Como será a vida do Sporting sem Bruno Fernandes? Mais difícil

Em duas épocas e meia nos “leões”, foi contratado por Bruno de Carvalho, resgatado por Sousa Cintra e vendido por Frederico Varandas. Deixou em Alvalade 63 golos, 52 assistências e 55 milhões de euros, que podem ir até aos 80.

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Bruno Fernandes ficou duas épocas e meia no Sporting LUSA/MARIO CRUZ

Quando chegou ao Sporting no Verão de 2017, Bruno Fernandes apresentou-se com um objectivo que parecia ambicioso, mas que o tempo provaria ser modesto. “Quero ultrapassar o número máximo de golos que já atingi numa época.” Tinha marcado cinco golos na época anterior pela Sampdória, a quem os “leões” tinham pago 8,5 milhões pelo promissor mas ainda relativamente desconhecido médio internacional português nas selecções jovens - esse recorde de cinco golos caiu em pouco mais de um mês de Sporting. Duas épocas e meia depois dessa declaração de intenções, Bruno Fernandes será jogador do Manchester United, que por ele pagou no imediato 55 milhões, podendo este valor crescer até aos 80 milhões dependendo da concretização de vários objectivos individuais e colectivos, alguns deles mais fáceis de concretizar do que outros.

Era um negócio anunciado há vários meses que foi sendo dado, ora como fechado, ora como abortado, mas que se concretizou no antepenúltimo dia do mercado de Inverno, uma inevitabilidade feita em partes iguais da vontade do jogador em ir para a Premier League e as necessidades urgentes de tesouraria por parte do Sporting. Bruno Fernandes será o sexto jogador português da história do Manchester United, depois de Cristiano Ronaldo, Nani, Bebé, Joel Pereira e Diogo Dalot, e o quarto que faz rota Alvalade-Old Trafford (CR7, Nani e Marcos Rojo foram os anteriores). É, para já, a maior transferência do futebol mundial nesta janela de transferências, para além de ser a maior transferência da história do Sporting (ultrapassa os 40 milhões de João Mário para o Inter em 2016) e entrar para o top das maiores transferências de jogadores portugueses e do campeonato português – os 126 milhões que o Atlético Madrid pagou por João Félix lideram ambas as listas.

O Sporting ficará com cerca de 33 milhões em caixa dos 55 milhões que o United pagou - o restante será para compromissos bancários (10,77 milhões), mecanismo de solidariedade (os “leões” pagam metade dos 2,75 milhões devidos a Boavista, Pasteleira, Novara e Udinese), percentagem a pagar à Sampdória (4,6 milhões) e comissões a intermediários (5,5 milhões) – mas irá perder o seu melhor jogador das últimas épocas. Nas duas épocas e meia, Bruno Fernandes marcou 63 golos e fez 52 assistências, sempre com uma influência crescente nos “leões” – só nesta época, entre golos e assistências, esteve em 29 dos 48 marcados pelo Sporting. Mas o seu estatuto vai para lá dos números. Foi ficando enquanto outros iam partindo, sempre com as costas largas para suportar uma equipa em crise de resultados, capitão e líder num clube em permanente turbulência.

“As palavras são poucas para aquilo que passei aqui. Foram momentos muito importantes que marcaram a minha carreira. Não é nada fácil. Passei por coisas boas, outras negativas. Aquilo que vou guardar são as coisas positivas, quero que as pessoas se lembrem de mim pelo positivo e irei lembrar-me sempre do Sporting pelo positivo”, disse o médio de 25 anos à televisão do clube. Visivelmente emocionado e com lágrimas nos olhos, Bruno Fernandes disse que foi sempre bem recebido no Sporting. “Não sou ‘leão’ desde o berço, mas serei a partir de agora”, referiu ainda Bruno Fernandes, que prometeu “a seu tempo” uma despedida para os sportinguistas saberem o que lhe ia “no coração”.

