Mal por mal, antes mostrar do que disfarçar

Há que ir tentando deixar cair a máscara da personagem que todos, a dada altura, somos obrigados a criar. Porque uma coisa é certa: ninguém o vai fazer por nós

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Daria Shevtsova/Unsplash

Até que ponto conhecemos verdadeiramente as pessoas com quem diariamente lidamos? Eu diria que numa escala de 1 a 10, ficamo-nos pelo 3,5 no máximo. Porquê? Ora bem, porque hoje em dia acredito que há muito boa gente que prefere, e muito bem, não mostrar as suas cartas todas de uma vez. Optam por deixar a nu uma faceta que representa apenas uma pequena parte do todo. No trabalho, em casa e fora dela, aprendem a lidar com assuntos que vão surgindo de forma prática e rápida, mesmo que isso implique ir contra ao que naquele momento mais lhes apetecia fazer.

E a verdade, infelizmente, é que a vida nos obriga a ser assim. A vida e as pessoas. Quantas vezes temos vontade de mostrar o nosso desagrado perante algo mas optamos por não o fazer porque sabemos que, caso o façamos, será uma tremenda perda de tempo? E quando nos passa pela cabeça mandar tudo para o tecto? Infringir algumas regras impostas, passar ao lado de hierarquias e dizer tudo aquilo que sentimos? Se as fôssemos contar, ao número de vezes digo, não saíamos daqui hoje.

Sempre que me questionam sobre o que de mais desafiante temos na nossa passagem por cá a minha resposta está e estará sempre relacionada com o mesmo tema: as pessoas. São as pessoas que nos trazem felicidade, são elas que nos dão cabo da cabeça, são também elas que nos ensinam tanto e com quem, ao mesmo tempo, tanto desaprendemos. Ambíguo, bem sei. Mas se reflectirmos um pouco, a realidade não foge muito disto.

Eu adoro pessoas. Dá-me um gozo bestial ver como cada um reage a diferentes acontecimentos, observar como o passar dos anos muda tanta ideia feita, mas, principalmente, apaixona-me perceber como personalidades tão distintas aprendem (ou não) a conviver diariamente.

Não escolhemos quem nos aparece à frente e, à medida que os anos vão passando, eu diria que o nível da nossa paciência vai diminuindo. Já não temos tanta pachorra para o chato que se está sempre a queixar, para o “manda-chuva” que só está bem a dar ordens, para o preguiçoso que vive de desculpas para nunca ter que fazer nada.

Os anos passam, a paciência diminui, mas a quantidade de pessoas que despertam o pior que há em nós parece aumentar. Deambulamos entre o que queríamos dizer, mas não dizemos, entre aqueles que queremos manter por perto e os outros cujo passatempo preferido é xingar o tempo todo.

Encarnamos personagens para que com eles consigamos lidar, nesta peça de teatro que acaba por ser a vida.

No final, irrita-nos não ter tido coragem para lidar com aquela situação no trabalho de outra forma, ficamos chateados por não termos conseguido responder como gostaríamos àquela amiga e por termos ficado calados naquele instante em que era tão fulcral que tivéssemos mantido a nossa posição. No final, ficamos sem conhecer verdadeiramente muitas das pessoas a quem temos que recorrer quase todos os dias.

Por isso, há que ir tentando deixar cair a máscara da personagem que todos, a dada altura, somos obrigados a criar. Porque uma coisa é certa: ninguém o vai fazer por nós.

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