A União Europeia, os lobbies e os direitos dos trabalhadores em Portugal

Saindo a Troika, esperava-se que Portugal estivesse livre para fazer as reformas que entendesse. Mas não é bem assim...

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Daniel Rocha

Em preparação para o Dia dos Trabalhador, devemos rever a situação do mercado de trabalho em Portugal e como essas lutas são afectadas pela União Europeia e o poder dos lobbies. Porquê discutir o papel da União Europeia nas condições do mercado de trabalho português quando já estamos livres da Troika? Na verdade, a UE continua a puxar mais desregulação de mercados de trabalho mas está a fazê-lo de um modo tão subtil e complexo que os países afe tados por vezes, nem se apercebem do papel crucial que Bruxelas desempenha.

Todos nos lembramos do que aconteceu com o resgate financeiro e o papel da Troika, incluindo o Banco Central Europeu e a Comissão nas reformas avassaladoras do mercado de trabalho português. Saindo a Troika, esperava-se que Portugal estivesse livre para fazer as reformas que entendesse. Contudo, ao contrário da situação pré-crise, agora a Comissão e o Conselho têm mecanismos que podem levar a sanções caso as suas “recomendações” não sejam seguidas.

O primeiro é bem conhecido: a obrigação de os estados membros em manter um défice abaixo dos 3% do PIB. Agora, com o Semestre Europeu, a Comissão também aconselha os estados membros na sua política económica - e ,quase invariavelmente, recomenda cortes nas protecções laborais. Ignorar essas dicas pode ter repercussões na decisão de multar ou não o país.

O segundo é o processo de desequilíbrios macroeconómicos que desde 2011 é usado para medir a performance, incluindo critérios sobre o mercado de trabalho e lei laboral. De acordo com estas regras, qualquer aumento de salários tem de ser justificado com um aumento em produtividade médio a nível nacional.

Se este não for o caso, então a Comissão põe o país sob investigação e, em última instância, pode implementar multas. Até agora, este género de multas nunca foram usadas mas são uma perspectiva assustadora para governos. Isto deixa as instituições com um poder coercivo considerável, basta ver o que aconteceu em França com o direito de negociação colectiva.

Quanto a Portugal, as instituições parecem estar preocupadas com o aumento do salário mínimo. Vejamos por exemplo que, em Abril de 2016, a Comissão reportou que os aumentos implementados e planeados “não parecem estar alinhados com os desenvolvimentos macroeconómicos em termos de inflação, desemprego e perspectiva geral de crescimento”. Claro que de uma perspetiva europeia estes aumentos parecem modestos o que torna esta posição da Comissão surpreendente.

No entanto, na perspectiva da Comissão, tal causaria um sem fim de problemas: desde uma severa pressão nos salários em geral, um golpe nos esforços para lidar com desemprego de longo prazo, e um ataque à empregabilidade de trabalhadores pouco qualificados. A possibilidade de impor multas é real, sobretudo porque não nos podemos esquecer que Portugal está sob inspecção, em parte por causa do seu mercado de trabalho.

Mas porque é que Bruxelas continua a defender esta perspectiva? As instituições parecem ter uma visão sobre o mercado de trabalho muito parcial, quase assumindo o ponto de vista dos grandes empregadores. Isto é em parte o resultado da grande afinidade entre a Comissão e os grandes grupos de lobby, ou representação de interesses, que falam em nome dos grandes empregadores europeus.

O que mais se destaca aqui é a BusinessEurope, que representa por exemplo a Confederação Empresarial de Portugal, que se opôs tão ferozmente a aumentos do salário mínimo.

A BusinessEurope é o grupo com mais acesso à Comissão Europeia, por vezes é organiza de eventos de lobby dentro dos edifícios da Comissão. Mais ninguém tem este tipo de acesso. Todos os anos, a BusinessEurope mede a performance dos estados membros de acordo com as suas prioridades. Um documento que segue as mesmas linhas gerais das próprias instituições. Sobre Portugal defende que “Os aumentos do salário mínimo em 2016 e 2017 não estavam consistentes com os objectivos de promover emprego e competitividade”. Parece familiar?

Os sindicatos, por outro lado, encontram-se frequentemente marginalizados. Isto representa um desafio sério para movimentos sociais na Europa e em Portugal, e implica que estes não se esqueçam da dimensão europeia. Caso esse ângulo seja ignorado, a inclinação das instituições e as regras actuais, vão mostra-nos uma UE que defende e se alinha directamente com os interesses das empresas contra trabalhadores.

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