Portugal: Dez contas de Instagram onde se vivem vidas simples

Antes da pandemia, a vida deles já estava ligada à terra, ao quintal das coisas boas, ao fogão a lenha e aos pássaros que dão os bons-dias. Não estão confinados a um espaço fechado. O movimento é o mesmo. A Fugas pediu-lhes para descreverem o seu dia.

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"Aqui no monte, os dias não são muito diferentes do que têm sido nos últimos seis anos" @theolivetreesandthemoon

Decidiram viver uma vida simples. Mudaram-se para a natureza — ou nunca saíram verdadeiramente dela. Acordam a ouvir os pássaros e a ver o sol nascer sobre a montanha. Plantam, regam, semeiam, racham lenha, abraçam árvores, desenham, pintam, ensinam os filhos a reconhecer plantas selvagens. Têm horta — preciosa, rica. Aprendem muito com a terra. São auto-suficientes dentro dos possíveis. Reconstroem casas à mão. Fazem malha. Fazem pão. Dão uso ao fogão de lenha. Utilizam objectos e técnicas que eram dos pais, dos avós e dos bisavós. Cozinham, brincam, respiram o vento que vem das serras. Mergulham. Caminham por campos a perder de vista. Usam atalhos. Têm um quintal das coisas boas. Não estão confinados a um espaço fechado. Não notam menos movimento. Adormecem e sonham com rebanhos. Vivem devagar, mais atentos, mais presentes. Lêem, contemplam. Fotografam. Vivem em paz. Apanham flores silvestres, arejam a roupa, abrem caixas com fotografias e documentos antigos.

Cláudia Mestre (Alcáçovas)

De manhã cedo vou ver a horta, pois há sempre novidades. O dia, passo-o em frente ao computador, a preparar aulas para os meus alunos, em reuniões online, a trocar e-mails com colegas, encarregados de educação e alunos, num imenso e intenso trabalho colaborativo. Ao final da tarde, vamos caminhar pelos campos a perder de vista. O serão é passado junto ao lume de chão. Faço malha, leio e desenho.

Nesta casa, há a riqueza de vivermos rodeados de objectos que eram dos nossos pais, avós e bisavós, objectos esses, que utilizamos no nosso dia-a-dia. 

Durante o fim-de-semana há tempo para nos dedicarmos à horta. Partilhamos o que a terra nos dá entre vizinhos e amigos. Quando precisamos, compramos a produtores locais. Um quotidiano inusitado para uma família suburbana.

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Catarina Seixas (Idanha-a-Nova)

Aqui no monte, os dias não são muito diferentes do que têm sido nos últimos seis anos. Acordamos cedo, cortamos lenha para acender o lume, tratamos da horta, ensinamos a nossa filha a reconhecer plantas selvagens, cuidamos das galinhas e sonhamos com o dia em que teremos o nosso rebanho de ovelhas, para produção de lã. Reconstruímos uma casa à mão, com materiais naturais, e plantamos árvores. Nutrimos a nossa comunidade local, que é uma parte tão significante da nossa vida aqui. Não estamos ligados à água ou electricidade da rede, portanto tiramos água do poço e usamos painéis solares para ter electricidade – que é tão necessária, uma vez que o meu trabalho se faz online.

E constante a tudo isto – os atalhos através da floresta para ir tomar o pequeno-almoço a casa de amigos, os projectos em lã, a recolha de plantas comestíveis, os progressos na construção, os cozinhados por cima do fogão a lenha, os encontros para trocas de sementes, todas estas pequenas coisas que se tricotam juntas como malhas no que é o nosso dia-a-dia – está a presença da minha câmara fotográfica, que lealmente vai capturando o mundano.

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Jaymie Jarvis e Marley McDonagh (Castelo Branco)

As manhãs começam com um café a ouvir os pássaros e a assistir ao nascer do sol sobre a montanha. Depois disso, alimentamos os animais — até ver temos quatro gatos, três porcos, seis galinhas e dois cães. Queríamos mudar para a natureza para viver uma vida simples. O nosso objectivo é tentar viver da forma mais auto-suficiente possível e a nossa horta é fundamental para isso.

O jardim geralmente recebe atenção da parte da manhã; cuidar das sementes, capinar e regar bem é muito importante para uma mercadoria tão preciosa por aqui. Bombeamos água para um tanque que fica numa torre no topo do terreno; a gravidade fornece-nos água com pressão. Temos dois pequenos sistemas solares, um fornece electricidade ao celeiro (serve para carregamento de luzes, telefone e laptop), o outro está no galpão que alimenta uma grande arca congeladora.

