Membros do Governo de Aristides Gomes proibidos de deixar a Guiné-Bissau

A lista, emanada do Ministério Público, está no aeroporto e nos postos fronteiriços. Ruth Monteiro diz que se trata de “perseguição política”. Supremo Tribunal, que está dividido, recusa decidir sobre contencioso eleitoral não há “condições de trabalho e estabilidade”.

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Umaro Sissoco Embaló ANTÓNIO AMARAL/Lusa

Os membros do Governo chefiado por Aristides Gomes na Guiné-Bissau, deposto pelo auto-proclamado presidente Umaro Sissoco Embaló, estão proibidos de sair do país e há uma lista com os seus nomes no aeroporto e nas fronteiras.

A lista, a que o PÚBLICO teve acesso, tem o nome de 16 ministros e 15 secretários de Estado (Aristides Gomes não consta). A ministra Ruth Monteiro, responsável pela pasta da Justiça e Direitos Humanos, está nessa lista e confirmou ao PÚBLICO que tentou sair da Guiné duas vezes, na sexta-feira da semana passada e na terça-feira, e foi impedida.

“Na sexta-feira disseram-me que havia uma lista e não me explicaram porque razão não podia sair do país”, explica Ruth Monteiro. Na terça-feira foi informada que não podia viajar, porque havia um processo contra si.

A lista, explicou Ruth Monteiro à guineense rádio Capital, “partiu dessa gente que tomou o poder pela força, que disseram que tinham tomado o poder ‘simbolicamente’ mas que estão a exercer o poder, não de forma simbólica, mas de forma ditatorial e em desrespeito pela Constituição. Tudo é feito pela força do medo das armas, com o qual sobressaltam a população”.

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Umaro Sissoco Embaló tomou posse como Presidente apesar de haver um contencioso eleitoral pendente no Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo candidato do PAIGC que considera que houve irregularidades no escrutínio da segunda volta das presidenciais na Guiné-Bissau, realizadas a 29 de Dezembro do ano passado. Segundo a Constituição do país, uma tomada de posse só podia acontecer depois de o contencioso estar decidido e confirmado o vencedor das eleições. A candidatura de Domingos Simões Pereira apresentou, a 26 de Fevereiro, um recurso de contencioso eleitoral depois de a Comissão Nacional de Eleições dar Umaro Sissoco Embaló como vencedor. Embaló tomou posse a 27 de Fevereiro e, se num primeiro momento disse que a cerimónia era “simbólica”, a 28 de Fevereiro demitiu o Governo de Aristides Gomes - que tinha, e mantém, maioria no parlamento constituído nas eleições de Março do ano passado - e nomeou outro, chefiado por Nuno Nabiam.

“O nosso Governo está confinado, as forças militares impedem-nos de exercer as nossas funções”, diz Ruth Monteiro, que conta que há outros membros do gabinete de Aristides Gomes a sofrerem “represálias”.

“Outros colegas estão a sofrer represálias por tentarem exercer as suas funções: a ministra da Saúde, Magda Robalo Silva, diz, foi ao hospital da diocese de Bissau no âmbito da formação contra a covid-19 e foi ameaçada para que não continue a intervir. “E com a ministra da Solidariedade Social que é médica, o mesmo”. 

“E o coronavírus está a ser o pretexto para isolar a Guiné-Bissau do mundo e concretizar o golpe”, afirma, acrescentando que os casos no país são mais do que os relatados e que não há estratégia para combater a doença.

 A lista de membros do gabinete de Aristides Gomes impedidos de sair da Guiné-Bissau é emanada do Ministério Público e tem a data de 13 de Março.

A ministra, que considera que desde 28 de Fevereiro “não existe Estado de Direito” na Guiné Bissau, diz que o Ministério Público está a exercer funções para as quais não tem poderes. Explica com o seu caso: se nunca foi ouvida, como pode existir já uma medida de coacção contra si (estar impedida de sair do país)? “Além de que o Ministério Público não tem poderes legais para aplicar esta medida de coação, tem quem ser um magistrado judicial”. O seu passaporte português (já que tem dupla nacionalidade) chegou a ser confiscado no aeroporto, e devolvido depois.

Também na terça-feira, o Supremo Tribunal de Justiça emitiu um comunicado sobre o contencioso eleitoral. Num comunicado onde constam os nomes dos seis juízes conselheiros mas que só está assinado por quatro, é dito que foi pedido ao vice-presidente do Supremo, Rui Nené, para marcar a sessão para analisar o recurso de contencioso eleitoral uma vez que o presidente daquele órgão está no estrangeiro por “motivos que se desconhecem”. Segundo Ruth Monteiro, é do conhecimento das instituições que Paulo Sanha está em Portugal por motivos de saúde.

De forma “surpreendente”, diz o comunicado, o vice-presidente recusou, argumentando com a “ausência de condições de trabalho, de estabilidade e da existência de facto consumado em relação à questão objecto de apreciação”.

Para os juízes que assinaram o comunicado, esta posição do vice-presidente do Supremo é um “sinal de bloqueio da instituição e das actividades judiciais” com “efeitos negativos nos processos urgentes”, incluindo o contencioso eleitoral.

“O comunicado do Supremo é estranho”, diz Ruth Monteiro, explicando que há divisões dentro do órgão, reconhecidas pela própria ministra dos Negócios Estrangeiros, Suzi Barbosa, que transitou do Governo de Aristides Gomes para o de Nabiam, que chegou a acusar alguns juízes de “corrupção”.

Neste cenário, diz Ruth Monteiro, explica-se a recusa de alguns juízes em deliberarem sobre o contencioso. “Que decisão pode vir do Supremo que seja credível?” Um Supremo onde, diz, “há juízes a serem ameaçados”. “Um Supremo que não se pronunciou sobre o golpe, ou que não se pronunciou quando os militares ocuparam o edifício, irem pronunciar-se agora. Não há condições de imparcialidade e de segurança para tomarem decisões”. 

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