Cândido de Andrade regressou da Venezuela por uma questão de sobrevivência

O empresário, a quem foi atribuído o título de comendador em 1996 pelo trabalho feito junto da comunidade portuguesa, sempre desejou voltar. Não desta forma, na dupla condição imposta pela doença e pela crise venezuelana.

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Miguel Manso

Cândido de Andrade estaria agora a tentar salvar o fruto do trabalho de uma vida, se a voz do seu médico não lhe tivesse sussurrado ao ouvido que a única salvação era deixar a Venezuela.

Nos últimos meses, milhares de pessoas fizeram o mesmo, perdendo bens e conquistas como o direito às pensões da reforma ao fim de dezenas de anos de descontos. Mas no caso de Cândido de Andrade, sem hipótese de receber os tratamentos necessários para o cancro diagnosticado em 2017, deixar a Venezuela era realmente uma questão de sobrevivência. 

O empresário, a quem foi atribuído o título de comendador em 1996 pelo trabalho feito junto da comunidade portuguesa (no tempo do secretário de Estado das Comunidades José Lello, falecido em 2016), sempre desejou voltar a Portugal. Não desta forma, na dupla condição imposta pela doença e pela crise venezuelana. "Sempre pensei regressar. Mas vir e respirar o ar da minha terra.”

O plano era cumprir esse sonho com 70 anos, depois de uma vida também dedicada à comunidade portuguesa. Fez parte da direcção da Associação Desportiva Luso-Venezuelana e do Centro Português de Caracas (de que também presidente) e foi tesoureiro do Português Futebol Clube, clube da primeira divisão, entre outras actividades e cargos que assumiu na diáspora.

Vir sem nada

Chegou a Portugal em Julho de 2017, com 67 anos, viúvo desde 2012, e instalou-se na sua casa em Santa Maria da Feira. “Deu-me muita dor, chegar cá e nada poder fazer. Ver o que outros têm de fazer para arranjar casa, trabalho e inscrever os filhos na escola."

O caso de um amigo bastaria para ilustrar o sentimento, mais do que as palavras, que quer transmitir. Com 64 anos, o amigo operário foi obrigado a regressar da Venezuela, sem nada, e continuar a trabalhar numa fábrica em Oliveira de Azeméis, incluindo com turnos de noite, para ganhar mais uma centena de euros, e assim sustentar-se a si e à mulher. Os dois partilham um apartamento com outro casal luso-venezuelano, porque só assim conseguem pagar a renda. 

Quem vem agora, vem sem nada, diz o comendador. Os descontos para a Segurança Social num país falido valem menos que zero. Nem portugueses, nem venezuelanos, ninguém recebe pensões de reforma, reforça o empresário.

Não são tanto os apoios financeiros que aponta em primeiro lugar, na lista de prioridades, mas veria “muito bem” a possibilidade de o Estado português ajudar o emigrante da Venezuela na circunstância de este ter que regressar. “É uma questão de sobrevivência", diz não sobre si, mas sobre todos aqueles, portugueses, brasileiros ou os próprios venezuelanos, forçados a deixar o país liderado por Nicolás Maduro.

“Lá está o fruto de 50 anos de trabalho. Mas como eu, estão muitos e com empresas maiores que as minhas. Não se pode abandonar os empregados agora”, defende. "O emigrante é um português habituado a singrar na vida a expensas próprias”, sem depender de ajudas, mas na circunstância excepcional da Venezuela, “seria uma obrigação do Governo português” apoiá-los agora.

Simplificar a burocracia 

Se tivesse de escolher um entre vários apelos a lançar às autoridades portuguesas seria o de “simplificar, no sentido de evitar a burocracia, e orientar o emigrante” no seu regresso e integração em Portugal. Valoriza isso, mais do que tudo, sobretudo depois de o Gabinete de Apoio ao Emigrante de Santa Maria da Feira o ter ajudado a simplificar o processo de inscrição dos quatro netos na escola do concelho, onde chegaram em Agosto com as mães, noras do empresário. Devia acontecer com todos, defende. 

Dois dos seus três filhos resistem em Caracas, à frente do pequeno império que a família criou nos 50 anos vividos na Venezuela. "Eu, que estou no fim da vida, não queria deixar-lhes, este peso, a eles que estão no início da vida e querem vir para cá”. Um desses dois filhos é engenheiro industrial, formado em Portugal, e o outro sociólogo e docente universitário. 

Quando Cândido de Andrade saiu de Portugal no dia 17 de Agosto de 1967, o pai já estava na Venezuela desde 1953.Começou a trabalhar na companhia aérea brasileira, a Varig, como administrativo em terra, quando o pai se juntou com uns portugueses (de Aveiro) para formar uma empresa. O grupo, Piscinas Latino Americanas, chegou a congregar três empresas e a dar emprego a 80 trabalhadores.

A única que permanece activa é a EquiPiscinas. Produz apenas para os gastos, e paga os ordenados dos 28 funcionários que se mantêm, explica Cândido de Andrade. Fala, mais uma vez, de manter "a sobrevivência" das pessoas, neste caso, dos seus próprios trabalhadores.

"É com muita dor que assisto a isto. Alguns destes funcionários estão comigo há 45 anos", expõe. A EquiPiscinas está à venda. "Mas ninguém se atreve a comprar." Os que entretanto saíram da empresa, foram viver para países da América Latina, para Espanha, diz, ou para Portugal.

O gabinete do secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, estima que “tenham regressado a Portugal entre 4500 e 5500 cidadãos portugueses e lusodescendentes” desde o início do ano. “Destes, três a quatro mil fixaram-se na Região Autónoma da Madeira.” Em respostas ao PÚBLICO, informa que tem vindo a ser realizado o levantamento das necessidades dos portugueses que regressam da Venezuela, em áreas “como a habitação, a segurança social, a educação, o ensino superior e reconhecimento de habilitações, emprego e formação profissional”, não podendo adiantar, para já, se existe – para estas necessidades – uma verba prevista no Orçamento do Estado de 2019, uma vez que este se encontra em fase de preparação.

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