André Ventura em entrevista: “Não serei o Presidente dos que não trabalham, dos que vivem de esquemas”

André Ventura vai reformular projecto que pretende proibir captação de vídeos de acções policiais que tenham por alvo minorias étnicas.

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O líder do Chega e candidato a Presidente da República diz que, se for eleito, não rejeitaria dar posse a um governo de coligação PS-PCP-BE, desde que tivesse uma ampla maioria parlamentar. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e da Rádio Renascença (transmissão esta quinta-feira, depois das 23h), André Ventura revelou que vai reformular a proposta que recentemente apresentou no Parlamento e que pretende proibir, punindo com pena de prisão, a captação e difusão de imagens de acções policiais, especialmente sobre “grupos étnicos ou raciais minoritários”.

 Tem vários cartazes espalhados pelo país, o que todos sabemos que é muito caro. Quem financia o Chega e esta campanha presidencial?
Sei que a nossa campanha tem levantado muitas interrogações. Temos feito um grande esforço em termos de partido para conseguir juntar pessoas que nos apoiem – e graças a Deus têm sido muitas que entendem que este sistema já não serve e nos têm ajudado –, a par da subvenção [eleitoral], e é com essa subvenção que temos feito a campanha de informação, divulgação e marketing. A nossa campanha presidencial tem apenas um modelo de cartaz, que é o Presidente que não tem medo do sistema. É [uma campanha] mais reduzida, porque os donativos são muito menos ainda espero conseguir mais. Até achei graça quando Ana Gomes disse isto antes da vacina ilegal – que devíamos limitar os donativos a 100 euros. Compreendo, quem não consegue donativos de ninguém, tenta limitar os dos outros. (...) Eu sei que algumas pessoas sonham com a extrema-direita europeia, internacional e os financiamentos. O André Ventura está muito tranquilo quanto a isso, confia muito nas instituições...

Mas não era de estranhar que os partidos da extrema-direita europeia, nomeadamente o da senhora Le Pen, apoiasse este jovem partido, já que são partidos irmãos?
Primeiro, nós não queremos; e, depois, a lei não permite. Tenho uma coisa muito clara: pauto a minha vida por cumprir a lei, mesmo as leis com que não concordo e tenho atacado os outros partidos por não cumprirem a lei. Portanto, nunca aceitaria receber dinheiro de fora, mesmo que nos quisessem apoiar. (...) Eu não quero infringir a lei um milímetro. (...) Se Le Pen nos quisesse apoiar, se o Salvini nos quisesse apoiar, se o Steve Bannon nos quisesse apoiar, a minha resposta seria sempre a mesma: eu cumpro a lei portuguesa.

Quem é o seu principal adversário nesta campanha presidencial?
Marcelo Rebelo de Sousa. Se me perguntar: vai bater Marcelo Rebelo de Sousa na primeira volta? Creio que não, realisticamente acho que não. Olhamos para os números [das sondagens], Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente instituído que usa e abusa da comunicação, portanto não vai ser fácil. O que é possível fazer na primeira volta é vencer Ana Gomes, ficar em segundo lugar e levar Marcelo Rebelo de Sousa a uma segunda volta. Esse é o nosso objectivo. Não quero tirar mérito a ninguém, acho que a Marisa Matias e o João Ferreira são pessoas de extraordinário valor, mas acho que não têm nenhuma capacidade de chegar a uma segunda volta. Só Ana Gomes e André Ventura têm. O meu objectivo é ficar à frente de Ana Gomes e chegar à segunda volta com Marcelo.

Acha que Marcelo Rebelo de Sousa vai ficar abaixo dos 50%?
Acho que é possível. Repare que está a descer consecutivamente [nas sondagens]. Já esteve nos 70%, há sondagens que já lhe dão 56%, outras 54%, ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa está em queda. E está em queda numa altura em que a crise ainda não começou verdadeiramente a bater no bolso dos portugueses e em que os debates ainda não começaram. Arrisco dizer que Marcelo ou mudou muito nestes cinco anos, ou não é um homem capaz do confronto ou dos debates – a menos que acabem com os debates este ano. (...) Até já ouvi por aí dizer que só vai haver um debate com todos. Se não for assim e se se seguir o que se tem feito nos outros anos, duvido muito que Marcelo se aproxime sequer dos 50%.

