Covid-19 e a pandemia das benzodiazepinas

Nas últimas semanas, muitos utentes entram em contacto com os seus médicos de família por ansiedade, crises de pânico e insónia. Pedidos de receituário para benzodiazepinas tornam-se cada vez mais banais.

Foto
João Guilherme

A poucos meses de terminar a especialidade de Medicina Geral e Familiar, deparo-me com uma pandemia que continua a assoberbar 2020 de incertezas e angústia. O SNS24 luta por dar resposta a todos os pedidos de ajuda e por todos os centros de saúde de Portugal os telefones não param de tocar. Nas últimas semanas, muitos utentes entram em contacto com os seus médicos de família por ansiedade, crises de pânico e insónia. Pedidos de receituário para benzodiazepinas tornam-se cada vez mais banais.

O que são as benzodiazepinas? São um grupo de fármacos ansiolíticos, comummente conhecidos por calmantes, utilizados para redução de ansiedade, tratamento de insónia e relaxamento muscular. Algumas das mais conhecidas são: diazepam (UnisedilR); alprazolam (XanaxR); lorazepam (LoreninR); bromazepam (LexotanR); loflazepato de etilo (VictanR), entre outras. Segundo o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED), estes fármacos encontram-se entre os mais utilizados em Portugal.

Esta tendência tem sido contrariada graças a novos estudos que revelam um lado menos tranquilizador, desconhecido por muitos portugueses. Vários estudos científicos têm-lhes associado o aumento do desequilíbrio e consequentes quedas/traumatismos, perda de memória, diminuição da função cognitiva (demência) e, claro, a dependência. Nós, profissionais dos Cuidados de Saúde Primários, não temos ficado indiferentes e procuramos diminuir a sua prescrição. No entanto, e apesar de todos os esforços numa direcção mais saudável, este novo vírus trouxe aos portugueses uma crescente sensação de instabilidade e preocupação. Mais do que nunca, é importante informar os portugueses sobre os malefícios das benzodiazepinas e encontrar alternativas.

Como utilizar correctamente esta medicação? As benzodiazepinas devem utilizar-se na dose mínima eficaz, em monoterapia — utilizando apenas um fármaco e em tratamentos curtos de perturbações agudas. A duração de tratamento não deverá ultrapassar as quatro semanas para a insónia e as 12 na ansiedade, incluindo, em ambas, o desmame (diminuição de dose de forma lenta e com acompanhamento médico). As reacções adversas são directamente proporcionais às doses tomadas e à duração do tratamento. Sabe-se ainda que as benzodiazepinas de actuação mais rápida são também as que causam maior dependência. Coloco esta questão: será a melhor solução libertar-se da ansiedade tornando-se escravo de um composto químico?

Existem outras alternativas cada vez mais eficientes e menos prejudiciais ao ser humano. Uma delas é a intervenção cognitiva-comportamental apoiada por psicoterapeutas e psicólogos clínicos. Existem várias entidades a oferecer apoio psicológico online ou por telefone. O SNS24, por exemplo, mantém uma linha de apoio psicológico incansável (808242424) e o INEM criou vários documentos informativos para população, inclusivamente medidas de gestão emocional.

É crucial o aconselhamento nos hábitos de sono, técnicas de relaxamento, medicação de base natural, como o extracto de valeriana, actividade física e, claro, manter o contacto com familiares e amigos, fazendo bom uso das novas tecnologias. É aconselhável consultar um profissional de saúde em vez de iniciar uma medicação, indiscriminadamente, a conselho de “um familiar ou vizinho”.

O abandono desta medicação, após vários anos de toma, transforma-se numa longa luta pela liberdade, muitas vezes inútil (e, admito, muitas vezes sem sentido, dependendo das idades). Por isso mesmo é essencial, mais que tentar a desabituação, prevenir a habituação.

Sugerir correcção