O Miradouro e a preservação do património ferroviário

A composição que circulou na linha do Douro, à qual se convencionou chamar “Miradouro”, colocou Portugal na boca dos estrangeiros, porque muitos deles, ingleses, espanhóis, alemães e outros, os quais gostam muito dos nossos comboios. Sobretudo porque, no meio desta pobreza de ideias em ousar fazer diferente, surgiu algo de novo, como foi o caso.

O Miradouro recuperou belíssimas carruagens com 70 anos, as Schindler, de fabrico suíço, que o Estado português comprou àquele país. Veículos com uma capacidade surpreendente de resistência, comodidade e versatilidade. As suas enormes janelas que se podem abrir e desfrutar da paisagem, uma das suas imagens de marca. De tal forma, que veículos similares, ainda circulam no país de origem.

A ideia do Miradouro trouxe gente imensa à descoberta da belíssima região dos vinhedos. De tal forma, que a CP, Comboios de Portugal, teve a habilidade de com esse material fazer comboios de horário, permitindo dessa forma, um dois em um, proporcionando um produto turístico, com comboios regulares.

Mas a mesma CP, que a muito custo, e sempre reclamando prejuízos, lá vai aguentando outros dois produtos sazonais, “O comboio histórico do Douro e do Vouga”, um com tração a vapor e o outro com diesel, decidiu extinguir o Miradouro, alegando o tal prejuízo. Pudera, o mesmo foi tão vulgarizado, não se lhe tendo preservado o recato, que estes “produtos” reclamam, evitando desse modo a sua banalização.

Esta composição deveria ser mantida a recato e potenciar a sua utilização em outras linhas da rede ferroviária nacional de via larga. Pois, tal como o Douro, as Beiras, sobretudo a Beira Baixa no seu trajeto ao longo do rio, o Minho ou o Algarve, poderiam proporcionar viagens inconfundíveis para um turismo que teima em crescer! Bastaria para tal que se acrescesse um pouco de imaginação na tração destes comboios, se os mesmos fossem traccionados por locomotivas passíveis de circular, mas fora da exploração. As Alco da série 1500, por exemplo! E com serviço de restauração, pois a CP ainda detêm material capaz destas ousadias.

A nossa rede ferroviária está povoada de incógnitas no que se refere à preservação de uma memória, que a não ser acautelada, corre o risco eminente de desaparecer. A saber:

Livração – Terminal da Linha do Tâmega. Importante material de via estreita em péssimas condições de conservação e integridade;

Régua – Terminal da Linha do Corgo onde o cenário se repete;

Tua – Terminal da linha com este nome, peças únicas abandonadas aos elementos;

Pocinho – Terminal da Linha do Sabor. Clamoroso o estado em que se encontra a reserva. Telhados a cair, veículos em risco de desintegração;

Castelo Branco – Cocheira histórica de 1891, ao abandono sem qualquer utilidade. Que já foi depósito de peças museológicas, algumas delas retiradas deste local, para estarem ao abandono no Entroncamento;

Sernada do Vouga – Oficinas da Emef disponíveis, material motor à mercê do vandalismo, complexo ferroviário com excelentes potencialidades;

Entroncamento – Sede do Museu Nacional. A Fundação que tutela o museu, conjuntamente com a CP e a IP, não conseguem encontrar uma solução para resguardar e preservar os últimos veículos, sabendo estas entidades que existe esta possibilidade preferindo fazer ouvidos de mercador, permitindo que veículos que ali foram estacionados com o mínimo de condições de preservação, correm o rixo eminente de degradação, como se pode averiguar no terreno.

A CP dispõe de inúmeras instalações da EMEF, Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, desativadas, encerradas sem qualquer utilidade, que poderiam exercer essa função de reserva. Estamos a falar da Figueira da Foz, Coimbra, Livração, Régua-Corgo, Vila Real de St.º António, ou mesmo Entroncamento. Bastava que para tal houvesse vontade política e alguma visão empresarial.

Os principais responsáveis já mencionados, foram por diversas vezes alertados para esta questão, porém a resposta, tem sido o silêncio! E a direção do Museu Nacional, não terá uma palavra a dizer? Não se percebe como é que a mesma tem passado ao lado destas questões, sem que para tal seja responsabilizada!

Não será de admirar que aquilo que sucedeu no verão passado em V. R. De St.º António, onde um fogo consumiu a quase totalidade dos veículos ali resguardados, alguns deles peças únicas, a estrutura museológica tenha vindo a público afirmar, com o aval da CP, que esse mesmo material não passava de sucata! Pasme-se! E ninguém foi responsabilizado, saindo incólumes os responsáveis! CP, IP e FMNF!

Assim como no verão de 2017, tanto a CP como a FMNF, não conseguiram evitar a demolição da UTE 2001, a primeira unidade tripla elétrica construída nas oficinas da Sorefame, que sem apelo nem agravo, foi integralmente desmantelada, independentemente dos inúmeros apelos públicos que reclamavam a sua preservação. Uma peça que veio em impecável estado de conservação e a funcionar, para o espólio do Museu Nacional, e foi votada ao mais completo abandono sem que ninguém saísse responsabilizado.

Vamos deixar esvair um pedaço da nossa memória que foi grande? A do caminho de ferro em Portugal?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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