A corrupção é uma questão de direitos humanos

Esta semana apresento o relatório “No centro da luta: pessoas defensoras dos direitos humanos trabalhando contra a corrupção” ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e vou perguntar aos governos porque é que não estão a proteger estes activistas.

Podemos ver na invasão da Ucrânia o que acontece quando as elites cleptocratas têm poder e quando os activistas de direitos humanos são alvos por desafiarem a corrupção e as decisões de governos.

No ano passado, levantei o caso de Ivan Pavlov, um advogado que trabalha para proteger as ONG que lutam contra a corrupção junto das autoridades russas. Ele é um dos muitos activistas que são alvo de regimes autoritários quando tentam silenciar as críticas pacíficas aos governos corruptos. Pavlov foi detido e forçado a fugir do país. Foi uma vítima daqueles que se sobrepuseram aos freios e contrapesos essenciais de uma democracia saudável.

Este poder sem controlo pode-se espalhar em conflitos e levar à insegurança global. A corrupção é quase sempre um factor neste processo.

Sempre que alguém aceita um suborno, dá um emprego a um parente não qualificado ou desvia dinheiro destinado a um hospital ou escola para seu próprio bolso consubstancia um ataque aos direitos humanos.

A corrupção é frequentemente descartada como inevitável ou inofensiva, como um crime sem vítimas. Mas não é uma coisa nem outra, além de ser fundamentalmente uma questão de direitos humanos. Esta semana apresento meu último relatório "No centro da luta: pessoas defensoras dos direitos humanos trabalhando contra a corrupção” ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, sobre como as pessoas que expõem e desafiam a corrupção se tornam alvos, e vou perguntar publicamente aos governos representados no Conselho porque é que não estão a proteger os activistas de direitos humanos que lutam contra a corrupção.

Vou questioná-los sobre as ameaças e intimidações recebidas por Ligia del Carmen Ramos Zúñiga, nas Honduras, que luta há muitos anos para acabar com a corrupção no sistema de saúde. Ela recebeu ameaças de morte, foi seguida, colocada sob vigilância e inscrita numa lista de alvos por ter denunciado a corrupção, por exemplo, na gestão de pagamentos a médicos ou na aquisição de suprimentos médicos durante a crise da covid-19.

Vou perguntar porque é que Tran Duc Thach foi condenado a 12 anos de prisão no Vietnam, depois de a sua poesia e os seus posts no Facebook, questionando a corrupção do governo, terem sido considerados "uma ameaça à estabilidade social”. Foi espancado pela polícia e o seu advogado, que pretendia recorrer da sentença, não foi autorizado a defender o seu caso.

E levantarei a questão do assassinato do académico Mohammed Ali Naim no Iémen, morto a tiro horas depois de publicar posts no Facebook a apelar para que funcionários corruptos fossem responsabilizados por fazerem negócios ilegais com engenheiros e empreiteiros.

Infelizmente, estes não são casos isolados. O meu relatório inclui dezenas de outros defensores dos direitos humanos que são perseguidos por causa de seu trabalho contra a corrupção, e há muitos mais que não pude incluir.

Parte do problema, como aponta a Transparência Internacional e outras organizações dedicadas à luta contra a corrupção, é a falta de proteção aos delatores que expõem a verdade, e um uso crescente de ações judiciais estratégicas contra a participação pública para intimidar actvistas de direitos humanos que tentam revelar a corrupção.

Tenho ouvido diretamente de milhares de defensores dos direitos humanos desde que me tornei relatora especial em maio de 2020 e muitos me contam como jornalistas, académicos, advogados, médicos e outros que expõem a corrupção continuam a ser alvo por causa seu trabalho. São frequentemente atacados por causa de seu sucesso - governos e empresas têm medo deles e do que possam revelar. E muitos têm alcançado resultados notáveis.

Activistas no Paquistão forçaram uma mudança na política governamental, tornando públicas as informações sobre contratos relacionados com a covid-19. No Quénia, as activistas locais pressionaram com sucesso no sentido de que milhares de escolas públicas obtivessem títulos de posse de terras, protegendo-as das apropriação para desenvolvimento de projectos corruptos. E na Guatemala a pressão de defensores dos direitos humanos levou a novos procedimentos no sistema nacional de previdência social, resultando na economia de US$ 500 milhões na compra de medicamentos.

Este é um trabalho vital contra a corrupção, é um trabalho de direitos humanos. As pessoas que o fazem devem ser protegidas e apoiadas, não vilipendiadas e atacadas.

A nossa investigação também sugere que as mulheres que lutam contra a corrupção são também muitas vezes alvo de represálias não só por causa do que fazem, mas por quem são. Riham Yaquoub era uma especialista em fitness que vivia em Bassorá, Iraque, uma forte defensora do acesso seguro a instalações desportivas e espaços públicos. Também liderou marchas de mulheres contra a corrupção. Após anos de assédio, difamação e ameaças online, em Agosto de 2020 foi baleada e morta no seu carro.

Expor a corrupção é muitas vezes um acto delicado e perigoso, mas isso está a ser feito em todo o mundo por activistas, e os seus sucessos são vitórias para os direitos humanos.

Sabemos que obter ganhos requer persistência, às vezes durante muitos anos, e que a corrupção não desaparecerá da noite para o dia. Mas isso não é motivo para desistir. Na verdade, é mais um motivo para começar a tentar mudar as coisas agora. Durante minhas décadas de trabalho em prol dos direitos humanos, vi como melhorias radicais muitas vezes começam com pequenos passos.

Algumas reformas relativas à corrupção levarão tempo, mas tenho dito a Estados e empresas que há algumas coisas importantes que podem ser feitas imediatamente, a começar já nesta semana. As autoridades governamentais podem hoje, de agora em diante, reconhecer regularmente e publicamente o valor do trabalho de activistas anticorrupção e denunciar publicamente as ameaças e ataques contra elas.

Podem comprometer-se a abrir investigações rápidas, eficientes, transparentes e independentes sobre os ataques contra activistas. E podem simplesmente convocar reuniões com estas pessoas que intervêm a nível local contra a corrupção e ouvir seus conselhos sobre como a forma como devem ser apoiadas e protegidas.

Não é assim tão complicado. Cabe aos Estados encontrarem a vontade política para ajudar os seus activistas contra a corrupção e responsabilizar quem os ataca.

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