Quem são os novos secretários de Estado e o que os aguarda

Escolhas valorizaram especialização técnica ou cumplicidade e experiência políticas comprovadas.

Sobrinho Teixeira
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Sobrinho Teixeira nuno ferreira santos
Francisco Ramos
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Francisco Ramos PEDRO TRINDADE / NFACTOS
Goes Pinheiro
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Goes Pinheiro Miguel Manso
Ana Santos Pinto
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Ana Santos Pinto dr
Ângela Ferreira
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Ângela Ferreira dr
João Paulo Catarino
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João Paulo Catarino MIGUEL A. LOPES/LUSA

Experiência de trabalho de gabinete, discrição e conhecimento técnico das áreas parecem ter sido os critérios que levaram à escolha dos dez novos secretários de Estado e que confirma o objectivo do primeiro-ministro de controlar polémicas e gerir o executivo em velocidade de cruzeiro até às eleições, que já transparecia na remodelação anunciada no domingo. Nessa primeira etapa das alterações ao Governo, entraram para o Conselho de Ministros João Gomes Cravinho na Defesa, Graça Franco na Cultura, Marta Temido na Saúde e Pedro Siza Vieira na Economia.

Luís Goes Pinheiro (Modernização Administrativa), Ana Figueiredo Pinto (Defesa), João Correia Neves (Economia) ou Ângela Carvalho Ferreira (Cultura), são alguns dos nomes que, em momentos e funções diversas, integraram gabinetes governamentais anteriormente. E Francisco Ramos (Saúde) foi mesmo, por mais do que uma vez, secretário de Estado da Saúde dos Governos socialistas de António Guterres e de José Sócrates.

O outro traço comum aos novos governantes é a especialização técnica para as áreas que agora vão acompanhar. É o caso de Raquel Duarte e Francisco Ramos na Saúde; João Sobrinho Teixeira na Ciência, Tecnologia e Ensino; João Lopes Catarino na Valorização do Interior; João Correia Neves na Economia; e Ana Figueiredo Pinto na Defesa. Com currículo político-partidário apenas surgem dois nomes, os deputados João Galamba e João Torres, este último foi mesmo líder da JS.

Superior: o reforço que vem do Norte

Foi com surpresa que o ensino superior recebeu a notícia da nomeação de um novo secretário de Estado, o ex-presidente do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), João Sobrinho Teixeira. O ministro Manuel Heitor escolheu alguém que conhece o sistema de ensino superior para revitalizar a sua relação com as instituições públicas na fase final do mandato.

Maria Fernanda Rollo, que agora cessa funções, “fez um trabalho excelente”, elogia o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos, e poucos esperavam a sua saída. No entanto, Manuel Heitor quis inverter a lógica da arrumação política do seu ministério para a última fase do mandato. Saiu uma secretária de Estado com pouca relação com as instituições de ensino superior e cuja principal fatia do trabalho passava sobretudo pela Ciência, e entra Sobrinho Teixeira, ex-presidente do CCISP, membro da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior e, até Julho, presidente do IPB. Passará a ser o ministro a concentrar-se na Ciência.

A escolha de Sobrinho Teixeira tem também significado político. Foi presidente de um instituto politécnico, um subsector do ensino superior quase sempre visto como parente pobre, e chega do interior. Transmontano de origem, fez quase toda a sua carreira no Instituto Politécnico de Bragança, que dirigiu durante oito anos, até ao passado mês de Julho.

Durante o seu mandato, transformou uma das instituições de ensino mais afastadas dos grandes centros urbanos num caso de sucesso, passando a marcar presença em rankings internacionais — foi considerado o 50.º melhor do mundo na área de Ciência e Tecnologia Alimentar pelo ranking de Xangai — por via da aposta na investigação. O IPB tem-se saído bem também em duas das principais apostas do Governo para o crescimento do ensino superior: os cursos técnicos superiores profissionais, e, sobretudo a atracção de estudantes internacionais. Samuel Silva

Saúde: Controlo apertado

Com um orçamento para 2019 superior em 5% ao estimado para este ano, mais 523 milhões de euros, a ex-administradora hospitalar escolhida para ministra da Saúde, Marta Temido, chega à Avenida João Crisóstomo com ordem para intensificar o controlo à gestão dos hospitais, onde as dívidas continuam a acumular-se. Para seu número dois (secretário de Estado adjunto da Saúde) escolheu Francisco Ramos, um veterano nestas lides, que já tinha sido secretário de Estado de vários ministros — Maria de Belém, Correia de Campos e Ana Jorge.

