As irmãs

Não é fácil termos alguém que amamos longe, uma irmã deve estar sempre perto. Uma irmã mais nova então deve estar sempre debaixo da vista, do nosso cuidado.

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Janko Ferlic/Unsplash

Penso nas irmãs Brontë e no desejo antigo de crescer numa casa cheia de raparigas e de livros. Só tenho uma irmã, e na nossa casa não havia mais de 15 livros. Quando a minha irmã nasceu, eu achava que era crescida: tinha dez anos e já tinha folheado O Monte dos Vendavais, e achado graça às duas bolinhas do nome da autora por cima do ë (vim mais tarde a saber que se chamava trema). A primeira vez que nos vimos, eu e a minha irmã, estávamos, de facto, horrorosas. Eu com um abcesso dentário que me desfigurava a cara do lado direito, de tal forma que me fazia parecer a miúda-elefante, e a minha irmã tinha uma infecção nos olhos, que estavam super inchados e emoldurados por um excesso de ramelas que metiam nojo, e que a faziam parecer um bicho minúsculo e esquisito a que não saberia dar um nome. Quando me perguntaram se a minha irmã não era linda, tive de mentir, pois claro, parecia-me um bebé muito estranho, todo vermelho e despenteado, não era aquela a ideia que eu tinha de um bebé. Apercebi-me de que os outros recém-nascidos na enfermaria eram todos igualmente feiotes e com as feições amarrotadas, e isso apaziguou-me um pouco. Afinal aquele devia ser o ar de quem acabava de vir ao mundo.

Levei anos a pedir uma irmã ou um cão aos meus pais. O cão tive muitos anos antes, um rafeiro desnorteado a quem chamámos Pluto. Mas só tive uma irmã por um deslize de contracepção dos meus pais, e porque eu estava presente quando disseram à mãe que o teste de gravidez estava positivo. A mãe nunca me poupou aos dilemas dos adultos. Fiquei tão feliz que me pus aos pulos na recepção do analista, nem liguei às dúvidas expressas na cara da mãe. Ia ter uma irmã e pronto. Era só o que faltava, tinha esperado mais de nove anos por aquele momento. Não seria justo privarem-me de uma irmã, de uma amiga, depois de eu saber que dentro da barriga da mãe já lá estava esse potencial de gente. Nas primeiras semanas de vida da minha irmã, a casa mudou. A infecção nos olhos passou-lhe e começou a parecer-se com um bebé a sério, como nos filmes, muito redonda e bonita. Cheirava bem, o cheiro da minha irmã inundava a pequena casa. Nem se sentia o cheiro da humidade. Só o cheiro bom de alguém puro; os bebés cheiram bem porque vem de dentro, as suas entranhas por estrear não têm maldade. E toda a gente sabe que a bondade cheira bem. Posso dizer que a minha irmã mudou a minha vida. Passei a cuidar dela muitas vezes. Gostava dessa responsabilidade, embora também me levasse perto da loucura com as suas birras ou tropelias. Como quando comeu um batôn inteiro da mãe ou bebeu um frasco de elixir dentário, e eu não sabia o que fazer, afinal de contas, eu também era ainda uma criança.

Nos últimos anos vivemos em países diferentes. Não é fácil termos alguém que amamos longe, uma irmã deve estar sempre perto. Uma irmã mais nova então deve estar sempre debaixo da vista, do nosso cuidado. A única coisa que nos sossega é sabermos que vive bem, mesmo que a muitos quilómetros de distância. E sabermos que o bem-querer entre irmãs nunca será prejudicado pela distância. Será sempre grande e insubstituível, desde a partilha ancestral do ventre.

Há um elo inquebrantável entre mulheres, entre irmãs. Existe algo de inefável nesse laço e que é menos explicado pela genética e mais pelo amor.

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