Sri Lanka retoma pena de morte para traficantes de droga

Governo publica anúncio de emprego para dois carrascos. Medida é inspirada na “guerra às drogas” das Filipinas.

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Anúncio para dois carrascos publicados no jornal estatal "Daily News" DINUKA LIYANAWATTE/Reuters

O Sri Lanka está a preparar-se para retomar a aplicação da pena de morte, com a publicação de um anúncio de emprego para carrascos. A última execução no país foi há 43 anos, e o último carrasco demitiu-se em 2014, sem nunca ter tido de enforcar ninguém. As penas de morte têm sido sempre comutadas em penas de prisão perpétua.

A medida do Presidente Maithripala Sirisena foi apresentada como um modo de combate ao tráfico de droga inspirado nas Filipinas.

Sirisena afirmou que quer retomar a pena capital para casos de tráfico de droga. Numa visita de Estado às Filipinas, o Presidente do Sri Lanka elogiou as duras medidas de Rodrigo Duterte contra as drogas.

Esta dura há quase dois anos e tem levado à morte de milhares de pessoas em operações policiais – em Dezembro, dados oficiais do Governo filipino apontavam para cinco mil mortos, mas as organizações não governamentais calculam um número cinco vezes maior.

Numa entrevista por telefone ao PÚBLICO, a especialista em pena de morte da Amnistia Internacional Chiara Sangiorgio sublinhou que estes casos pontuais estão em contracorrente com a tendência dominante, que é a de cada vez mais países abolirem a pena de morte ou estenderem moratórias à sua aplicação. 

"Nos últimos anos temos visto alguns países anunciar que vão repor a pena de morte ou suspender as moratórias, mas felizmente parecem ter sido mais tentativas de mostrar controlo sem terem efeitos na prática", disse ainda a responsável da Amnistia. 

"Por exemplo, no caso das Filipinas, o Presidente Duterte tem ameaçado, mas até agora não temos visto na prática", diz a responsável da Amnistia. Tem havido propostas de lei, mas as referências à pena de morte têm caído.

Também aponta o caso da Turquia, em que o Presidente Recep Tayyip Erdogan tem ameaçado voltar a esta pena depois da tentativa falhada de golpe de 2016, mas "felizmente, não se tem materializado".

O Sri Lanka teve recentemente grandes apreensões de droga, levando as autoridades a suspeitar de que o país se tenha tornado num ponto de tráfico. Há 1299 prisioneiros enfrentando pena de morte, incluindo 48 condenados por crimes relacionados com droga.

O serviço de prisões diz que a contratação dos carrascos não quer dizer que as execuções comecem de imediato, mas sim “para o caso de o Governo querer executar traficantes de droga”, disse um porta-voz, Thushara Upuldeniya.

O Presidente já anunciou a alteração em termos mais certos: “Espero levar a cabo a primeira execução por enforcamento dentro de um mês ou dois”, disse, citado pelo jornal anglófono Tribune, do Paquistão. “Apelo às organizações de direitos humanos para não nos tentarem pressionar nesta decisão.”

A ministra da Justiça, Thalatha Athukorala, disse recentemente que os procedimentos administrativos para a execução de seis condenados por tráfico de droga tinham terminado, e que faltava apenas a assinatura do Presidente para a ordem da aplicação da pena capital.

O jornal estatal Daily News publicou o anúncio para o emprego (desde que o último carrasco se demitiu, houve três substituições que nunca duraram muito tempo) pedindo cidadãos do Sri Lanka, homens, entre 18 e 45 anos, com “excelente carácter moral” e “força mental”. O salário será acima da média para um funcionário público, nota a Reuters (36310 rupias, cerca de 180 euros).

A pena de morte foi abolida em mais de metade os países do mundo, estima a Amnistia Internacional no seu último relatório; dois terços ou aboliram ou não levam a cabo execuções há décadas, aponta a organização que em 1977 começou uma campanha pela abolição (na altura, apenas 16 países tinham abolido a pena capital).

A Amnistia sublinha que a pena de morte não impede ou faz diminuir o crime, embora esta seja a justificação mais repetida pelos países que a aplicam. “Há provas e estudos que mostram que a pena de morte não tem um efeito dissuasor.” 

Além disso, é usada muitas vezes em países onde os sistemas judiciais já são injustos, após “confissões” obtidas sob tortura, e ainda por crimes de oposição política.

No final do ano passado, a Assembleia-Geral das Nações Unidas votou uma resolução para uma moratória para execuções com o objectivo de uma abolição global, com uma grande maioria de votações a favor.

Chiara Sangiorgio comentou então que “o facto de mais países do que nunca terem votado para acabar as execuções mostra que a abolição global da pena de morte é uma realidade inevitável – um mundo sem pena de morte está mais perto do que nunca”.

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