Os Simpsons estreiam 32.ª temporada (e vão chegar aos 700 episódios)

A família animada mais conhecida da televisão regressa mudada: as personagens não-brancas da série deixarão de “receber” a voz de actores brancos. O argumentista Al Jean conta ao PÚBLICO que a nova temporada (que em breve chegará à Disney+) reflectirá “o nervosismo e a intranquilidade” de um ano marcado pela pandemia e pelas eleições nos Estados Unidos.

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Os episódios desta 32.ª temporada foram quase todos escritos, animados e montados à distância DR

“Quantos copos é que eu bebi naquela noite? Quantos álbuns é que tem o Snoop Dogg? Ninguém sabe. Sei que são mais de dez e menos de 30.” A piada de Hannibal Buress no especial de comédia Miami Nights, lançado no início de Julho, quase podia ser aplicada aos anos que Os Simpsons já levam no pequeno ecrã. Quase: este domingo, 27 de Setembro, a família animada mais conhecida da televisão estreia nos Estados Unidos a sua 32.ª temporada, com a qual ultrapassará a barreira dos 700 episódios.

Será mais um recorde para a série que, em Dezembro de 1989, pela mão da Fox, começou a virar do avesso as regras das sitcoms. Desde então, conta ao PÚBLICO o argumentista e produtor Al Jean — que, à excepção de um breve período, entre 1993 e 1998, nunca abandonou a equipa de guionistas envolvidos na criação d’Os Simpsons —, houve “muitos possíveis últimos episódios” para a criação do cartoonista Matt Groening. Tivemos, ainda na quarta temporada, Lisa’s First Word, onde a bebé Maggie, irmã mais nova do diabrete Bart e da sabichona Lisa, finalmente tira a chupeta da boca e diz a sua primeira palavra (um ternurento “daddy” que derrete os corações de Homer e Marge). Há quase nove anos, vimos também Holidays of Future Passed, especial episódio natalício onde Bart e Lisa, aqui adultos, não conseguem criar laços com os seus filhos, procurando junto dos pais os conselhos que começaram por ignorar.

Al Jean acredita que Os Simpsons teriam tido um fim mais do que digno com Holidays of Future Passed, para muitos o melhor momento de uma 23.ª temporada nem sempre brilhante, talvez tão inconsistente como os fãs de Matt Groening e companhia dizem que a série tem sido desde o novo milénio. “Mas os anos foram passando e fomos continuando. Só sei que ainda não nos mandaram para casa”, graceja.

Mais ou menos. O argumentista explica que, devido aos constrangimentos levantados pela pandemia, os episódios desta 32.ª temporada foram quase todos escritos, animados e montados à distância. “Se em 1989 me dissessem que em 2020 íamos poder produzir uma série pelo Zoom, é óbvio que não acreditava. A Google foi inventada antes d’Os Simpsons. Crazy, huh?”

Não que este seja o cenário criativo de sonho para o produtor, ainda assim. “O corpo humano não foi feito para estar no Zoom o dia inteiro. E depois não tens a mesma espontaneidade a trocar ideias. Como é que vais ter espontaneidade se às vezes nem consegues ouvir o resto do pessoal em condições? Sinto falta de estar fechado numa sala com outros guionistas”, observa.

“Nervosismo e intranquilidade”

“De certa forma”, continua Al Jean, as novas histórias “reflectirão o nervosismo e a intranquilidade” de um ano que não pode ser discutido sem a covid-19 e, no caso dos Estados Unidos, as eleições presidenciais. “O mundo está a dar-nos muito material de escrita e inspiração. É pior para as pessoas e melhor para a comédia, é sempre assim. Quem me dera que fosse ao contrário.”

A estreia da 32.ª temporada surge três meses depois de os produtores d’Os Simpsons anunciarem que as personagens não-brancas da série deixarão de “receber” a voz de actores brancos. Já em Janeiro, Hank Azaria — que também empresta a sua voz, por exemplo, ao barman Moe Szyslak e a Clancy Wiggum, o não muito competente responsável pelo departamento policial da cidade fictícia de Springfield — havia declarado que não mais faria a voz do indiano Apu Nahasapeemapetilon, dono de uma loja de conveniência que foi analisado à lupa no documentário The Problem With Apu pelo comediante Hari Kindabolu, segundo o qual esse personagem reflecte vários estereótipos raciais.

A decisão de Azaria não foi consensual, de resto: ouvido em Agosto pela revista Deadline, Harry Shearer — que dá voz a uma porção simpática do elenco, incluindo o director da escola primária Seymour Skinner, o vizinho Ned Flanders, o maléfico Montgomery Burns e o jornalista Kent Brockman — disse que “o trabalho do actor é interpretar alguém que não é na vida real”.

Já se sabe que Hannibal Buress, citado no início deste artigo, fará uma aparição especial nesta temporada, assim como o actor David Harbour (conhecido pelo seu trabalho no fenómeno da Netflix Stranger Things), Michael Palin, antigo membro do mítico grupo de comédia Monty Python, ou Olivia Colman (A Favorita e A Lagosta, dois filmes do realizador grego Yorgos Lanthimos).

E depois dos 700 episódios? Que camisolas pode ainda vestir uma série que já deixou uma marca tão profunda na televisão? Al Jean prefere preservar a mesma mentalidade com que começou a escrever. “O nosso objectivo é fazer um episódio na 32.ª temporada que as pessoas pudessem ver na segunda”, frisa o argumentista, que já tem um fim ideal para Os Simpsons na cabeça. “Por mim, a série acabava com a família toda reunida, à beira da árvore de Natal, a cantar o mesmo tema natalício que ouvimos no fim do primeiro episódio, em 1989. Full circle.” Parece o canto do cisne perfeito. Mas não o esperem tão cedo.

Ainda não há datas confirmadas, mas a nova temporada chegará a Portugal através do canal Fox Comedy e da Disney+. Os Simpsons são um de muitos títulos da Fox disponíveis na plataforma de streaming: os episódios antigos podem ser vistos na resolução original, em 4:3, ou na versão remasterizada, cuja imagem esticada “corta” algumas piadas visuais.

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