Um clube, três presidentes

Bruno Fernandes esteve duas épocas e meia em Alvalade e conheceu três presidentes: Bruno de Carvalho, que o contratou em 2017; Sousa Cintra, que o resgatou em Julho de 2018 do grupo dos “rescisores” após o ataque à Academia de Alcochete; Frederico Varandas, que o vendeu ao Manchester United. Conheceu ainda mais treinadores, de Jorge Jesus, que chamou a si o mérito da contratação - “Era um jogador de qualidade e pedi para contratá-lo” -, a Jorge Silas, que chegou a descrevê-lo como alguém que vale por três - “Para encontrarmos um substituto para o Bruno, precisamos de três jogadores: um que marque golos como ele, um que organize como ele, um que defenda como ele”.

Essa é agora a grande questão no Sporting: quem (ou quais) vai (vão) fazer de Bruno Fernandes? Será difícil uma solução interna para funcionar no imediato. Talvez Luciano Vietto possa ocupar o lugar de Bruno quando recuperar da lesão (ainda nos tempos de Marcel Keizer, o argentino parecia ter sido contratado para cobrir saída de Bruno no Verão passado), talvez Wendel possa assumir esse papel, mas nenhum deles consegue reunir todas as características do agora ex-capitão, ou Francisco Geraldes, cujo fim do empréstimo ao AEK e regresso a Alvalade foi anunciado no mesmo dia da venda de Bruno. O Sporting também poderá ir ao mercado reinvestir parte do dinheiro que ganhou num jogador de características semelhantes, mas, com tão pouco tempo para manobrar nesta janela de transferências, dificilmente esse negócio acontecerá antes do próximo Verão.

Pode também já ter identificado na sua formação algum jogador com traços de Bruno, mas algo parece mais que certo. Não havendo nenhum Bruno Fernandes 2.0 na calha, a resposta terá de ser colectiva e o Sporting não tem sido propriamente um modelo de estabilidade, mesmo que Silas, o terceiro treinador da época, tenha feito alguns avanços nesse sentido com um plantel pouco abundante em termos de opções. Só que, sem Bruno Fernandes a partir de agora, o Sporting tem ainda menos argumentos para lutar pelo que ainda lhe resta esta época: tentar o segundo lugar no campeonato (tem 16 jornadas para recuperar 12 pontos) e ir o mais longe possível na Liga Europa. A outra hipótese é: minimizar os estragos até ao final da época e começar outra vez do zero em 2020-21.

De jacto rumo a Manchester

A meio da tarde, Bruno Fernandes seguiu de jacto particular rumo a Manchester para assinar contrato por cinco épocas e meia, acompanhado da família e dos agentes, deixando para trás um clube em crise com destino a outro clube que não estará muito melhor (mas que tem mais dinheiro). Old Trafford, conhecido como o Teatro dos Sonhos, será a sua nova casa, mas os “red devils” estão longe de ser uma equipa de sonho. Desde que Alex Ferguson se reformou com um título de campeão em 2013, o United tem perdido terreno para a concorrência, sendo o seu melhor resultado na Premier League um segundo lugar em 2018 com José Mourinho.

Na presente temporada, o United segue em quinto lugar, a 36 pontos do líder Liverpool, para além de ter perdido, há muito, o estatuto de melhor equipa de Manchester para o City - e nesta noite, essa hierarquia voltou a ficar vincada com a eliminação do United da Taça da Liga inglesa às mãos do rival da cidade. Ole Gunnar Solskjaer é um treinador contestado, tal como Ed Woodward tem sido no seu papel de vice-presidente dos “red devils”, ao ponto de a sua casa ter sido vandalizada por adeptos do próprio clube, descontentes com a política desportiva seguida. Tal como em Alvalade, também em Old Trafford Bruno Fernandes terá a oportunidade de ser o salvador.

A estreia poderá acontecer no próximo sábado frente à equipa mais portuguesa da Premier League, o Wolverhampton, numa autêntica reunião de antigos capitães do Sporting: Bruno do lado dos “red devils”, Rui Patrício e João Moutinho nos “wolves”.

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