Ministério diz que doentes que morreram estavam com “tempos de espera clinicamente aceitáveis”

Bastonário dos Médicos lamentou que nunca tivesse sido esclarecida a situação dos 2605 doentes que em 2016 faleceram antes de serem operados. Para Miguel Guimarães, esta seria matéria para intervenção do Ministério Público.

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Paulo Pimenta

A maioria dos doentes que, em 2016, morreram enquanto aguardavam uma operação num hospital do Serviço Nacional de Saúde (SNS) “estavam dentro dos tempos clinicamente aceitáveis”, disse o Ministério da Saúde ao PÚBLICO. Esta sexta-feira, o bastonário dos Médicos Miguel Guimarães lamentou que nunca tivesse sido esclarecida a situação dos 2605 doentes que faleceram antes de serem operados e considerou que seria matéria para intervenção do Ministério Público.

O relatório do Tribunal de Contas (TdC), publicado em Outubro de 2017, analisou as listas de espera para consultas e cirurgias no triénio 2014-2016 e concluiu que 2605 pessoas morreram em 2016 enquanto esperavam pela cirurgia e destas 231 eram doentes oncológicos. Essa auditoria concluía ainda que o acesso aos cuidados se tinha degradado e que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), na altura presidida por Marta Temido — agora ministra da Saúde —, tinha falseado os tempos de espera através de procedimentos administrativos e limpeza de lista.

“Era uma matéria que devia ser avaliada numa auditoria, vendo doente a doente, o que não aconteceu. Parece que passou em branco. (...) Eu acho que obrigatoriamente era matéria de intervenção do Ministério Público para esclarecer a situação. Não é que haja crime, seria para esclarecer a situação”, afirmou esta quinta-feira o bastonário à agência Lusa. Caso haja doentes que morreram pela doença que tinham enquanto esperavam cirurgia, Miguel Guimarães entende que é uma “situação muito grave” e que devem ser “assacadas responsabilidades políticas”.

Na altura em que a auditoria do TdC foi conhecida, a Ordem dos Enfermeiros pediu para que este assunto fosse investigado pelo Ministério Público.

O Ministério da Saúde disse ao PÚBLICO que, “na sequência da análise efectuada na altura em que saiu o relatório do Tribunal de Contas, foi possível concluir que a grande maioria dos utentes em lista de espera estavam dentro dos tempos clinicamente aceitáveis”. E que “cerca de 60% eram das áreas de ortopedia, oftalmologia e hérnias”. O ministério reforçou que “em 2016, a percentagem global de cirurgias efectuadas dentro dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG) ultrapassava os 85%”.

Ministra está fragilizada, diz CDS

O bastonário dos Médicos foi o coordenador do grupo de trabalho independente criado pelo ex-ministro Adalberto Campos Fernandes para analisar os problemas do acesso às cirurgias e consultas. Segundo este relatório, divulgado esta quinta-feira pelo PÚBLICO, a ACSS fez uma limpeza/expurgo das listas de espera para cirurgias e consultas. Mas o grupo não conseguiu apurar os efeitos desta acção nos tempos médicos de resposta por falta de dados que a ACSS não forneceu.

A ACSS disse que o expurgo é “um processo que ocorre de forma rotineira e que corrige erros administrativos ou erros de integração” e que “este processo não prejudica a resposta efectiva aos utentes em lista de espera e não implica/origina a exclusão de doentes das listas de espera”.

Numa reacção às conclusões do grupo de trabalho, a deputada do CDS Isabel Galriça Neto disse à Lusa que a ministra “está com condições fragilizadas para desempenhar este cargo” e “deverá ir para além das desculpas esfarrapadas, de que isto é um processo burocrático”.

Esta quinta-feira, ao PÚBLICO, o Ministério da Saúde salientou “que está profundamente empenhado no reforço da qualidade do acesso, através de medidas concretas que permitam resolver todas as situações em que o tempo médio de espera seja superior a um ano até ao final de 2019”. Disse estar a ser implementado pelos hospitais um plano de acção para melhorar o acesso que vai focar-se nas especialidades com maiores tempos de espera.

“As especialidades abrangidas nas consultas serão oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, dermato-venereologia, cirurgia geral, ginecologia e urologia, sem prejuízo de outras especialidades em que possam vir a ser adoptadas medidas adicionais. No que diz respeito às cirurgias, as especialidades sobre as quais se vai actuar são a oftalmologia, ortopedia, cirurgia geral, otorrinolaringologia, urologia, cirurgia plástica e reconstrutiva e ginecologia”, enumerou.

“Em 2018, a lista de inscritos para cirurgia teve mais de 700.000 entradas e o número de operados ascendeu a mais de 500.000, representando um aumento de cerca de 6% face a 2015”, referiu ainda o ministério.