O Porto e o direito à cidade

Operações de cosmética e campanhas de publicidade enganosa podem-nos fazer crer o contrário, mas o Porto é uma cidade em falência

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Joana Coutinho

As duas áreas metropolitanas portuguesas estão cada vez mais longe da ideia do "Le Droit à la ville’’ de Henri Lefbvre e isso deve-se, creio, a uma desarticulação disfuncional dos lugares centrais e das áreas exteriores extensivamente urbanizadas que não encontraram, ainda, uma definição estrutural depois da crítica ao projecto moderno de cidade.

O estado de perda do Porto revela-se nos últimos saldos migratórios: -35,9 em 2001, contra os novos 60 mil novos habitantes dos concelhos do primeiro anel da Área Metropolitana (Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento da CMP); os dados mais recentes voltam a apresentar um diagnóstico preocupante como uma população mais envelhecida.

O órgãos de poder querem construir (dizem defender) a imagem de um centro do passado que, no passado, o Porto nunca foi. A "museificação" da cidade de acesso exclusivo que coloca tudo em favor da preservação da imagem constitui-se como uma agressão ao progresso, ao Porto e à sua identidade.

A sobre-programação do centro (em oposição à urbanização frenética e desregulada das áreas exteriores, nos anos 80 e 90), no que diz respeito à reabilitação urbana, tem-se constituído não só como um obstáculo para o seu desenvolvimento, mas essencialmente como promotor de um medíocre e irreversível retrocesso, patente em muitas opções arquitectónicas: ignora-se a medida de crescimento da cidade – o lote, dando-se preferência à escala do quarteirão, sendo isso incoerente com a morfologia urbana; arrasam-se interiores de quarteirões e preservam-se fachadas, ignorando-se técnicas e sistemas construtivos do passado, sobre os quais se ergue a identidade visual da cidade.

Os programas de reabilitação do Centro (da autoria da Porto Vivo) parecem estar — do ponto de vista das ideias — ainda, demasiado próximos do Plano de 1962, de Auzelle: são urbanisticamente funcionalistas e arquitectonicamente programáticos; são as premissas de um super-plano pronto para falhar por excesso de regulação.

Varrer a pobreza num lugar distante e criar condições para a ocupação do centro por pessoas da denominada classe alta – é o entendimento clássico que, crêem, poderá resolver os problemas sociais decorrentes da heterogeneidade urbana. Por agora parece apenas ser pouca habilidade e insensibilidade em política social. A estratégia não é nova (dá-se por "gentrification") e será o mote para a demolição do Mercado do Bom Sucesso e outros equipamentos de propriedade popular e pública.

É, também, desconfortável tentar decifrar os reais motivos da demolição das torres do Aleixo e se, de facto e como se especula, este processo é consequência de um pensamento discriminatório em relação ao acesso ao lugar na cidade — de quem pensa que o habitar social não pode ocupar zonas privilegiadas e solos valiosos — só pode constituir um motivo de vexame colectivo do qual ninguém se pode excluir. O acesso democrático à ocupação do lugar central tem sido negado por uma política não inclusiva da Câmara do Porto, que favorece os condomínios fechados e a habitação cara.

Mas é num momento particularmente decisivo que devemos depositar confiança nas instituições da cidade, reduto do pensamento crítico e progressista que imana dos portuenses. Universidade do Porto, FC Porto, Associação Comercial, de Comerciantes, Serralves, Casa da Música, Teatro Nacional de São João, e tantas outras não se poderão demitir de constituir a força motriz que modernizará a cidade e que inverterá o ciclo que não deixa nenhum portuense indiferente.

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