascerá nos próximos dois anos no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão. Continuando o trabalho que já ali é feito, investigação vai focar-se nas alterações climáticas.

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Pedro Rodrigues é investigador do Instituto Politécnico de Viseu e já colabora com o Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, será figura central no novo Pólo de Inovação. Sérgio Azenha

O governo apresentou em Setembro de 2020 a Rede de Inovação, composta por pólos de inovação como o de Nelas, precisamente no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão. São 24 os pólos a criar, no sector do vinho — cinco: Douro, Nelas, Anadia (espumante), Dois Portos e Pegões — mas também noutras fileiras. O de Nelas é o primeiro a ser apresentado formalmente. Foi lançado oficialmente na última quinta-feira, à margem da 31.ª Feira do Vinho do Dão (cujo tema central foi o património genético da região) e o contrato de parceria para a sua dinamização tem 14 parceiros, entre entidades públicas e privadas, entre as quais se contam a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC), o Instituto Politécnico de Viseu, a Comissão Vitivinícola Regional do Dão (CVR do Dão) e a Câmara Municipal de Nelas.

“O objectivo é o desenvolvimento das cadeias de valor e a valorização dos recursos endógenos. [No caso do vinho, esses recursos] são normalmente castas que, ao longo dos anos, já conseguiram criar alguma resiliência a condições adversas”, começou por contextualizar, no Multiusos de Nelas, a directora adjunta de Agricultura e Pescas do Centro, Vanda Baptista.

“O CEVD foi importantíssimo na afirmação do Dão. Temos oportunidade agora, de alguma forma, de recuperar a sua matriz original. Temos já aprovada a candidatura e iniciámos os procedimentos de contratação das obras de reabilitação das infra-estruturas e da substituição de equipamentos. Agora, é importante desenvolver projectos de investigação que respondam a problemas com que já estamos a ser confrontados”, concretizou o director regional de Agricultura e Pescas do Centro, Fernando Martins, na apresentação da nova “entidade privada sem fins lucrativos”.

Fernando Martins referia-se em concreto à necessidade de estudar o impacto actual e futuro (potencial) das alterações climáticas, que já se sente no Dão e, de resto, noutras regiões vitivinícolas do país. Os investigadores do CEVD e do IP Viseu Vanda Pedroso e Pedro Rodrigues, respectivamente, que já estão a trabalhar no tema e têm dois novos projectos para os próximos cinco anos, alertaram também para essa urgência. Para Pedro Rodrigues, o novo pólo “terá com certeza um grande dinamismo científico, que ajudará a criar valor”, ao “transformar a variabilidade genética em valorização económica”. A mesma tónica teve a intervenção da técnica Vanda Pedroso: “a variabilidade intravarietal [genótipos dentro da mesma casta] é muito importante, no futuro será através dela que conseguiremos seleccionar e ter os genótipos com as características pretendidas”. Ou seja, videiras mais resilientes, com o mesmo interesse enológico.

“Estamos a sentir o impacto das alterações climáticas particularmente nesta campanha. E precisamos urgentemente de o estudar, para que as gerações vindouras tenham vinha no Dão”, comentou, por seu turno, o vogal da CVR do Dão António Mendes na apresentação do novo pólo. O responsável sublinhou que a Comissão está “preparada para em 2023 investir o que for necessário ara que o projecto [do Pólo] tenha sucesso”.