Como candidato serve-lhe aquela máxima de ser candidato a Presidente de todos os portugueses, ou ficam de fora os que se assumem de esquerda e extrema-esquerda, ou que simplesmente não confiam o voto a André Ventura?
Não vou ser igual aos outros nessa matéria. Comigo não há a história do Presidente de todos os portugueses e do Presidente de todos e dos sorrisos para todos...

Então é Presidente para quem?
Serei o Presidente de todos os portugueses, sejam de esquerda ou de direita, isso não há dúvida nenhuma, mas serei essencialmente o Presidente de todos os portugueses que trabalham, contribuem e querem fazer deste um país diferente. Não serei o Presidente dos portugueses que vivem à custa do sistema, que vivem à custa de subsídios, que vivem à custa de corromper o sistema, ou que vivem à custa de esquemas para que os que trabalham os estejam sempre a sustentar. Sei que isto não é politicamente correcto, mas é a verdade...

Há bons e maus portugueses? É isso?
Há mesmo. Sei que isto não é habitual dizer-se (...), mas não serei o Presidente de todos os portugueses. (...) Não serei o Presidente dos que não trabalham, dos que vivem de esquemas, dos que não querem estar no sistema, nem pagar impostos. Não serei o Presidente dos que querem estar sistematicamente à margem da lei. Serei o Presidente dos que estão dentro da lei, dos que cumprem, dos que pagam, dos que sentem que estão a ser explorados há anos e a sustentar quem não quer fazer nada.

Marcelo Rebelo de Sousa e Ana Gomes já defenderam um mandato único de sete anos para o Presidente da República. Qual é a sua opinião?
Tem de se ver a questão sob duas vertentes. Um presidente que tem apenas um mandato vai-se sentir completamente irresponsabilizado e quando começar o seu mandato dirá: reeleito já não posso ser, vou criar todo o tipo de dificuldades, vou pensar exclusivamente num legado de popularidade...

É defensor dos dois mandatos.
Sou defensor do sistema que temos, dois mandatos. É que o Presidente tem de ser responsabilizado pelo que fez. Eu tenho dito que Marcelo Rebelo de Sousa deve ir a eleições, ainda que me fosse mais cómodo eleitoralmente que ele não fosse. Se não fosse, quem é que nós íamos responsabilizar pelo que aconteceu nos últimos cinco anos? 

Mas o segundo mandato também não é obrigatório.
Não, não é. Por isso é que pedi a Marcelo Rebelo de Sousa que se candidatasse. Escrevi uma carta aberta em que disse: Marcelo Rebelo de Sousa pode não se recandidatar, mas sairá como um cobarde desta história política, porque quem disse, ou deixou no ar, que iria bater o recorde de Mário Soares, o Presidente mais popular de todos os tempos, acabar eleito com 50 e poucos por cento, ou até abaixo, eu sei que para Marcelo Rebelo de Sousa vai ser difícil, mas os portugueses é que decidirão. Que pensará Marcelo Rebelo de Sousa se, depois de todo este show de popularidade, de mergulhos na praia, de calções de banho na areia, for eleito com pouco mais de 50%? Que pensará Marcelo Rebelo de Sousa sobre a legitimidade que isso lhe dá para um segundo mandato?

Se fosse eleito Presidente da República, aceitaria dar posse a um governo de coligação PS-PCP-BE?
O Presidente da República é um árbitro no sistema que temos. É um sistema de base parlamentar, com alguns poderes presidenciais de controlo. Se a maioria parlamentar amplamente fosse nesse sentido, eu não gostaria, mas não sou eu que tenho de gostar, são os portugueses. Se me perguntar: eu deixaria este Governo de António Costa à deriva muito mais tempo? Não. Aliás, para mim, o sinal claro é quando duas deputadas não inscritas já estão a assegurar a sobrevivência deste Governo. Portanto, a questão da legitimidade começa a ser seriamente questionável. Agora, se houvesse uma ampla maioria, que não existe neste momento, nem me parece que vá existir nos próximos meses, que sustentasse um governo de esquerda, por muito que isso [me] custasse, eu respeitaria vontade dos portugueses. 

