No Giro há um “menino” a pedalar por um militar ucraniano

O filho é o mais jovem ciclista na Volta a Itália, a mãe esteve escondida em bunkers com a irmã de sete anos e o pai luta no Donbass. Tem sido esta a vida de Andrii Ponomar e o mundo está a torcer por um triunfo do “menino” no Giro 2022.

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Ponomar na Volta a Itália EPA/MAURIZIO BRAMBATTI

No ciclismo, os adeptos têm, em cada corrida, muito por onde escolher quanto ao atleta preferido. Entre centenas de corredores, podem ir pelos compatriotas, pelos mais simpáticos, pelos carismáticos, pelos bizarros, pelos que ganham mais e até, frequentemente, pelos que mais perdem. Depois, existe Andrii Ponomar, um ciclista que não precisa de fazer nada para ter o mundo a torcer por um triunfo seu na Volta a Itália.

Na equipa Androni, no meio de sete ciclistas de vermelho e preto, destoa um oitavo que vai de branco com riscas amarelas e azuis. Pelos piores motivos, estas cores têm, por estes dias, um significado claro. Aos 19 anos, o ucraniano Andrii Ponomar é o ciclista mais jovem em prova no Giro. Como campeão do seu país, cabe-lhe a honra de usar a camisola com as cores ucranianas, pelo que pode homenageá-lo sem precisar de preceitos especiais.

Mas Ponomar corre por muito mais do que homenagens visuais. Natural de Chernihiv, no Norte da Ucrânia, o corredor está longe de uma cidade que hoje é descrita, de forma simples, como uma ruína total.

E Ponomar é filho de um militar ucraniano que está na frente de batalha na região do Donbass. “Sabemos que o pai dele é militar no Donbass. É a função dele desde 2014. Mas o Andrii não fala muito disso, portanto nós também não perguntamos”, explicou Giampaolo Cheula, director-desportivo da Androni.

A mãe de Ponomar e a irmã, de sete anos, estiveram duas semanas escondidas num bunker e foram levadas para Itália há algumas semanas. “A equipa fez tudo para trazer a mãe e a irmã para Itália”, revelou Cheula. E o plano foi simples: tirá-las pela fronteira polaca para a sede da equipa, em Piemonte, e depois alojá-las em Vicenza. “Comparado com há um mês, o Andrii está mais sereno. Estamos felizes por vê-lo assim”, explicou o director.

Parte deste plano foi impulsionado por Andryi Grivko, ex-ciclista e agora presidente da Federação Ucraniana de Ciclismo. “As bombas caem durante 24 horas e ninguém sabe onde vai cair o míssil seguinte. É difícil tirar alguém de lá, até porque não é seguro sair de carro ou comboio. Temos ciclistas em situações difíceis e tentamos manter contacto com eles e as suas famílias”, explicou ao site CyclingWeekly, desde França, de onde tenta arranjar soluções logísticas e financeiras para ajudar ciclistas ucranianos e as famílias.

“Temos alguns na Turquia e não queremos que regressem à Ucrânia. É um grande trabalho para nós, porque temos a responsabilidade de ajudar famílias e encontrar casas na Polónia ou outros países durante o tempo que for preciso. Tentamos dar-lhes uma vida normal na Europa, para que possam continuar a competir pelos clubes e pela selecção”.

No caso de Ponomar, o objectivo desportivo para o Giro é simples: tentar vencer uma etapa. É o objectivo individual do ucraniano e também a meta colectiva de uma equipa que não tem um corredor para lutar pelo triunfo na classificação geral.

A Androni estará, por certo, em grande parte das fugas e de olho, eventualmente, num lugar de destaque na classificação da juventude, ranking no qual o grande favorito ao triunfo é, de forma clara, o português João Almeida.

Além do próprio Ponomar, poderão estar nessa luta o eritreu (mais um a despontar no país africano) Natnael Tesfatsion e o equatoriano Jefferson Cepeda, que já deram boas indicações em provas por etapas nesta temporada – no Tirreno-Adriático, só foram batidos na juventude por Pogacar, Arensman e Evenepoel.

Andrii Ponomar está, agora, totalmente seguro, bem como a mãe e a irmã. O mesmo não dirá o pai – e é por ele que corre o ucraniano, possivelmente o ciclista pouco conhecido pelo qual mais adeptos torcem nesta Volta a Itália.

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