Dr. André Ventura: uma caixa de comentários que ganhou vida no parlamento?

O Dr. André Ventura é um rapaz muito simpático, com quem tive o prazer de dialogar e aniquilar em debate no outro dia, mas queremos mesmo tê-lo na Assembleia da República?

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LUSA/ANDRÉ KOSTERS

Segundo a sondagem da Aximage divulgada pelo Jornal Económico, o Chega do Dr. André Ventura e o Livre disputam um lugar de deputado em Lisboa. Ou seja, um voto numa destas forças pode ser muito significativo. Para os indecisos é uma informação relevante. Eu não faço apelos ao voto. Estou aqui como comentador independente e isento. Um analista objectivo da realidade política, na senda de um Dr. Marques Mendes ou de um Dr. Marcelo. Tenho as minhas simpatias pessoais, claro, mas, quando chego aqui, dou a informação da forma mais objectiva possível. Um comentador não deve ter opiniões, deve aspergir factos. E é o que eu faço. 

No entanto, como democrata, tenho o dever de me pronunciar negativamente em relação a uma destas duas opções: o Chega ou o Livre. O Dr. André Ventura é um rapaz muito simpático, com quem tive o prazer de dialogar e aniquilar em debate no outro dia, mas queremos mesmo tê-lo na Assembleia da República? Imaginem a caixa de comentários de um jornal nas redes sociais. Este jornal, por exemplo. Imagine que todos os comentários se fundiam e se tornavam num ser senciente. Este ser ganhava consciência, vestia um fato e gravata, era convidado para comentar coisas na CMTV e, eventualmente, decidia aproveitar essa visibilidade para se candidatar a um cargo público. A vossa reacção seria, e bem, refrear-lhe o ímpeto, e dizer-lhe: “Calma aí, Dr. Caixa Caixa de Comentários, o senhor ainda nem sequer sabe colocar espaço depois das vírgulas e acha piada a Minions, e já tem ambições para chegar a deputado? Pegue aí dez euros para gastar no Farmville e não perturbe a democracia.” Mas o mal já estava feito. No mercado livre do comentário na CMTV, as opiniões mais extremistas são valorizadas, porque são as que dão audiências. Quem vá à CMTV dar uma opinião moderada ou com bom senso não tem sucesso, porque as pessoas não vêem CMTV para apanhar seca ou estarem informadas. A caixa de comentários ia ganhar este jogo e os seus vídeos iam ser partilhados nas redes sociais, com comentários como “ESTA CAICHA SABE É QUE SAB DO K ESTÁ A FALAR!!! FORA COM OS XULOS! LIKE E PARTILHA!”

As caixas de comentários reúnem os piores instintos dos seres humanos na internet: julgamentos simplistas e descontextualizados baseados apenas em títulos de jornais, agressividade gratuita e emojis. Nada contra. É liberdade de expressão e até uma forma de catarse para muita gente que, não tendo qualquer tipo de poder ou motivos de realização na sua vida pessoal, aproveita as redes sociais para gritar com desconhecidos. Mas é isto que queremos a representar-nos no parlamento?

O programa do Chega consiste em ir buscar aos comentários com mais likes nas notícias do Correio da Manhã e adicioná-los ao programa do governo. Se quiserem ler os pontos do programa do Chega, deixo os seguintes exemplos:

845. O que ela quer sei eu.
998. É o que faz tomar remédios pelo cu.

Há muito preconceito dos portugueses contra ciganos? Em vez de combatermos esse preconceito e a justiça inerente e com precedentes históricos gravíssimos que é generalizar traços de personalidade a todo um grupo de pessoas, vamos abraçá-lo e usá-lo para ganhar votos. Vivemos no terceiro país mais seguro do mundo? Não faz mal, vamos falar de crime como se vivêssemos em Ciudad Juarez, porque precisamos que as pessoas se sintam inseguras e com medo, porque quem tem medo é mais fácil de manipular. É uma boa estratégia para conseguir votos, não me interpretem mal. Mas é uma estratégia para ser usada por pessoas que acreditam mesmo na democracia. A grunhificação em tempo de eleições de que falei no outro dia. Quando é usada pelas pessoas erradas temos de a desmascarar.

