Quem me dera pedalar em Portugal

Vivo em Londres, vivemos em Londres e pedalamos em Londres. E sim, em Portugal também tenho uma bicicleta, mas é só para todo o terreno porque andar na estrada nem pensar. Pedalar em Lisboa?

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Dan Gold/Unsplash

Todos os dias vou de bicicleta para o trabalho. Como tenho de percorrer várias escolas durante a semana, ando sempre de bicicleta durante o dia. Faça chuva ou sol, neve, vento e, às vezes, tudo ao mesmo tempo.
Se marquei encontro com amigos, vou de bicicleta. E volto, seja em que condições for.

Uma vez por semana, normalmente à quarta-feira, para marcar o meio da semana e o aproximar do bem merecido descanso, faço 40 quilómetros, duas horas e qualquer coisa em média, tempo suficiente para pensar, descarregar e parar de pensar, só pedalar.

Como também temos uma bicicleta de dois lugares, ao fim-de-semana lá vamos nós, ao sábado ou domingo, para mais 40 quilómetros, desta feita com uma paragem a meio para um almoço a dois antes do regresso a casa.

A bicicleta é o meu meio de transporte. É o meu meio de trabalho. É o meu ginásio. É um meio de lazer e descontracção. É gratuito. Minto, anda a sandes, é ecológico e está sempre disponível, de manhã ou à noite, de Inverno ou Verão, haja transportes públicos ou não.

Vivo em Londres, vivemos em Londres e pedalamos em Londres. E sim, em Portugal também tenho uma bicicleta, mas é só para todo o terreno porque andar na estrada nem pensar. Pedalar em Lisboa? De casa para o trabalho? De casa para um encontro de amigos? Ou numa bicicleta de dois lugares? Nem pensar. Não por não haver espaço, vai havendo, para as bicicletas e trotinetas, uma ciclovia aqui e outra ali, mas, essencialmente, por ser perigoso. Pela falta de civismo dos condutores, a agressividade e incompreensão, os insultos em bom português e para que todos possam ouvir, as piadas foleiras, os cigarros metralhados janela fora sem dó nem piedade pelos que cá fora já comem escape suficiente, muito obrigado.

Condutores de camiões? Nem sequer nos vêem, de bom grado passando os ciclistas com o rolo compressor das rodas se nos lembrarmos de nos pôr à frente num semáforo. Autocarros e táxis? Igual, não param, não nos deixam passar, encostam-se ao passeio e, de vez em quando, lá vai um ciclista ao chão. Eles nem param. "Não andassem de bicicleta!", gritam.

E sim, quando estudava em Lisboa tinha um colega que ia todos os dias para a faculdade de bicicleta pela Segunda Circular. Sim, morreu. Era uma promessa das ciências em Portugal. Era, pretérito imperfeito.

E, claro, é possível e recomendável promover a mobilidade em Portugal, nas grandes cidades e fora delas. Afinal, de bicicleta, e por causa do trânsito de todos os dias, acabo por andar à mesma velocidade de qualquer veículo motorizado, às vezes até mais depressa. Mas isso é em Londres.

E se em Lisboa as colinas não metem medo, antes pelo contrário e somos todos uns maluquinhos da velocidade, os carros e afins metem e com eles não me meto. Não preciso.

Em cada português ao volante temos um potencial piloto de rali, mas não só, todas as oportunidades do mundo para descarregar as frustrações de uma vida em quem só quer ir para casa com a liberdade que apenas uma bicicleta pode dar. 

Quem me dera pedalar em Portugal! Um dia, quem sabe.

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