Uma mão cheia de sal e o caldo está entornado

Reduzir o consumo de sal é salvar vidas. Se reduzíssemos apenas 15% desta ingestão, reduziria a hipertensão arterial, e conseguiríamos evitar 8,5 milhões de mortes prematuras no mundo, numa década. Está na altura de agir já.

Sabia que o consumo médio de sal, na Europa e por cada habitante, é de 8 a 19 gramas por dia? Esta média é verdadeiramente preocupante, principalmente quando conhecida a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a ingestão de somente 5 gramas, por cada dia e por cada um de nós.

Em Portugal, a quantidade de sal presente na alimentação é sensivelmente o dobro desta recomendação, o que se traduz na elevada prevalência de hipertensão arterial – que afeta cerca de 40% da população adulta portuguesa – pois, de todos os fatores responsáveis, o excesso de sal será, porventura, o principal.

Este elevado consumo de sal é um (mau) hábito que nos deve mobilizar a todos e hoje, 17 de maio, Dia Mundial da Hipertensão, é o momento ideal para fazermos um balanço do caminho que temos percorrido e do destino ao qual queremos chegar.

Devemos, por isso, relembrar que, em 2013, a OMS estabeleceu a meta global de redução de 30% da ingestão de sal até 2025. Também em 2013, o Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável apresentou uma Estratégia para a redução do consumo de sal na alimentação em Portugal. Ora, faltam menos de cinco anos para falharmos ou alcançarmos, todos, este objetivo. Onde pretendemos chegar? O que queremos conseguir?

Reduzir o consumo de sal é salvar vidas. Se reduzíssemos apenas 15% desta ingestão, reduziria a hipertensão arterial, e conseguiríamos evitar 8,5 milhões de mortes prematuras no mundo, numa década. Está na altura de agir já e é incontornável o facto de as estratégias para redução da ingestão de sal serem consideradas pela OMS como best buys (baixo custo e elevada eficácia) para a prevenção das doenças não transmissíveis.

Há várias medidas que podem ser implementadas para contribuir para a redução do consumo de sal e devem ser executadas em todas as frentes, permitindo igualdade no acesso a uma alimentação adequada e restringindo alimentos com elevado teor de sal. É de relembrar que o ano de 2009 foi marcado pelo início do combate a este problema de saúde pública com a conhecida “lei de sal no pão”, que estabeleceu limites máximos ao teor do sal. Não nos esqueçamos também do excelente acordo que o Governo estabeleceu, em 2018, com as panificadoras tendo como propósito final a redução do sal no pão e, em 2019, do compromisso alargado estabelecido para diferentes categorias de produtos alimentares.

Mas, podemos e devemos ir mais longe. Educação, reformulação e legislação são apenas três das várias medidas a serem trabalhadas para que consigamos reduzir este problema e aumentar os anos de vida saudáveis. Em Portugal, a ingestão excessiva de sal surge como o comportamento alimentar inadequado que mais contribui para a perda de anos de vida saudável. Algumas das soluções são simples, mas exigem a articulação de vários atores. Ora vejamos:

  1. Reformulação de produtos alimentares e estabelecimento de compromissos para redução do teor de sal em alimentos e refeições;
  2. Modificação da oferta alimentar em instituições públicas, como hospitais, escolas, locais de trabalho e lares de idosos, para permitir o fornecimento de opções com baixo teor de sal;
  3. Sensibilização e capacitação dos consumidores para um consumo reduzido de sal;
  4. Implementação de rotulagem nutricional de carater interpretativo na frente da embalagem para fornecer informação fácil de ler e entender pelos consumidores;
  5. Monitorização do consumo de sal da população e do teor de sal nos alimentos.

Estas não são medidas avulso, são efetivamente algumas das soluções propostas pela OMS e reforçadas na conhecida Salt Awareness Week, uma iniciativa anual que tem como objetivo consciencializar para a redução do consumo de sal e que, este ano, teve como tema “More Flavor, Less Salt!” (mais sabor, menos sal).

Entre o top 5 de medidas, parece-nos que em Portugal poderíamos e deveríamos começar já com a implementação de um sistema de rotulagem nutricional simplificado que permita a todos perceberem o que estão a comer, pois 40% dos portugueses não sabe ler rótulos e, por isso, é imprescindível criar sinaléticas que facilitem este processo. Como vemos, os consumidores não são todos capazes de descortinar, de ler ou de avaliar a informação nutricional presente nos rótulos dos alimentos. Muitos não percecionam se as bolachas têm sal e se os cereais de pequeno-almoço, também.

É, assim, necessário que a mesma sinalética seja adotada por todos os operadores e o Estado tem o dever de dar um sinal claro nesse sentido. Não é viável que no supermercado A seja o sistema B e na mercearia C exista o sistema D. Confuso, não é verdade?

Acresce que urge que os setores da indústria alimentar e da distribuição honrem os compromissos celebrados com o Governo, atingindo as metas estabelecidas para a redução do teor de sal, em diferentes categorias de produtos alimentares, até 2022.

O sal escondido é, muitas vezes, a razão para que ultrapassemos os 5 gramas por dia recomendados e, se a este facto juntarmos uma mão cheia de sal nos temperos lá de casa, o caldo está entornado.

Podemos comer sal a mais sem a nossa permissão – escondido de forma abundante em produtos processados ou em comida de restaurantes –, mas também o podemos consumir porque fomos habituados a um (mau) “gosto para o salgado” ou porque não temos, ainda, real consciência dos seus malefícios.

Precisamos capacitar a população para que, na hora de ser servida, passe a exigir redução de sal. Precisamos de mais campanhas com mensagens simples e claras. Precisamos de uma maior aposta na promoção da alimentação saudável, com o envolvimento de nutricionistas nos centros de saúde, nas autarquias, nas escolas e nos lares de idosos. Nunca é demais lembrar que estes profissionais são escassos nestas instituições e que, sem a sua intervenção, será difícil (se não impossível) alterar comportamentos e melhorar a alimentação nacional. É urgente, por isso, uma política governamental que esteja focada neste problema e que a Assembleia da República não se limite apenas a recomendar o Governo para a inclusão de nutricionistas nestas estratégias ou para promover a alimentação saudável. Não bastam recomendações, temos que passar da recomendação à ação e da estratégia à operacionalização.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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