Espectáculo comunitário com voz, movimento e amor invade Parque da Cidade de Guimarães

Criado na antecâmara da Capital Europeia da Cultura, em 2012, o projecto Outra Voz continua vivo e vai apresentar, no sábado e no domingo, o seu novo espectáculo, com 90 pessoas sobre a relva. Torrente de voz e movimento, Sete mostra como as pessoas se encontram e lidam com o amor e com as próprias crenças.

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Espectáculo do Outra Voz em 2015 mdu Marco Duarte

Nove anos depois da sua fundação, o colectivo Outra Voz continua a ter um perfil sui generis, com cerca de 100 pessoas, oriundas de todos os cantos do concelho de Guimarães e de todas as idades. “A Elsa tem 19 anos e a dona Maria tem 84”, revela ao PÚBLICO Carlos Correia, coordenador do grupo desde a sua fundação. Os seus membros, acrescentou, confrontam-se apenas com uma exigência: doarem parte do seu tempo para impedirem que a Outra Voz se silencie. “Temos ensaios regulares, semanais, durante o ano inteiro. Só paramos no mês de Agosto, para tirarmos férias, e no Natal”.

Criado por iniciativa da programação de comunidade para a Capital Europeia da Cultura, este projecto de experimentação vocal recusou morrer e continua a apresentar espectáculos com regularidade, após 2012. O grupo apresentou, em Novembro de 2018, Lanterna Adiante, uma performance que acompanhou o encerramento da exposição Side by side, da norte-americana Ann Hamilton, na cidade berço, e vai estrear, no sábado e no domingo, às 21:30, o seu novo trabalho, Sete.

Sobre a relva do Parque da Cidade, um conjunto de 90 pessoas, formado por membros da Outra Voz e por um coro de crianças da Sociedade Musical de Guimarães, vai retratar, com as suas vozes e os seus corpos, algumas das ideias fundamentais que definem o que é ser-se humano. “Há cenas que fazem levantar grandes chavões da nossa humanidade: as crenças, o amor, a inveja, a memória”, explica ao PÚBLICO a encenadora do espectáculo, Sandra Barros. “Fala daquilo que nos faz absolutamente únicos e daquilo que temos em comum com os outros”.

Inspirada pela ligação do número sete aos mitos, às crenças, à natureza, a encenadora diz ter ajudado a criar um espectáculo de 50 minutos, que ora dá proeminência à música, com a intervenção do coro e também da banda sonora – um conjunto de sopros e percussão, com sete músicos -, ora prefere o silêncio em torno da performance dos “actores”. 

“Isto começa com uma cena que não tem música”, observa Sandra Barros. “É uma cena teatral, que tem a ver com os encontros: desde as pessoas que encontramos no dia-a-dia até aos encontros mais especiais da nossa vida”.

Para a encenadora, Sete é ainda valorizado pelo “cruzamento geracional” de quem está em “palco”, com as crianças a “cantarem com pessoas que poderiam ser seus avós” e os adultos a sentirem-se mais despertos. “A energia deles cresceu com a presença das crianças. É um trabalho de partilha”, salienta.

Uma “família com liberdade criativa”

Com um olhar de esguelha para o caminho até agora traçado, Carlos Correia realça que a Outra Voz continua, no fundo, a ser um grupo que explora, em palco, a relação entre a voz humana e o movimento. “Queremos que as apresentações sejam um varrer de corpos, de vozes, de movimento. O propósito do projecto sempre foi esse”, explica. Há, porém, cores que vão sendo acrescentadas à tela. Nos primeiros tempos, todas as apresentações se faziam a capella, mas Sete tem a companhia de instrumentos de sopro e de percussão. A aposta em “processos colaborativos” com outros autores é também cada vez mais evidente, reitera Carlos Correia.

Apesar de ser associação cultural desde 2013, o colectivo recusa-se a seguir um caminho “burocratizado, baseado em candidaturas e apoios”. Prefere, ao invés, continuar a ser uma família que “preza a liberdade criativa discutida entre toda a gente” e que está sempre a tentar “subir a fasquia” em termos de qualidade. A essência da Outra Voz, resume o seu coordenador, é o valor emocional das suas apresentações. “Quanto mais forte for essa experiência emocional, maior é a diferença nas vidas dos seus membros. É isso que nos faz voltar”, confessa.

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