O director regional de Agricultura e Pescas do Centro, Fernando Martins, apresentou o Pólo de Inovação de Nelas à margem da Feira do Vinho do Dão.,O director regional de Agricultura e Pescas do Centro, Fernando Martins, apresentou o Pólo de Inovação de Nelas à margem da Feira do Vinho do Dão. Sérgio Azenha
Pedro Rodrigues é investigador do Instituto Politécnico de Viseu, um dos parceiros do novo Pólo de Inovação de Nelas. Sérgio Azenha
Vanda Pedroso é técnica do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, onde nascerá o novo pólo, desde 1982. O seu trabalho tem incentivado os produtores a preservarem e a quererem conhecer melhor as castas antigas da região. Anna Costa
Através do Fundo de Recuperação e Resiliência, há dotação para recuperar as instalações do centro de estudos, nascido em 1946. Sérgio Azenha
O centro de estudos situado na Quinta da Cale, em Nelas, também vinifica e engarrafa vinho mas olha para este como "um subproduto da experimentação". Sérgio Azenha
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O director regional de Agricultura e Pescas do Centro, Fernando Martins, apresentou o Pólo de Inovação de Nelas à margem da Feira do Vinho do Dão.,O director regional de Agricultura e Pescas do Centro, Fernando Martins, apresentou o Pólo de Inovação de Nelas à margem da Feira do Vinho do Dão. Sérgio Azenha

Um compromisso certamente registado pelos presentes, já que, através do Plano de Recuperação e Resiliência português, estão garantidas verbas para construção e requalificação e para a aquisição de maquinaria e equipamento, incluindo software, mas não o financiamento à investigação. Segundo a DRAPC, “a candidatura aprovada pelo PRR, para o Pólo de Inovação de Nelas, tem como investimento elegível 935.209,82 euros, dos quais 574.569,90 euros na componente de construção, recuperação ou requalificação de edifícios. O restante investimento está distribuído pelas seguintes componentes: serviços especializados e máquinas e equipamentos.”

Na frente da investigação, a mais importante, afinal, há então dois projectos em perspectiva. O BioGrapeSustain, um subprojecto da agenda mobilizadora “Vine and Wine Portugal”, em que o Dão é a única região vitivinícola nacional com competência para estudar o comportamento das castas, “está aprovado e financiado” e arrancará “em Janeiro de 2023”, partilhou Pedro Rodrigues. A primeira reunião do projecto acontecerá já no dia 14 de Setembro, em Lisboa. São entidades parceiras o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, as universidades de Trás-os-Montes e de Évora, o IP Viseu e o CEVD, sendo a UTAD a entidade beneficiária. E “a base de ensaio será o campo varietal do CEVD”, na Quinta da Cale, concretizou o investigador do IP Viseu.

O segundo projecto chama-se Mod4Viti4.0 foi “aprovado, para [executar] entre 2023 e 2025, mas aguarda ainda financiamento”. É “agricultura 4.0” e prevê uma rede de monitorização com 14 pontos espalhados pela região e vai focar-se nas castas tintas Touriga Nacional e Jaen e nas brancas Encruzado e Malvasia Fina. “Estes dois caminhos não são novos no Dão. E é uma pena estarmos sempre a voltar ao início”, confidenciou, referindo-se ao trabalho feito no CEVD, que no ano passado celebrou 75 anos e cujo primeiro campo experimental foi instalado em 1947. No passado, o Centro Nacional de Estudos Vitivinícolas já propunha um estudo de adaptação e afinidade na viticultura no Dão, com 24 locais de monitorização.

O primeiro caminho — estudar comparativamente as castas autóctones — tem vindo a ser “seguido no CEVD desde 2017”, sublinhou. Já o segundo — estudar as mesmas castas em diferentes ambientes na região — é urgente encetar, de forma a dar respostas aos viticultores da região.

E Vanda Pedroso voltou a falar num terceiro caminho: olhar para as formas de condução das videiras. Serão as que conhecemos hoje nas vinhas do Dão as mais adequadas aos desafios da crise climática? Também esse estudo contribuiria “para a valorização económica da região”, acredita.

Em declarações ao Terroir, Fernando Martins concretizou que espera ver as instalações do CEVD totalmente renovadas até ao final de 2024. “Esperamos ter daqui a dois anos isto tudo requalificado. O ano que vem é aquele em que pensamos fazer a maior parte do investimento”, disse, acrescentando que para as obras no edifício da Quinta da Cale “está a decorrer o concurso”.

Notícia actualizada às 16h35, com a dotação financeira da candidatura ao PRR

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