Francisco Ramos, que desde 2012 estava à frente do IPO de Lisboa, conhece extremamente bem o sector e até tem avançado, nos últimos tempos, com propostas polémicas que, se concretizadas, resultariam num acréscimo de quase mil milhões de euros para o SNS. A primeira medida passaria por reduzir os benefícios no IRS das despesas em saúde, de 15% para 5%, enquanto a segunda seria pôr a ADSE a pagar os cuidados prestados pelos hospitais públicos; por último, propôs o controlo dos gastos com medicamentos de forma a que não fossem superiores a 1% do PIB.

Deverá agora ficar com a pasta dos assuntos financeiros e dos recursos humanos, a mais complexa e que está no centro da contestação que tem abalado o sector — quase todos os grupos profissionais têm convocado sucessivas greves e multiplicaram-se as demissões e ameaças de demissão de médicos e chefes de serviço de vários hospitais, em protesto contra a falta de condições de trabalho.

Raquel Duarte, a médica escolhida para secretária de Estado da Saúde, é uma profissional muito qualificada e reconhecida pelos seus pares, tem um perfil técnico inquestionável, mas nenhuma experiência política. Estava desde Fevereiro a coordenar o programa para a área da tuberculose na Direcção-Geral da Saúde e candidatou-se, no ano passado, ao cargo de directora-geral da Saúde, antes de Graça Freitas ter entrado na corrida.

É uma pessoa determinada: em Março, pediu para abandonar o cargo de directora da Unidade de Gestão de Tórax e Circulação do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, antecipando-se aos 52 directores de serviço deste hospital que se demitiram em bloco em Setembro, em protesto pela falta de investimento e de condições de trabalho. Tudo indica que ficará responsável por continuar o trabalho iniciado por Fernando Araújo, o secretário de Estado adjunto de Adalberto Campos Fernandes que, apesar de convidado, não quis permanecer no Governo.

A tarefa que os espera não é fácil. Os sindicatos que representam os médicos já classificaram a proposta de OE para 2019 como “meramente eleitoralista” e a bastonária da Ordem dos Enfermeiros veio baralhar as contas do OE2019 e criticar o valor previsto das transferências para o SNS em 2019, representam um acréscimo de “apenas” 200 milhões de euros face ao Orçamento deste ano. Alexandra Campos

Cultura: mais estratégia

A nova secretária de Estado da Cultura é Ângela Carvalho Ferreira, cujo percurso tem acompanhado em parte o da ministra Graça Fonseca na Câmara de Lisboa e no Governo, e as expectativas dos grupos que mais contestaram a anterior equipa governativa da Cultura focam-se agora no desejo de ver mais pensamento estratégico para o sector, mas também no temor de que estes nomes representem “uma espécie de visão tecnocrática do sector cultural”, como diz ao PÚBLICO Cíntia Gil, directora do festival DocLisboa.

Ângela Carvalho Ferreira, arquitecta de formação, era chefe de gabinete da nova ministra Graça Fonseca na Modernização Administrativa e na Câmara de Lisboa esteve ligada ao planeamento e gestão urbanística. Foi chefe de divisão dessa área, bem como do Apoio Socioeducativo do Departamento de Educação. Ângela Carvalho Ferreira, cujo nome foi ontem conhecido, foi ainda directora do Departamento de Projectos Estruturantes da Direcção Municipal de Urbanismo.

