Ana Gomes: “O nosso maior aliado foi Alatas”

Durante seis meses, Ana Gomes, o chefe da diplomacia da indonésia, e quem viria a ser Presidente da Indonésia, tiveram um programa de rádio aos sábados de manhã para convencer os refugiados a regressarem a Timor.

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Ana Gomes protagonizou a causa da independência de Timor-Leste Miguel Manso
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Ali Alatas, Butros Ghali e Jaime Gama nas negociações na ONU Johnny Eggitt

“Não sei se é comum na diplomacia o que se passou, não era amiga do Ali Alatas mas sempre tive respeito por ele que era um grande diplomata, mas pouco a pouco percebi que estava genuinamente interessado numa solução do problema de Timor e que queria a melhoria das relações com Portugal”. Foram anos de conhecimento mútuo que Ana Gomes, primeiro na ONU em Nova Iorque, depois como responsável da Secção de Interesses de Portugal na capital indonésia e, mais tarde, durante três anos como embaixadora, teve com o chefe da diplomacia da Indonésia.

“Vim a saber que ele tinha sido o travão para que o Shuarto e família não confiscassem “A nossa casa”, a antiga embaixada portuguesa de 1945 no melhor bairro de Jacarta”, revela. “Alatas era de uma família de comerciantes iemenitas, o seu pai era um homem de negócios, a casa deles era uma casa aberta, cosmopolita, que com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e Megawati Sukarnoputri na presidência, recuperámos porque tinha vestígios culturais portugueses. Foi assim que recuperámos o Museu Têxtil de Jacarta, a antiga casa da família Alatas”, revela.

“Há um dia em que a minha relação pessoal com Alatas se intensifica e a partir do qual ficámos amigos”, afirma. “Foi quando o braço local da Al Qaeda começou a operar com um ataque no Verão de 2000, durante a visita de um barco holandês a cuja recepção eu e o meu colega da Holanda éramos os únicos embaixadores presentes ao lado de Alatas”, destaca. “Lembro-me que fui numa charrete com o Alatas e a mulher quando mais ninguém apareceu”, descreve. “Se até então já tinha provas de correcção, a partir de então tive provas de amizade”, salienta.

“Para Alatas, Timor era um desafio profissional, ele era um jovem diplomata quando ocorreu a ocupação do território e tudo era para ele um desafio político, pessoal e profissional”, assegura Ana Gomes. A questão de Timor terá mesmo custado ao ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia a corrida a secretário-geral das Nações Unidas.

A antiga embaixadora destaca o papel do chefe da diplomacia de Jacarta depois da independência. “Foi o mais arriscado que fiz, tínhamos 250 mil timorenses que era necessário convencer a voltarem a Timor e foi fundamental a articulação com Alatas e o que viria a ser Presidente da Indonésia, um militar que achava que o problema de Timor se tinha de resolver politicamente, e que na altura era ministro coordenador da Segurança”, relata. Conhecido por Syb, Susilo Bambang Yudhoyono foi importante. “Conheci-o a seguir ao 7 de Setembro, quando as milícias de Eurico Guterres assassinaram três funcionários da ONU”, recorda: “Todos os sábados de manhã durante seis meses, eu, o Alatas e o Syb fizemos um programa de rádio para convencer os refugiados a regressarem a Timor.”

De Alatas, as memórias não se esgotam no processo que levou à independência de Timor. “Já depois da independência, Alatas convidou-me para uma sessão na sua escola diplomática sobre Timor”, arranca a ex-embaixadora. “Uma das coisas que lhes disse é que tinha sido um erro terem escolhido Nuno Rocha como testa-de-ferro em Portugal, pois este depois de criticar a situação em Timor no âmbito de um seu ataque à descolonização passou a defender a integração”, afirma. Sobre Alatas, conclui peremptória: “O nosso maior aliado foi Alatas." N.R.    

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