Três anos depois da explosão em Alfama, moradores continuam com as casas destruídas

Faz esta quinta-feira três anos que um prédio da Rua dos Remédios ardeu, devido a uma explosão provocada por uma rotura na conduta de gás. Proprietários que ficaram com as casas destruídas aguardam ainda o desfecho do caso em tribunal. Prédio vai ser reconstruído.

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Andreia Gomes Carvalho/Arquivo

Três anos depois de uma explosão que destruiu um prédio em Alfama, proprietários e moradores têm ainda a casa em ruínas e aguardam o desfecho de uma acção judicial para que se apurem responsabilidades e possam receber a indemnização requerida pelos danos causados. 

Foi na tarde do dia 13 de Agosto de 2017, por volta das 19h, que uma explosão deu origem a um incêndio no número 59 da Rua dos Remédios, em Alfama, Lisboa. Na altura, cinco pessoas ficaram feridas, duas das quais alemãs que ocupavam um alojamento local. A fachada do imóvel foi depois entaipada para travar uma possível derrocada. 

Desde então, proprietários e inquilinos atribuem responsabilidades à LisboaGás (empresa concessionária para distribuição de gás natural na Grande Lisboa, pertencente ao grupo Galp Energia), à EDP Distribuição e à CME - Construção e Manutenção Electromecânica, uma vez que consideram serem estas as entidades responsáveis pela fuga de gás e pelo ponto de ignição que provocou a explosão. As empresas rejeitam, contudo, qualquer responsabilidade no incidente.

“É relevante e muito revelador que tenha passado mais um ano em que os proprietários e os lesados acumularam despesas e prejuízos sem que tenham tido qualquer contacto da EDP, LisboaGás ou CME”, dizem os proprietários numa nota enviada ao PÚBLICO.

Depois de um ano sem respostas, os lesados acabaram por apresentar uma acção em tribunal contra as empresas, em Janeiro de 2019, pedindo uma indemnização no valor de 1,7 milhões de euros pelos danos causados, a dividir por proprietários e inquilinos afectados. Desde então, o processo tem estado a correr muito lentamente. “[O processo] tem estado a dar lentos passos e, na prática não, há qualquer decisão”, diz ao PÚBLICO Sofia Cordeiro, proprietária de uma fracção.

Segundo contam os proprietários, a EDP solicitou a intervenção no processo do empreiteiro de uma obra realizada na rua mais de um ano e meio antes da explosão. No entanto, o juiz “opôs-se a esta inclusão e a EDP recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, estando neste momento a decorrer auscultação às partes sobre se aceitam a intervenção” da empresa. “Os proprietários e lesados opõem-se a esta intervenção de outras entidades no processo, uma vez que entendem que o que deve ser analisado neste processo é a responsabilidade objectiva das empresas contra quem interpuseram acção”, referem na nota. 

“Independentemente se eles têm culpa ou não, a responsabilidade é de quem gere estas infra-estruturas que têm perigo. Isso está previsto no artigo 509.º do Código Civil”, nota Sofia Cordeiro. 

Tragédia anunciada 

Nos meses que antecederam o acidente, os moradores notavam com frequência um cheiro a queimado e a gás naquele troço da Rua dos Remédios. “Durante muito tempo convivemos com esse odor a gás no local. Às vezes passava alguém da companhia de gás, nós queixávamo-nos, mas eles diziam que era normal. Durante as festas populares, por alguns momentos, o cheiro a gás conseguia sobrepor-se ao cheiro da sardinha. Era uma tragédia anunciada”, relata Álvaro Filho, que era inquilino no prédio e perdeu bens no valor de 20 mil euros. Como ele é jornalista (e a mulher fotógrafa), perdeu equipamento, trabalho desenvolvido para o doutoramento e parte de um livro que estava a escrever. 

Durante esses meses, tanto a EDP como a LisboaGás foram chamadas várias vezes ao local. No dia da explosão, tinham lá estado, inclusive, técnicos e bombeiros. Meses mais tarde, foi feita uma peritagem ao local para apurar as causas do incidente. Os técnicos acabaram por concluir que as explosões se deveram a uma fuga de gás numa conduta subterrânea da LisboaGás, junto à entrada do prédio, que foi perfurada e fundida por um cabo eléctrico da EDP que, mesmo estando fora de serviço, se encontrava com carga eléctrica e derreteu parte da conduta.

Segundo refere o relatório de inspecção, então consultado pelo PÚBLICO, que esteve a cargo do Instituto de Soldadura e Qualidade, foram verificados danos “na forra de ferro fundido que servia de protecção à tubagem da rede de distribuição de gás natural da LisboaGás” – um buraco com cerca de um centímetro. “Concluímos que existe a ocorrência e fusão na mesma por acção de um aquecimento decorrente uma fonte de calor que poderá ter sido originada por contacto estabelecido entre o cabo energizado e o ponto metálico (forra de ferro fundido) originando a fusão do polietileno da tubagem de gás no seu interior” – um rasgo com cerca de cinco centímetros, que permitiu a libertação de gás. Não foram identificadas mais causas para o acidente. 

Desde então, as despesas têm-se avolumado para os proprietários que, na prática, estão hoje a pagar duas casas por terem compromissos bancários. “Nós continuamos a acumular encargos por uma situação que nos é alheia. Temos de pagar os nossos empréstimos”, nota Pedro Abrantes, proprietário de um apartamento do primeiro andar, que tinha arrendado a Álvaro Filho.

Ao PÚBLICO, os proprietários dizem estar a avançar com o processo de reconstrução, “recorrendo a meios financeiros próprios e aos seguros multi-riscos”. O projecto de arquitectura já deu entrada na Câmara de Lisboa. 

Em resposta ao PÚBLICO, as duas empresas reiteram não ter responsabilidades — tal como o tinham feito há um ano. A EDP Distribuição diz rejeitar “qualquer responsabilidade pelo sinistro, tal como demonstrado em sede própria” e nota que o processo de averiguação continua a decorrer, mantendo-se, “como até aqui, disponível para colaborar com a investigação das causas do incidente, sempre que solicitada para o efeito pelas autoridades competentes”. Para a LisboaGás, “o processo está a seguir os seus termos”, não se tendo verificado qualquer desenvolvimento relevante desde então. 

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