Entre outras coisas o Dr. André Ventura já defendeu publicamente castrar quimicamente pedófilos, reverter a legalização do casamento homossexual e tornar a eutanásia inconstitucional. Tenho de admitir que a ideia da castração química de pedófilos é excelente como manobra de diversão. É muito mais agradável e fácil para as pessoas quando a discussão política se centra nos órgãos sexuais dos pedófilos do que em temas chatos como política europeia, economia, emprego ou ambiente. Para além da castração química, o Dr. André Ventura podia propor a adição de guizos aos pénis dos pedófilos, que dão a música The kids are alright, para que as pessoas saibam quando um pedófilo se está a aproximar. Eu também seria favorável à castração química de estagiários, para que se foquem mais no trabalho e sejam mais produtivos. Têm de ter as prioridades certas. Sexo podem fazer quando tiverem um contrato. Aos fins-de-semana.

Também não vai ser fácil ir a casa de todos os casais homossexuais que estão casados e anunciar-lhes que vão ter de se divorciar. Não sei como é que o Dr. André Ventura vai levar esta ideia em diante. Provavelmente, o mais fácil é seduzir um elemento de todos os casais homossexuais e esperar que eles se divorciem. É que se os obrigar a divorciarem-se ainda os vai tornar mais unidos e cria-se um cenário tipo Dr. Romeu e Dra. Julieta, em que os homossexuais se juntam para irritar o Dr. André Ventura e não porque gostem uns dos outros.

A ideia de tornar a eutanásia inconstitucional também é excelente. Se alguém cometer eutanásia pode ser obrigado a ter de reverter o seu falecimento por ordem do Tribunal Constitucional.

Outro exemplo. A 3 de Novembro de 2018, no seu Facebook, o Dr. André Ventura escreveu o seguinte: “Não sei qual é a questão em volta do juiz Sérgio Moro no Brasil. Se eu fosse Primeiro - Ministro (sic) convidaria certamente o juiz Carlos Alexandre para Ministro da Justiça. Estão com medo de quê?” Para quem não acompanhou houve alguma polémica quando o Dr. Bolsonaro convidou o Dr. Sérgio Moro para seu ministro da Justiça. O Dr. Sérgio Moro foi o juiz responsável pela prisão do maior adversário do Dr. Bolsonaro, o Dr. Lula. Prisão essa que, hoje, sabe-se, através de revelações à imprensa, teve motivações políticas. Mas, na altura, só se suspeitava de que essa prisão tinha sido um agradecimento do Dr. Bolsonaro por ter tirado o seu maior adversário do caminho. É sempre um sinal preocupante para qualquer democrata quando o combate político se faz no tribunal. Para o Dr. André Ventura não.

Na altura, o Dr. André Ventura, com cerca de 0,2% em sondagens, decidiu nomear o Dr. Carlos Alexandre para seu ministro. Assim como o Dr. Bolsonaro nomeou o juiz que prendeu o seu adversário, o Dr. André Ventura ofereceu um cargo ao Dr. Carlos Alexandre porque espera que ele prenda todas as pessoas mais bem posicionadas do que ele para se tornarem primeiros-ministros. Ou seja, cerca de seis milhões de portugueses.

Sinceramente, tive pena do Dr. Carlos Alexandre naquele momento. Ele só está a fazer o seu trabalho e não pediu para ser ministro do potencial primeiro-ministro fascista português. O Dr. André Ventura escolhe ministros como um adolescente escolhe a Dra. Scarlett Johansson como namorada. Mesmo que pense na Dra. Scarlett Johansson com muita força enquanto se toca, isso não chega para ter uma relação com ela.

Como comentador objectivo, não posso fazer apelos ao voto, muito menos em partidos de esquerda. Deixo-vos só a informação aos indecisos de que há uma escolha, a Dra. Joacine Katar-Moreira, uma activista afrodescendente que tem os seus defeitos (como ser de esquerda), mas que soube usar a sua gaguez para ganhar votos, e acho que é democrata e carismática. Do outro lado, temos o Dr. André Ventura, encantador de homossexuais e que tem o Dr. Bolsonaro e as caixas de comentários como modelo.

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