A Ciência resolve, se a deixarem

A Ciência fundamental, que continua em subfinanciamento, é aquela que nos faz perceber que as alterações que o nosso planeta sofre não são “naturais”. É a Ciência que sustenta todo o conhecimento tecnológico e inovador, mas sofre, como as alterações climáticas, ao ser desvalorizada.

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Nuno Ferreira Santos

Encontramo-nos a lutar, simultaneamente, com duas das maiores crises já vistas. Uma crise pandémica e uma crise climática. No entanto, há paralelismos entre a pandemia e as alterações climáticas. Ambas foram previstas pela comunidade científica; ambas provocam disrupções acentuadas para a sociedade e para o planeta; ambas com soluções tecnológicas e científicas baseadas na ciência fundamental. A Ciência fundamental, que continua em subfinanciamento, é a que nos faz perceber que as alterações que o nosso planeta sofre não são “naturais”, mas como consequência da acção do ser humano. É também a Ciência que nos dá recursos para lidar com uma pandemia, de onde sai um princípio transformador para a produção de vacinas, e de onde saem ideias inovadoras para usar recursos biológicos na absorção de carbono. É a Ciência que sustenta todo o conhecimento tecnológico e inovador, mas sofre, como as alterações climáticas, ao ser desvalorizada e ao não ter um papel preponderante na nossa sociedade.

Esta é a Ciência que nos mostra que não há paralelo entre o aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO2) actual e a concentração registada nos últimos milhões de anos. Até há 800 mil anos não havia concentração de CO2 acima de 300 partes por milhão (ppm). Hoje, já ultrapassámos os 400 ppm. A ciência alerta-nos que em 2020 batemos 20 vezes o recorde da temperatura global no século XXI. Mostra-nos o passado e o futuro. Mostra que em 2050, se cumprirmos as metas do Pacto Ecológico Europeu, o acordo de Paris e o roteiro de Neutralidade Carbónica, esperamos conter o aumento médio da temperatura do nosso planeta para 1,5ºC. Com apenas um acréscimo de 0,8ºC, vemos já um aumento de três vezes o número de fenómenos extremos reportados no planeta desde 1980. E pior, associado a este fenómenos temos a disrupção da sociedade: os deslocados internos e externos.

Há aproximadamente nove milhões de pessoas deslocadas devido a conflito e violência, mas já há 19 milhões de pessoas deslocadas devido a desastres naturais e mudanças climáticas. Isto acontece não só pela severidade dos desastres naturais, mas pelas implicações que as alterações climáticas têm regionalmente na disrupção do ciclo biológico.

No entanto, negligenciamos dois grandes temas. Primeiro, estamos a olhar para o modelo mais optimista da evolução do aumento médio de temperatura global, enquanto o mais pessimista fixa este aumento nos 4ºC. Para além disso, estes cenários mais pessimistas são revistos em alta todos os anos, fruto de melhores modelos matemáticos climáticos, assim como o constante aumento da aceleração da temperatura média global e emissão de gases efeito de estufa. Segundo, desvalorizamos as consequências esperadas para 2050. É inevitável haver consequências, e agora só podemos definir a severidade das mesmas. As consequências para a zona Mediterrânea de um aumento de 4ºC seriam catastróficas para a vida como a conhecemos, com aumentos acentuados da quantidade e períodos de seca.

Sendo o capitalismo um sistema que privilegia o consumo e crescimento, como é expectável que haja redução de emissões e recursos, senão pela via científica e tecnológica? Sendo a Ciência a solução, não deveria ser um pilar das prioridades desta década? A mensagem que quero deixar aqui é a de ser proactivo e não reactivo, porque não irá funcionar para este problema global. É um problema já da nossa geração. Se as soluções não passam pela política e diplomacia, então que passem pela científica. Aumentar o financiamento para a Ciência é crucial para combater as crises actuais e prevenir as futuras. 

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