Admirável encontro novo

Um dos espectáculos de maior sucesso no Brasil, O Grande Encontro, chega finalmente a Portugal: em duplo CD+DVD e aos coliseus de Lisboa e Porto, com Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo. Zé Ramalho não quis voltar, mas está nas canções

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Marcos Hermes

Quando eles subiram ao palco do Canecão do Rio de Janeiro, há duas décadas, estavam longe de imaginar que iam dar início a um dos maiores sucessos da música brasileira. Alceu Valença e Geraldo Azevedo, de Pernambuco, e Zé Ramalho e Elba Ramalho, da Paraíba, cantaram a solo, a dois ou todos juntos canções da autoria de cada um, como Coração bobo, Admirável gado novo ou Talismã, mas também versões de temas de Caetano Veloso (O ciúme), Raul Seixas (O trem das sete), Chico César (A prosa impúrpura do Caicó) ou até Bob Dylan (O Amanhã é Distante, tradução de Tomorrow is a Long Time). Chamaram-lhe O Grande Encontro e pensavam que ia ficar por ali. Não ficou. Teve mais três edições, uma em estúdio e duas ao vivo. É esta última que chega agora a Portugal, em CD+DVD e aos coliseus, dia 12 em Lisboa e 13 no Porto.

Geraldo Azevedo recorda, ao Ípsilon, essa primeira noite e as posteriores sequelas. “O primeiro era uma cantoria, não tinha músicos. Nós mesmos nos acompanhávamos, só voz e violão.” Nem pensaram em gravação. Mas ela foi feita, ao vivo, e o disco que dali saiu, O Grande Encontro (gravado no Canecão, em Julho de 1996) teve um sucesso instantâneo e monumental: mais de um milhão de cópias vendidas. “Foi uma surpresa para todos, tanto para os artistas como para a gravadora. Ninguém mais vende assim.”

E Elba Ramalho completa: “Foi um grande fenómeno no Brasil. Porque reunia quatro artistas nordestinos, cada um com a sua expressão musical e levava para o público um pedaço do seu nordeste. Então foi muito impactante, foi um momento que fortaleceu bastante a música nordestina e ratificou toda a importância que essa música tem no cenário brasileiro. É um disco que ainda é muito procurado vinte anos depois.”

Ma como começou? Geraldo Azevedo recorda: “Começou com um dueto que eu fazia com o Zé Ramalho. Eu dia fomos fazer esse show no Rio de Janeiro, e Elba e Alceu estavam na plateia.” Ora Alceu era o maior parceiro dos dois e no espectáculo eram apresentadas várias canções que Elba já tinha gravado. “Elba é a voz da vida da gente, a maior intérprete das nossas canções”, diz Geraldo. “Então a gente citou o nome deles e o público pediu ‘sobe, sobe no palco!’. Eles subiram, no palco do Canecão, e “ali surgiu a ideia de que os quatro juntos é que teriam uma representatividade muito grande para esse projecto.” Mas antes houve outro encontro: “Eu e Alceu é que começámos tudo. O primeiro disco da carreira da gente é um disco em dupla, Alceu Valença & Geraldo Azevedo [1972]. E depois cada um seguiu sua carreira a solo. E o primeiro disco da Elba fui eu que fiz a direcção musical e montei a estrutura do disco juntamente com ela.”

Os passos seguintes

O enorme êxito do início levou-os a continuar. Mas só três de cada vez. Geraldo: “O primeiro foi maravilhoso porque teve os quatro juntos. Depois Alceu não pôde fazer mais. E eu, Zé Ramalho e Elba gravámos o único disco de estúdio do Grande Encontro. Depois fizemos o primeiro DVD, os três, ao vivo, com participação de Lenine, Belchior e Moraes Moreira. E finalmente chegámos a este quarto Grande Encontro, onde Alceu volta mas Zé Ramalho não quis voltar. Então a gente homenageia ele cantando Táxi lunar e Chão de giz, e fechamos o show com uma música dele, Frevo mulher. Então a obra dele está presente, ele continua a fazer parte mesmo que não esteja no palco.”

Elba diz que esta comemoração de 20 anos foi ideia dela. “Estava fazendo uma tournée com Geraldo, grande parceiro meu, compositor extraordinário e grande instrumentista, e aí lembrei que ia ter os 20 anos. E como em toda a entrevista que a gente faz no Brasil perguntam ‘quando é volta o Grande Encontro?, tive a ideia de convidar todos.” Zé Ramalho não quis e acabaram por ficar os três. “E é de novo um grande fenómeno no Brasil. O que acontece desta vez? Temos uma banda maravilhosa, um cenário lindo e é bem arrebatador, pois cada um tem o seu universo musical. A gente faz uma parte juntos mas cada um mostra um pouco da sua história também, e assim se fortalece. ”

“Verdadeira comoção”

Há cidades do Brasil onde já voltaram três vezes, sempre com lotações esgotadas. “O público interage, participa, canta junto, se emociona”, diz Geraldo. “Então esse encontro não é só entre nós, artistas, é um grande encontro com o público de cada um de nós, um público ligado à música, à cultura e às raízes brasileiras. Esse show dá-nos a maior satisfação porque tem um retorno muito grande do público.” Alceu acrescenta: “É uma verdadeira comoção. É incrível, porque a gente continua fazendo as nossas carreiras mas quando se junta é fenomenal, tem sempre as salas lotadas!” Geraldo Azevedo diz: “Esse Grande Encontro é para celebrar essa ligação muito forte, essa amizade, essa interacção que existe entre nós, as parcerias que fazemos.” Alceu pensa o mesmo, mas di-lo por outras palavras: “O Grande Encontro é uma forma até de a gente se encontrar, no palco e na vida. Porque anda cada qual para o seu canto, sempre em viagem.”

O espectáculo, como pode ver-se pelo DVD (com CD duplo na mesma caixa) agora editado em Portugal, retoma o espírito caloroso e icónico do primeiro Grande Encontro (nas canções, na emotividade, na forte ligação com o público) mas com banda e com cenário renovado, num registo visual e sonoro de assinalável qualidade. Alceu diz, entusiasmado: “Tem uma banda muito boa que nos acompanha. Na abertura estamos os três, depois fica um, depois duplas e no fim todos outra vez. Então é um show de trio, de dupla e de unidade. E porque anda cada qual para o seu canto, sempre em viagem, O Grande Encontro é uma forma até de a gente se encontrar, no palco e na vida.”

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