“Havia suspeitas de que a nomeação de Graça Fonseca adviesse mais de uma necessidade de execução do que estava pré-definido do que de desenvolver uma política consistente para a cultura”, reflecte Cíntia Gil. É uma das representantes da Plataforma do Cinema, que integra o DocLisboa e 13 outras estruturas do sector. Para a responsável, o Governo “está preocupado com a execução do que está já definido no Orçamento do Estado” e as escolhas de duas personalidades que, como descreve por seu turno ao PÚBLICO o artista plástico Pedro Portugal, configuram uma equipa mais técnica sem uma aparente relação directa com o sector.

Os artistas plásticos protagonizaram o mais recente dos momentos de contestação na Cultura, levando até ao primeiro-ministro uma carta de apelo e denúncia sobre a situação da arte contemporânea em Portugal, tendo recebido de António Costa a promessa de um fundo de aquisições para os próximos dez anos. “Os três grandes protestos do sector, o do cinema, o do apoio às artes e dos artistas plásticos foram dirigidos ao primeiro-ministro por não reconhecimento” do ministro Castro Mendes como decisor, lembra Cíntia Gil. Graça Fonseca e Ângela Carvalho Ferreira podem representar “a perda da oportunidade de fazer uma ponte com o sector que precisa de reconhecer na tutela um interlocutor”, lamenta.

André Albuquerque, dirigente do sindicato Cena, recorda que a nova equipa tem vários temas em aberto — “os dossiers do cinema e do apoio às artes são questões longe de estar terminadas” — e espera que “de uma vez por todas haja alguém capaz de implementar um serviço público de cultura” no país. “Já chega que o sector seja resiliente. Tem de haver um prémio para essa resiliência”, considera. “A produção independente está bastante deficitária e a não poder crescer.” Joana Amaral Cardoso

Defesa: mulher às armas

Na Defesa, Ana Figueiredo Pinto, de 39 anos, substitui Marcos Perestrello como secretária de Estado do novo ministro João Gomes Cravinho. Investigadora do Instituto de Defesa Nacional e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova é doutorada em Relações Internacionais, especialista em Identidades em Política Internacional, Política Externa e de Segurança da União Europeia e geopolítica do Médio Oriente. Foi consultora de Investigação para a Organização das Nações Unidas no Projecto Aliança das Civilizações (2008-2010) e assessora para as Relações Internacionais de Nuno Severiano Teixeira, como ministro da Defesa (2006-2009). São José Almeida

Economia: Mudança radical

O Ministério da Economia é um dos que mais mudanças sofrem, agora que é dirigido pelo ministro adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira. Além da Secretaria de Estado da Energia, agora ocupada por João Galamba, passar para a tutela do Ministério do Ambiente e da Transição Energética, desaparecem as secretarias de Estado do Comércio e da Indústria, respectivamente ocupadas por Paulo Ferreira e Teresa Lehmann. Estas duas áreas passam a estar debaixo da alçada da nova Secretaria de Estado da Economia agora ocupada por João Correia Neves de 61 anos que era, desde 2010, administrador dos Laboratórios Bial. Anteriormente, foi chefe de gabinete de Manuel Pinho, quando este foi ministro da Indústria e Inovação (2005-2007), director-geral da Empresa do Ministério da Economia (2004-2005) e director regional de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério da Economia (2003-2004).

Nova também é a Secretaria de Estado da Valorização do Interior entregue a João Lopes Catarino, de 49 anos, que, desde Julho de 2017, era coordenador adjunto da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, tendo sido coordenador adjunto desde o ano anterior. Entre 2005 e 2016 foi presidente da Câmara de Proença-a-Nova.

No Ministério da Economia, é também criada a Secretaria de Estado da Defesa do Consumidor para a qual é nomeado João Torres, deputado e ex-presidente da JS entre 2012 e 2016. S.J.A.

Tomam ainda hoje posse os cinco secretários de Estado que se mantêm, apesar de os respectivos ministros terem mudado: José Mendes, que era adjunto e do Ambiente e passa a secretário de Estado adjunto e da Mobilidade; Carlos Martins, que continua como secretário de Estado do Ambiente; Célia Ramos, que permanece no Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza; Ana Pinho na Habitação; e Ana Godinho no Turismo.

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