Diariamente, desenvolvemos muitos projectos. Trabalhamos juntos na maioria dos trabalhos de construção, como reformar uma antiga ruína usando a pedra das nossas terras e os materiais naturais. Entre regenerar a terra e cuidar do jardim, estamos a preservar e a cozinhar produtos cultivados em casa. Temos um forno portátil onde fazemos a nossa própria massa de padeiro e estamos frequentemente em mercados a fazer pizzas.

A Jaymie passa a maior parte do tempo livre a tricotar ou a fazer crochet e o Marley gosta de se manter o mais activo possível.

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Sandra Baptista (Nogueira de Baixo)

A minha aldeia chama-se Nogueira de Baixo e fica a 15km de Viseu. Foi a aldeia dos meus avós, é onde moram os meus pais e eu, apesar de ter casa em Viseu, é lá que passo muito tempo — e estou a restaurar uma casa.

Cresci a abraçar árvores, a acordar com o cantar do galo. Cedo aprendi que para colher é preciso semear, e assim boa parte do que ponho na mesa não vem do supermercado mas do “quintal das coisas boas” e da generosidade dos familiares e vizinhos, porque quem vive numa aldeia tem muito gosto em repartir o que a terra lhe dá.

Hoje é um privilégio poder continuar a dar uso às galochas e ténis, continuar a ter flores frescas em casa, colhidas durante as longas caminhadas pela serra e campo. Posso sentar-me à sombra de um carvalho ou pinheiro plantados por mim, longe da confusão, respirar e agradecer pelas coisas simples da vida, porque são elas que nos acrescentam.

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Filipe Lucas Frazão (Ilha do Pico)

Gosto de viver os meus dias em função do mar, já assim acontecia antes deste isolamento forçado e assim continua a acontecer. Aqui nos Açores a situação está mais controlada, o que nos permite manter alguma sensação de normalidade. Por isso tenho dedicado muitas horas a mergulhar, a explorar outros recantos da ilha quando o mar está menos favorável e a cozinhar sem pressas.

No fundo, esta limitação da nossa liberdade trouxe-me uma outra sensação que não esperava, de um momento para o outro acabaram os deadlines, a data de regresso e a pressão do tempo. Isto é uma grande sensação de liberdade para mim.

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Diane Gazeau (Vila Franca da Beira)

É violento ter de aprender a ouvir o seu próprio silêncio, e não poder fugir da sua própria solidão no meio do isolamento. Encontrei o reconforto ao abraçar a natureza. Vivo devagar, mais atenta, mais presente.

Da janela observo a natureza humana. As minhas lágrimas rolam como gotículas de água... perfeitamente silenciosas.

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Tiago Cerveira (Travanca de Lagos)

Documento, através da fotografia e vídeo, o património imaterial e material da serra da Estrela, serra do Açor e serra da Lousã. A dicotomia do projecto que assino (O Meio e a Gente) está intrinsecamente ligada aos aspectos e características identitárias desta região do país.

Tento imortalizar os detalhes mais primários do sentir serrano, seja através das imagens ligadas ao património natural ou de tantas outras ligadas à etnografia beirã. Espelhar este sentido do “ser rural”, este elo umbilical dos homens e mulheres à sua terra, à minha terra, à terra de todos nós.

Aqui na minha aldeia, Travanca de Lagos, colhemos os frutos que semeamos e respiramos o vento que vem das serras. O vento que roça a sabedoria dos velhos, as hortas, o xisto e o granito, bafejado com a cultura dos novos povoadores, chegados de todas as partes do mundo.

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Alexandra Macedo (Viana do Castelo)

Há muito tempo que tinha a certeza que o futuro passaria por concretizar um projecto de vida mais próximo da natureza, criar uma horta e tentar viver da forma o mais auto-suficiente possível, neste momento difícil que atravessamos penso muitas vezes o quanto acertada foi esta opção.

Apesar do que está a acontecer, aqui a realidade não foi muito alterada e o isolamento em que vivemos traz-nos algumas vantagens nesta altura. Não estamos confinados a um espaço fechado, não temos de nos preocupar com grandes concentrações, quase não nos damos conta do pequeno comércio ter encerrado, não notamos menos movimento no trânsito, não há menos pessoas a circular nas ruas do que já é habitual.

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Os dias dividem-se entre o trabalho pessoal como criadora e as obrigações de tratar das galinhas e das culturas na horta, de onde vem grande parte do que consumimos, tudo de acordo com o ciclo do sol e das estações, que acaba por ser quem gere o tempo que é dedicado a cada um dos trabalhos.

