Em casa de ferreiro, Fiskars para sempre

Foi em 1641 que Carl Billsten fundou, em Billnäs, a ferraria, bem como muitos dos edifícios do século XVIII que continuam de pé na pequena aldeia que é, hoje, uma das maiores atracções do Sul da Finlândia.

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Julia Kivela
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A Finlândia conheceu uma existência pobre.

Eu não podia, nesta minha viagem pelo Sul, por este país onde quase sempre se ouve falar da Lapónia, do Pai Natal e das renas e de muito pouco mais, ignorar esse passado, as tradições, tão marcadas a ferro, para os lados para onde os meus passos me conduzem.

Agora que escrevo, acredito que, sem nunca ter olhado para a marca ou para o país em que foi fabricada, também eu possuo na minha arrecadação ou na cozinha uma tesoura Fiskars, com o seu famoso cabo cor de laranja, mais um produto de uma empresa que se encontra entre as mais antigas do mundo. Foi em 1641 que Carl Billsten fundou, em Billnäs, a ferraria, bem como muitos dos edifícios do século XVIII que continuam de pé na pequena aldeia que é, hoje, uma das maiores atracções do Sul da Finlândia.

Não foi apenas Carl Billsten a estabelecer-se, durante esse período, no Sul da Finlândia. No século XVII chegavam a esse Sul remoto muitos ferreiros. Da região de Pohja (Pojo em sueco), com as suas vastas áreas de floresta, com as suas rotas aquáticas bem definidas, chegava, por outro lado, a madeira que acendia o fogo da indústria do ferro na Finlândia.

O centro de Pohja não faz acender em mim qualquer sentimento de arrependimento. Em Pohja, a vida corre devagar, nesse jeitinho de procissão, como num berço que embala uma criança. Há lugares para ver, para sentir, em Pohja.

E Pohja, projectando-se contra o lago homónimo, o maior do Sul da Finlândia, não está a mais de 60 quilómetros de Helsínquia.

E, deitando um olho a Pohja, parece estar tão longe. As macieiras estendem-se como um mar, mal o Outono se anuncia, uma mulher é eleita, sob o signo de mulher-maçã-do-ano, num Carnaval que por estes lados tem lugar em Setembro.

Observo, na minha solidão, a igreja de St. Lawrence, a maior de todas entre as sete que ainda restam em Uusimaa Ocidental da época medieval. Construída em finais do século XV, contempla um interior particularmente interessante, com as suas paredes cobertas de pinturas da Bíblia (século XVI), a fórmula encontrada para que a congregação, maioritariamente analfabeta nesse tempo, percebesse a sua história — e é também uma bíblia, a primeira a ser impressa no país, em 1642, um dos maiores tesouros que a igreja abriga, rivalizando em importância com um crucifixo e uma cruz em madeira do século XV.

Regresso a Billnäs

Menos solitário, dispenso algum do meu tempo às minas de calcário (ainda em actividade) de Tytyri, com o seu museu a 110 metros de profundidade que explica como era a vida dos mineiros em dias de antanho, bem como um hall que pode ser utilizado para conferências e onde, por estranho que possa parecer, a Internet funciona bem. As minas são a principal atracção turística da cidade mas Pohja haverá de carregar sempre, ao longo dos tempos, esse selo estampado no rosto, de região que concorria para o crescimento das empresas do ferro, cortando e canalizando longos troncos de árvores para a produção de carvão.

E é nesse momento que eu regresso a Billnäs. Mas não por uma estrada qualquer. Já utilizada no século XIV, a Estrada do Rei ligava Bergen a Estocolmo via Oslo, continuava até ao arquipélago de Turku, até Vyborg e, mais para lá, utilizada por soberanos, bispos e burgueses, artistas e militares, até São Petersburgo, na Rússia. A estrada, pensada para trocas entre os castelos de Turku e de Vyborg e posteriormente utilizada como rota da mala-posta, passa por Lohja, por Billnäs, por Fiskars (num total de mais de 500 quilómetros em território finlandês) e é, na verdade, uma das mais belas da região costeira, deixando ver igrejas medievais, cidades portuárias ou aldeias ligadas à história do ferro. E é por elas que vou gastando as últimas horas antes do regresso a Helsínquia (também integra a região de Uusimaa, a mais povoada do país), detendo-me por último em Fiskars, nas suas ruas tão serenas, tão orgulhosas desse passado e não menos do presente — Fiskars, fundada no século XVII, é o centro da arte e do design na Finlândia.

Será que tenho em casa uma tesoura dessa marca?

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