Reitor da Basílica do Bom Jesus em Goa teme que monumento colapse

Com as alterações climáticas, as paredes que deixaram de estar protegidas pelo estuque com as obras dos anos 50 estão expostas à chuva todo o ano.

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Basílica do Bom Jesus, em Goa, em 2011 Miguel Manso

O reitor da Basílica do Bom Jesus, em Goa, na Índia, disse esta semana à Lusa que a igreja construída pelos portugueses no século XVI, classificada como património mundial, está “em grave risco” de “colapso”, apelando a obras urgentes.

Segundo o reitor, padre Patrício Fernandes, a água das chuvas e monções infiltrou-se nas paredes, expostas aos elementos desde que, nos anos 1950, foi removido o estuque que recobria originalmente a fachada da Basílica, inaugurada em 1605 em Velha Goa, então capital da Índia Portuguesa.

“Segundo os historiadores, o Governo de António Salazar, no Estado Novo, quis mostrar que a arquitectura portuguesa era muito antiga. Em 1952, quando se realizou uma exposição com as relíquias de São Francisco Xavier, o estuque foi removido, para que a igreja parecesse mais antiga”, contou à Lusa o padre Fernandes. Por essa razão, as paredes da igreja, construída com blocos de laterite, uma rocha porosa, ficaram expostas às chuvas e monções nos últimos 70 anos, provocando a sua erosão.

“Os portugueses deixaram Goa em 1961 e o Governo indiano não voltou a rebocar as paredes, e nos últimos anos [a Basílica] tem vindo realmente a deteriorar-se”, explicou. Esta não é a primeira vez que o reitor alerta para o estado do monumento, mas a situação agravou-se nos últimos meses, afirmou.

“Pela primeira vez, há tanta água que acabou por se infiltrar na pedra. A monção acabou em Outubro e as paredes continuam molhadas”, contou. “Quando se passa a mão pela pedra, há pedaços que caem ao chão”, acrescentou.

Em Abril do ano passado, após alertas do reitor, os serviços de arqueologia responsáveis pela conservação dos monumentos na Índia, o Archaeological Survey of India (ASI) iniciaram algumas obras na basílica, incluindo no telhado, mas a intervenção não chegou para proteger o monumento, considerado uma das “sete maravilhas de origem portuguesa no mundo”.

“Dez dias depois de a monção começar, as paredes começaram a ficar molhadas”, com “a água a escorrer pelas paredes”, lamentou o padre. O reitor recordou que a última monção, em Outubro de 2020, fez ruir a fachada da igreja de São Roque, situada na localidade de Velim, no sul de Goa, e teme que o mesmo aconteça à Basílica do Bom Jesus.

“Não sou apenas eu que temo que isso aconteça. Consultei arquitectos e engenheiros e disseram-me: “Padre, isto [o reboco das paredes] tem de ser feito, ou há um grave perigo de que a basílica colapse"”.

O padre Patrício Fernandes alertou a arquidiocese e o ASI, instando os serviços de conservação dos monumentos a rebocar as paredes da igreja e a fazer obras no telhado, mas segundo o prelado, tem havido resistência em proceder à intervenção. “A maioria das pessoas sempre conheceram esta igreja sem reboco, por isso pensam que era assim originalmente”, explicou. “Quando lhes disse [aos técnicos do ASI] que tínhamos de voltar a rebocar a igreja, responderam-me: “Para quê? É tão bonita assim"”, contou o padre, criticando a inércia das autoridades em relação a um monumento “tão precioso para Goa”.

“É um milagre que a Basílica não tenha ruído ao fim de setenta anos [desde que o estuque foi removido]. São Francisco Xavier está certamente a olhar por ela, mas não podemos continuar assim, é preciso fazer alguma coisa”, apelou. Para o padre, é urgente “mobilizar a opinião pública” e analisar como deverá ser feito o restauro, recorrendo a peritos internacionais e arquitectos para garantir um bom trabalho. “A cobertura de gesso e cal dura centenas de anos, como se vê noutras igrejas em Goa”, afirmou.

A Lusa questionou os serviços de conservação de monumentos em Goa e em Nova Deli por escrito, mas não recebeu resposta em tempo útil. Construída entre 1594 e 1605, a Basílica do Bom Jesus faz parte de um grupo de igrejas e conventos erigidos pelos portugueses, classificados pela Unesco como Património Mundial, em 1986. A basílica, um dos monumentos mais visitados em Goa, alberga o túmulo de S. Francisco Xavier, missionário jesuíta canonizado no séc. XVII, conhecido como o “apóstolo do Oriente”. 

Alterações climáticas trazem chuva todo o ano

O arquitecto Fernando Velho, membro do grupo independente Coletivo de Goa, que defende a conservação de monumentos históricos naquele estado indiano, apelou à intervenção de peritos portugueses para salvar a Basílica do Bom Jesus. "Era preciso que especialistas portugueses se reunissem com peritos locais e fizessem um relatório” sobre o restauro da Basílica, apelou Fernando Velho, considerando “urgente” a intervenção naquele monumento, considerado património mundial.

O arquitecto indiano, que falava à Lusa após o alerta do reitor, confirmou que a infiltração de água nas paredes ameaça o monumento. “Nos anos 1950, além de o estuque ter sido removido, houve uma série de outras intervenções, como a adição de lajes de betão e a modificação do telhado”, explicou Fernando Velho, um dos arquitectos consultados pelo reitor da Basílica, o padre Patrício Fernandes.

“A integridade da estrutura da Basílica foi afectada”, explicou, e os reforços introduzidos há 70 anos “estão agora a ceder, por causa da deterioração do betão”. Exposta aos elementos, “a pedra deteriorou-se muito em algumas áreas da fachada, por causa das monções”, explicou o arquitecto, mas a situação agravou-se devido às alterações climáticas. “Por causa do aquecimento global, deixou de haver estação seca e monção na Índia, chove durante o ano todo. Todos os meses chove mais, o que não acontecia antes, e as paredes não têm oportunidade de secar”, disse o arquitecto.

A expansão urbana da vizinha Pangim, capital do estado de Goa, também ameaça o monumento. “O governo de Goa não definiu zonas tampão, obrigatórias pela lei nacional”, disse o arquitecto, denunciando “interesses imobiliários”. “É um problema que não existia no passado, mas com a construção de uma auto-estrada muito perto da Basílica e o aumento do betão naquela zona, toda a água é absorvida pela igreja”, lamentou.

Para Fernando Velho, “é urgente rebocar a igreja” e salvaguardar o monumento, considerando que a protecção da Basílica “é um problema transnacional”. “Era importante ter peritos de Portugal envolvidos, porque o reboco em igrejas também foi feito lá”, disse à Lusa, recordando que há vários especialistas portugueses que estudaram a Basílica do Bom Jesus.

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