Uma das suas últimas propostas como deputado foi proibir, punindo com prisão, a difusão de imagens de acções policiais, especialmente sobre, e cito, “grupos étnicos ou raciais minoritários”. Duas perguntas: porquê especialmente sobre estes grupos; e o que são grupos raciais minoritários?
Ainda bem que me põe essa questão, porque aproveito para dizer que vamos reformular o projecto, (...) quero clarificar muito bem o que pretendemos. E o que nós pretendemos é evitar que a captação de imagens das forças policiais seja usada como forma de incitar ao ódio racial, ou ao ódio contra as forças de segurança. Evitar que as forças policiais caiam em armadilhas e sejam captadas imagens da sua intervenção, muitas vezes legítima, desvirtuadas, manipuladas ou tiradas do contexto, para dar a ideia de que as forças policiais são agressivas, agressoras e bárbaras. Nós queremos evitar que isso aconteça. A linguagem não foi a melhor, reconheço aqui, e por isso vamos reformulá-lo.

Qual vai ser a mudança então?
É essencialmente deixar claro que o que pretendemos é salvaguardar que a actuação policial, seja com que destinatários for, não pode ser filmada com o objectivo de a divulgar, de forma manipulada, para promover o ódio contra minorias ou maiorias ou forças policiais, ou seja, criar aqui um elo de ligação entre aqueles que gravam a imagem exclusivamente para o efeito de criar problemas com as autoridades policiais.

Mas isso não cria um problema em relação à liberdade de expressão?
Cria. Tem de ser ponderado num juízo de proporcionalidade e adequação. Por isso é que queremos reformular o projecto, para que os dois bens jurídicos fiquem salvaguardados. Estamos a falar essencialmente de imagens gravadas pela população civil, pelos cidadãos anónimos, e não pela imprensa. A liberdade de imprensa jamais ficará aqui em causa. Estamos a falar de imagens gravadas anonimamente, de forma inorgânica.

Portanto, vai retirar esta frase dos grupos raciais minoritários…
Não lhe posso dizer ainda como vai ficar. (...) Posso dizer-lhe que vai ficar claro que não se quer impunidade para ninguém. (…) Temos de proteger as nossas polícias – porque, senão, qualquer dia, a polícia tem medo de agir. 

Em relação ao OE: como explica que tenha votado de três maneiras diferentes esta proposta do BE que trava a transferência de verbas para o Novo Banco? A ideia que passou é que vale tudo e todos os votos…
O Chega votou contra esta proposta numa primeira fase, porque para nós há um perigo real que é de Portugal passar uma imagem de não cumpridor. (…) No dia seguinte, quando esta proposta foi avocada, nós tivemos conversas com o PSD, que nos deu a garantia de que, caso a auditoria que o primeiro-ministro já garantiu que está em curso [confirme] que todos os requisitos do contrato foram cumpridos, então o PSD estaria disponível, e o Chega também, para um orçamento rectificativo (…). E então nós dissemos: bom, temos aqui uma garantia de que não estamos a falar de um “não pagamos”, mas a falar de uma coisa que é: o contrato tem de ser cumprido, se estiverem garantidas essas condições, o PSD estará do lado certo nesta matéria. E então eu pus-me desse lado também.

Sim, mas houve aqui um intervalo de segundos entre uma abstenção e um voto a favor…
O voto de abstenção podia significar que seria o Chega a permitir que fossem feitas transferências cegas para o Novo Banco. E entre isso e mudar de posição, eu prefiro ter a humildade de mudar de posição. Eu não sabia como é que os outros iriam votar todos – tínhamos visto uma cisão no PSD, com deputados do PSD da Madeira a votar noutro sentido e, portanto, a minha consciência disse-me que era preciso impedir que fosse mais dinheiro para o Novo Banco (…).

O primeiro-ministro garantiu, em entrevista ao Observador, que não houve negociação nenhuma consigo na altura da polémica votação. Mas o certo é que são públicas aquelas imagens do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, a falar consigo. De que é que falaram, pode saber-se? Negociaram alguma coisa?
Até escrevi no Twitter que acho que o PS tem muita graça nessas matérias, porque o PS percebeu que estava em causa um elemento importante orçamental e, quando é assim, não tem outra hipótese senão falar com aqueles que podiam ainda condicionar essa votação. Se me disser assim: houve todo um processo de negociação formal com o Chega tal como houve, por exemplo, sobre os Açores? Não, evidentemente que não. Nós tínhamos pouco tempo, foi naquelas condições e naquelas circunstâncias. 

