O último voo do kaua’i’o’o

A história do pássaro kaua’i’o’o é uma história de desolação, não somente de extinção. O último indivíduo existiu em solidão durante alguns anos.

Foto
Ilustração do Museu de Bishop, Honolulu DR

A história da extinção do kauaʻiʻōʻō é triste. Não que as outras extinções que ocorrem a um ritmo 150 espécies por dia não o sejam, mas quando testemunhamos uma história que nos toca, como a deste pássaro, o impacto é outro.

Em termos de número de espécies desaparecidas, o ser humano tem tido o mesmo sucesso que a queda de um meteorito ou uma erupção vulcânica globalmente catastrófica. Mas o que é original é que, como diz Elizabeth Kolbert no livro A Sexta Extinção, a causa de uma extinção em massa nunca foi outra espécie, muito menos uma tão aparentemente fraca e insignificante como fora o humano na história da Terra. Até agora.

A história do último pássaro kaua’iʻōʻō é uma história de desolação, não somente de extinção. O último indivíduo existiu em solidão durante alguns anos. Este tipo de ave era nativa da ilha de Kauaʻi, a mais setentrional e antiga do arquipélago havaiano.

O pássaro estava entre os menores dos ʻōʻō havaianos, com pouco mais de 20 centímetros de comprimento. Apresentava cabeça, asas e cauda pretas e as partes superiores eram castanhas. A garganta e o peito eram escuros com estiras brancas, que eram particularmente proeminentes nas fêmeas. As penas da cauda central eram longas e havia um pequeno tufo de penas cinzentas sob a base da asa e alguns tufos dourados. Essas penas douradas, mais abundantes no seu primo do Maui, o moloka’i‘ō‘ō, podem ter sido usadas como moeda na América do Norte do século XVIII.

Alimentava-se de pequenos invertebrados, mas principalmente do néctar de algumas árvores e plantas. O kaua'iʻōʻō vocalizava muito, fazendo chamadas irregulares e cantos semelhantes ao som de flautas. Casava para a vida e sabia-se que tanto os machos quanto as fêmeas cantavam: uma espécie de dueto no padrão jazzístico de pergunta-resposta, cantando repetidamente um para o outro. Em 1975, o ornitólogo John L. Sincock registou o som.

Algumas espécies de ʻōʻō podem ter surgido há mais de cinco milhões de anos e existido em harmonia devido ao isolamento do habitat havaiano. Os primeiros polinésios oriundos das ilhas marquesas, a mais de quatro mil quilómetros, chegaram nos anos 400, mas os verdadeiros problemas surgiram com a chegada dos europeus pelos pés do Capitão James Cook em 1778, precisamente na ilha de Kaua’i. Com os primeiros europeus chegaram também os mosquetes e as caçadas, que não pouparam o kauaʻiʻōʻō. Sabe-se que o último golpe terão sido os mosquitos e as doenças alienígenas. Algum navegante zumbidor terá sobrevivido à viagem de duas mil milhas através do Pacífico e instalando-se pela primeira vez nas ilhas. A partir daí, todas as espécies de ōʻō ficaram sujeitas à gripe das aves e depois à malária da aves.

Outras espécies invasoras também terão invadido as florestas e as árvores onde faziam ninhos. O kauaʻiʻōʻō foi a última espécie a desaparecer, adoptando a técnica de se refugiar nas cotas mais elevadas. O resultado é que já nos anos 40 também o kauaʻiʻōʻō havia sido dado como extinto, embora tenha sido redescoberto nos anos 70 por John Sincock, que lhe fez o único registo vídeo usando a câmara que inspirou J.J. Abrams e Steven Spielberg, a mítica Super 8.

Em 1981, acreditava-se que apenas um casal de kauaʻiʻōʻō existiria na ilha. Vários ornitólogos tentaram infrutiferamente proteger este par, mas dois furacões, separados por poucos anos, deram sumiço à fêmea. A última gravação do canto do macho foi registada em 1986 por uma equipa de ornitólogos. Este registo sonoro é, no mínimo, desconcertante: as pausas que se ouvem são as esperas pela resposta da fêmea, há vários anos desaparecida.

Depois de o pássaro seguir o seu caminho, a equipa rebobinou a fita e voltou a tocá-la para que todos a ouvissem, ali mesmo, na floresta. Ao ouvir-se, o derradeiro ōʻō voltou, confuso, curioso ou na esperança de ter encontrado a companheira há tantos anos perdida. Depois de 1987 nunca mais foi visto.

Obrigado a John Green, o autor de A Culpa é das Estrelas, por me ter mostrado a história do kauaʻiʻōʻō, o pássaro extinto do Havai. Embora não tenha lido o bestseller, o seu podcast, The Antropocene Reviewedvale mesmo a pena e inspirou este texto. 

Sugerir correcção
Comentar