Em defesa da Europa: os custos da não-Europa

A Europa já fez muito. Tem de fazer mais. Mas a crítica constante, o estigma do perfeito bode expiatório ao serviço de agendas nacionais marcadas por eleições constantes, é injusta e suicida.

A covid-19 ficará na História como o vírus que parou o Mundo. Algo impensável fora do ecrã e dos círculos restritos dos estrategas de risco. A covid-19, na opinião de muitos, fez também soar o toque a finados pela União Europeia (UE), cuja desagregação, asseveram, é agora certa.

Estão errados. Esta crise prova três coisas:

Primeiro – Sem UE, Banco Central Europeu, fundos, medidas de emergência, etc., não teríamos, nem teria país algum na Europa, a quem recorrer. Há 30 anos, um estudo avaliou o custo da “não-Europa”. Era enorme. Imagine-se hoje: não haver mercado interno. Moeda única. Liberdade de circulação. Padrões regulatórios comuns. Qualquer voz europeia nos areópagos internacionais. Projectos comuns. Ou investigação europeia. E tanto mais que nenhum artigo comporta. Não haver nada disso, como querem populistas e políticos mal informados. E, já agora, se não houvesse Europa, e Bruxelas, e a Comissão, quem acusariam os seus inimigos de todos os males?

Segundo – Falta mais e não menos Europa. Se a UE não vai mais longe na saúde, é por não ter poderes. Se não aprova instrumentos financeiros em poucas horas (demora umas semanas…), é por essa aprovação depender da unanimidade dos 27 Estados-membros. Basta um não querer…

Terceiro – Apesar de tudo, a UE faz mais pelo conjunto dos seus membros do que qualquer outra organização, país ou conjunto de países. Não é suficiente? Mas é muito mais suficiente do que seria sem ela – e voltamos ao primeiro ponto.

Os custos da não-Europa

Caso a integração europeia cessasse, o que ficaria em seu lugar? No lugar do mercado interno, em que mercadorias, serviços e capitais circulam livremente? Do euro, uma das moedas mais influentes do mundo, que impede a armadilha da desvalorização constante responsável pelo empobrecimento de países como Portugal antes da UE? Da regulação comum em actividades por natureza desenvolvidas além das fronteiras nacionais, como as compras online, a concorrência internacional, a aviação ou o ambiente? E o que ficaria da livre circulação das pessoas, senão fronteiras fechadas, intransponíveis riscos traçados no mapa?

São exemplos. Talvez bastem duas palavras: ficaria o Vazio. Proteccionismo e guerra comercial, sendo os países mais pobres mais prejudicados; dezenas de moedas, a custar milhões a empresas, governos e cidadãos; uma confusão de normas regulatórias, com recurso acrescido a mecanismos internacionais de resolução de litígios em detrimento do contencioso institucional ou de Estado, maná para certas profissões; e de novo um continente fechado, onde viajar voltaria a ser difícil.

Mais Europa sff — e depressa

A pandemia colocou a integração europeia no olho do furacão. Os seus críticos não a poupam: não fez, fez pouco, e o que fez foi tarde. Faltou solidariedade. O paradoxo é claro: os que mais criticam a União por não agir são os mesmos que exigem que ela aja o menos possível. Refiro-me aos tradicionais inimigos da integração europeia, populistas, a actual administração norte-americana, os brexiteers. Exigem a devolução de poderes aos Estados e a tomada das decisões por unanimidade. Querem um orçamento europeu reduzido.

Ora com competências limitadas em matérias como saúde ou educação; decidindo por unanimidade a (não) aprovação de Eurobonds ou regras de fiscalidade ou defesa; com recursos financeiros diminutos, a UE dificilmente pode ser eficaz e solidária. Se tivesse competências na saúde poderia ter decidido rapidamente uma acção comum europeia contra o vírus; caso decidisse por maioria poderia já haver dívida mutualizada; com um orçamento à altura agiria mais depressa em socorro das economias, dos trabalhadores e das empresas.

Mas não tem. E os que a criticam por não agir depressa e bem não querem que tenha. Precisamos de mais ou, pelo menos, de melhor integração europeia, se somos sinceros ao pedir-lhe resultados.

Parem de dizer que a Europa não fez nada pelos europeus

Apesar de tudo isso, a Europa agiu. Lentamente, como quase sempre sucede, mas com estratégia, objectivos claros e montantes consideráveis. Foi assim na coordenação pan-europeia de aspectos importantes da crise sanitária. E começou também a ser na luta contra a profunda recessão em que a Europa já está a cair: o BCE compra dívida pública de forma quase ilimitada, garantindo o financiamento das economias; o Conselho Europeu aprovou 540 mil milhões de euros para ajudas de emergência, juntando Mecanismo Europeu de Estabilidade, Banco Europeu de Investimento e um novo fundo para apoio aos desempregados (SURE).

São somas consideráveis.

Mas a verdadeira resposta – o teste ao seu futuro – será o Instrumento de Recuperação para financiar a União a níveis extraordinários, dinheiro para ajudar os Estados-membros. Mas para corresponder às expectativas e não alimentar a crítica, a proposta que a Comissão deve apresentar até 6 de Maio tem de obedecer aos seguintes critérios: valor suficiente (2 biliões seria ideal, mas nunca abaixo de 1 bilião) e inequívoco; distribuição justa e solidária entre os Estados-membros; valor superior de subvenções (não reembolsadas) a empréstimos (têm de ser pagos), beneficiando estes de juros baixos e de longas maturidades (prazos de pagamento).

A Europa já fez muito. Tem de fazer mais. Mas a crítica constante, o estigma do perfeito bode expiatório ao serviço de agendas nacionais marcadas por eleições constantes, é injusta e suicida.

E não referi uma dimensão muito importante para a minha geração: o sonho europeu de um continente em paz, próspero e solidário. Fica para outras calendas.

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