Partilhar, através do Instagram, o ambiente que me rodeia e muitas das tarefas diárias, permite mostrar que, sem estar distanciada doutras realidades, é possível viver um modo de vida mais alternativo, de acordo com outros princípios, mais próximo das origens, com mais respeito pelo ambiente e com uma serenidade que permite estar mais atento ao que é realmente importante na vida.

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Inês Milagres (Ilha das Flores)

O dia acorda simples com o cantar dos pássaros e com o sol a entrar pelas janelas. Silenciosamente venho sempre que consigo alongar e estar um pouco serena comigo mesma, pois o acordar do Ragnar significa acção e papinhas de aveia com sementes e fruta.

A rua é a casa, a casa um abrigo da chuva!

Se o tempo permite é na terra ou no bosque que estamos — semear, limpar, colher, acompanhar, observar e aprender muito com a terra, ou recolher lenha e cozinhar maioritariamente no fogo, pão, bolos, pizzas, granolas e comidinha que aquecem o coração. Estas são as coisas mais frequentes do nosso quotidiano.

Quando há oportunidade desenho, faço tricot ou alguns trabalhos com fios, costura e em breve tecer!
Cuidar das plantas e das sementes é o foco, abundância para todos! Afinal, o mundo é a nossa casa!

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Sofia Henriques (Penacova)

A casa tem para cima de 150 anos e começou por ser uma arrecadação, uma loja (na Beira é onde se guardam os cereais, azeite e vinho) com os quartos, minúsculos em cima. Foi feita pelos avós paternos, agricultores. Há cerca de 27 anos, herdei. Em miúda detestava isto, cresci em Lisboa, com a minha mãe, vinha passar as férias grandes e achava tudo um atraso de vida.

As obras foram-me aproximando da casa e tornando-a o meu espaço, onde tenho os objectos de família, os livros de arte, decoração, remodelações, de jardinagem, os lençóis do linho que cá era cultivado, as mantas de trapos que a minha avó tecia dos restos das roupas que não serviam, e claro, as memórias… A casa fica numa aldeia minúscula, e perto do Mondego, onde costumava tomar banho em miúda (hoje prefiro o Alva, menos poluído).

Estou habituada a estar comigo mesma o dia inteiro. De manhã gosto de me levantar, descer à cozinha, acender a lareira, porque tem feito frio, e fazer café. A não ser que chova, gosto de o tomar a dar uma volta pelo quintal; de Março em diante é um regalo ver tudo a despontar; comecei a plantá-lo há cerca de 25 anos, depois parei, e há cerca de três recomecei em força. Passo muito tempo a cuidar e a trabalhar nele: tirar folhas velhas, ervas, caracóis, podar, replantar, regar no Verão.

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Passo muito tempo também com um livro a apreciá-lo. Sabem-me super bem os momentos em que se contempla o que se fez; são também momentos de reflexão no que ainda poderia/será feito. Passo bastante tempo assim entretida, a sonhar acordada, a visualizar… são momentos de paz e muito reconfortantes.

Habitualmente dou um passeio; estou rodeada de floresta e perto do Mondego. Atravesso a aldeia a pé (cerca de 70 pessoas no total) e opto normalmente pela beira rio; a água tem o poder tranquilizante, e o facto de poder ir até ao rio, andar sozinha durante todo o percurso, é maravilhoso, ainda mais nestes tempos de confinamento. Trago sempre flores silvestres.

Ultimamente os meus passeios são mais longos para compensar o facto de não poder sair para mais lado nenhum; tenho redescoberto alguns nos quais já não passava há anos, e dos quais me lembro no tempo em que o meu pai me “obrigava” a ir com ele às terras, regar ou apenas ver. O meu único receio é dar de caras com um javali, mas até hoje fui poupada.

Faço o almoço – gosto de comer e passo bastante tempo na cozinha. O tempo restante divide-se entre trabalho e pequenas coisas que, numa casa já grandinha e antiga, aparecem sempre para fazer: ir buscar lenha à garagem e trazê-la para perto da lareira, arejar todas as roupas quando o tempo o permite, limpar o interior dos armários da humidade que por vezes se cria no Inverno — estamos perto da barragem, por isso o nevoeiro por vezes levanta ao meio-dia durante dias seguidos — e reorganizá-los, reorganizar a despensa — antiga casinha no pátio — onde a minha avó arranjava a comida para os animais, mudar a mobília de sítio, ou simplesmente abrir caixas com fotografias antigas e documentos antigos e ver…

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