Tentaram negociar consigo?
Eu diria que tentámos debater. Eu próprio reconheci que havia aqui elementos que podiam prejudicar a situação financeira de Portugal e a credibilidade a nível externo. Trocámos ideias sobre as soluções que podíamos aqui ter. Evidentemente que o intuito do PS era que o meu sentido de voto fosse outro. 

A isso chama-se negociar…
Repare, não quero usar…

Falaram consigo com o objectivo de dar um sentido ao seu voto…
Repare, é a interpretação que eu estou a fazer. Custa-me um bocadinho catalogar as acções dos outros. 

É possível este Governo do PS negociar com André Ventura?
Da parte do André Ventura viu-se que não é, que o André Ventura votou ao lado do PSD.

Mas pelo menos é possível manter uma conversação…
Ouça, mal seria que o Chega não pudesse conversar com todos os seus interlocutores, com todos os outros partidos. O Chega, quando tem um projecto, é capaz, se for preciso, de falar com o Bloco de Esquerda sobre alguma coisa, ainda que não tenhamos relação.

O sistema [que frequentemente critica] está, dizem as sondagens, a ser-lhe favorável.
Não sei se está ou não. Acho que uma grande maioria dos portugueses está contra o sistema. Nós, ao contrário de outros partidos, nunca escondemos ao que viemos. 

Acabar com o sistema, mas não com a democracia?
Não com a democracia, como é evidente. Aliás, eu estou dentro da democracia para a manter e reforçar. Eu digo isso desde a noite das eleições. Agora ouço falar da ilegalização do Chega. Agora que o Chega está com 10% nas sondagens é fácil falar-se de uma ilegalização. (…) Se ilegalizarem o Chega, contem com uma luta enorme de clandestinidade, porque é o que nós vamos fazer. 

Clandestinidade numa democracia? Só falta falar em luta armada.
Sim, clandestinidade. Não quero falar de luta armada, mas quero falar de clandestinidade, porque é para aí que nos remetem.

Mas o que é que isso significa?
Significa que continuaremos a lutar, não pelas vias que nos são garantidas pela democracia, mas por outras. Pelas vias da divulgação de informação, das redes sociais e de outras.

Mas o primeiro-ministro já veio dizer que é com o Ministério Público (MP) que essas questões se resolvem.
É o mais fácil. É dizer que não temos nada que ver com isso e foi o MP que propôs – apesar de o PS já estar a falar nisso. A candidata Ana Gomes disse que não percebia como é que não se aplicava o Artigo 46 da Constituição, que é no fundo proibir partidos políticos deste tipo. O Fernando Medina, por exemplo, fala na ilegalização do Chega. Grandes responsáveis socialistas falam da ilegalização do Chega. Acha que é normal num país democrático ilegalizar-se um partido que é o 3.º ou 4.º nas sondagens? Como é que os europeus vão olhar para isto? Como é que a Europa vai olhar? O Chega é parte de uma família europeia, que é o ID. Como é que os outros países europeus vão olhar? Só falta termos todos o mesmo penteado e ouvirmos todos o mesmo hino. Isto não é a Coreia do Norte. 

Porque é que afirmou que o actual Papa tem prestado um mau serviço ao cristianismo? 
Acho que este Papa tem tido alguns bons contributos e um deles é a luta incessante contra a pobreza, contra os mais excluídos e aqueles que não têm voz. Também reconheço que tem feito o jogo sistemático de alguma esquerda europeia. E isso preocupa-me.

Portanto, o Papa é de esquerda.
Não sei se é ou não. Nunca falei com ele, nunca lhe perguntei. Sei que o Papa não se deve meter nestes assuntos. O Papa recusou receber Salvini em Itália. E Salvini é um responsável político e foi ministro do Interior italiano. Porque é que não recebeu e recebe outros de esquerda? Quando faz isto, está a prestar-se um mau serviço ao jogo político. 

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