Media e género: as notícias não são um espelho da realidade

Há caminho a percorrer no combate às desigualdades de género no palco mediático e os estudos de monitorização dos media, de que o Global Media Monitoring Project foi pioneiro à escala internacional, contribuem para uma visão mais informada da questão.

Este ano prepara-se a 6.ª edição do Global Media Monitoring Project – Who Makes the News?, iniciativa internacional na qual irão participar cerca de 120 países, entre os quais Portugal. O projeto iniciou-se em 1995 e a ideia consiste na monitorização simultânea em vários países, com base numa metodologia e em indicadores comuns, de notícias publicadas num único dia. Após 25 anos desde o início do projeto, vale a pena pensar sobre como este irradiou para uma maior consciência a nível internacional do papel dos media face às desigualdades de género e influenciou o desenho de políticas públicas específicas.

No nosso imaginário ainda subsistem as crenças de que as notícias refletem a realidade como um espelho e que o discurso público noticioso se caracteriza pela neutralidade. A consciencialização para os media significa compreender que a produção destas representações está inscrita num determinado tempo e lugar; que estas representações são poderosas e têm consequências para a vida quotidiana coletiva e para a vitalidade dos valores fundamentais em que assenta a sociedade; e que estas representações, se injustas ou indignas, podem ser desafiadas, questionadas, desconstruídas.

Há 25 anos não era tão evidente, não tanto quanto agora, o impacto destas representações na moldagem de perceções e conceções sobre identidades, papéis e relações de género. Não era tão evidente que estas imagens, propagadas no espaço público, banalizavam a invisibilidade das mulheres em várias esferas e perpetuavam certos estereótipos negativos e idealizações de feminilidade. Por exemplo, que as mulheres estão naturalmente mais vinculadas a funções e responsabilidades na esfera privada e familiar, que estão mais distanciadas do poder e da tomada de decisão nos assuntos públicos, que o exercício da autoridade as masculiniza.

As conclusões do GMMP no relatório original Women’s Participation in the News foram relevantes para sustentar a necessidade de objetivos estratégicos para os meios de comunicação social, definidos na Plataforma de Ação de Pequim, adotada em 1995, durante a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres.

Os dados recolhidos na análise de notícias publicadas em 71 países no dia 18 de janeiro de 1995 mostraram que as mulheres eram apenas 17% dos sujeitos noticiosos (este indicador evoluiu nas duas décadas seguintes para os 24%). O estudo apontou ainda a existência de enviesamentos na cobertura jornalística baseados no género – as mulheres são mais vezes retratadas como vítimas, a sua idade é mais frequentemente referenciada, são mais apresentadas visualmente e, se possível, com menos roupa.

Naquele ano, apenas 7% de mulheres foram identificadas como sujeitos noticiosos na área de Política e Governo, tema predominante na seleção noticiosa (esse indicador subiu para 16% em 2015).

Obviamente que esta dimensão simbólica está conectada com um maior acesso das mulheres a posições de decisão e poder, o que as habilita a uma maior visibilidade mediática. A aplicação da Lei da Paridade em Portugal favoreceu seguramente que mais mulheres acedessem à esfera política e uma maior exposição pública é indissociável das lideranças. A título ilustrativo, de 2015 a 2017, as protagonistas políticas que se destacaram a nível nacional foram duas dirigentes partidárias, Catarina Martins e Assunção Cristas (ERC, A Diversidade Sociocultural nos Media - 2015-2017).

O desequilíbrio da presença de mulheres nos órgãos políticos é hoje um mais habitual ângulo de interpelação jornalística. Por exemplo, o facto de a nova direção do CDS-PP ser exclusivamente masculina foi questionado na televisão mainstream, em prime-time, por um influente comentador.

Porém, as mulheres continuavam sub-representadas nas notícias sobre política difundidas em 2018 em horário nobre nos principais canais televisivos nacionais (o valor mais alto foi registado na TVI, com uma expressão feminina de 26,3%). Atendendo à longevidade e formato do programa, este desequilíbrio inquieta no “Prós e Contras”, da RTP1, em que as mulheres representaram, naquele ano, apenas 22,5% dos convidados em edições com intervenientes políticos. Elas estiveram arredadas de debates sobre a transparência e integridade no futebol ou o caso de Tancos. A paridade foi alcançada apenas para discutir o Movimento #MeToo e as mulheres foram em maior número numa única edição onde se debateu o estatuto dos cuidadores informais (ERC, Relatório de avaliação da Observância do Princípio do Pluralismo Político em 2018).

Há caminho a percorrer no combate às desigualdades de género no palco mediático e os estudos de monitorização dos media, de que o Global Media Monitoring Project foi pioneiro à escala internacional, contribuem para uma visão mais informada da questão. O GMMP inspirou o desenvolvimento de outros projetos que incluem outras dimensões, como os (des)equilíbrios de género nas próprias organizações mediáticas. Estes estudos recorrem a ferramentas vivas, que se atualizam com a dinâmica da realidade, e convidam, por fim, a abordar esta problemática de forma global e a ver o ecossistema mediático como um todo.

A autora escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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