O escândalo de Barroso na Goldman Sachs exige regras mais duras

A contratação de Durão Barroso pela Goldman Sachs causou indignação por toda a Europa e obrigou o actual presidente Juncker a agir. Mas Barroso não é o único ex-comissário a passar pelas portas giratórias da UE para multinacionais. Apenas mudando as regras podemos evitar que isto se repita

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François Lenoir/Reuters

A transição de Barroso de presidente da Comissão Europeia para a Goldman Sachs causou ondas de indignação por toda a Europa. Chefes de Estado, eurodeputados, funcionários da União Europeia e cidadãos europeus criticaram abertamente a nomeação. Em Portugal, uma sondagem mostrou que 51% da população acha que Barroso agiu incorrectamente.

A opinião pública exerceu tal pressão que, esta semana, o actual presidente da Comissão Europeia, Juncker, anunciou que Barroso vai perder os benefícios associados ao seu antigo cargo e vai ser recebido em Bruxelas somente como lobista. Juncker decidiu também remeter a nomeação para um comité de ética "ad-hoc".

A resposta de Juncker mostra o quão grave é este caso. Com esta contratação, a Goldman Sachs ganha a influência e a longa lista de contactos que Barroso desenvolveu ao longo de 10 anos no mais alto posto da Comissão. Um ex-presidente da Comissão abre muitas portas.

E a verdade é que a Goldman Sachs não é uma empresa qualquer. Para além de ter desempenhado um papel fulcral na criação da crise financeira de 2008 — cujas consequências Portugal ainda hoje sofre — é também um dos maiores grupos de "lobby" financeiro na UE. Em 2015 declarou ter gasto mais do que um milhão de euros a influenciar a UE.

O banco de investimento tem também um impressionante acesso à Comissão, podendo gabar-se de ter tido 23 reuniões com altos cargos da Comissão desde Novembro de 2014, incluindo sete comissários. É também membro de vários grupos de pressão política como a Associação Internacional de Swaps e Derivativos (ISDA). Em 2010, os dois receberam a duvidosa honra de "Pior Lobby da UE".

Contudo, indignação moral e comités "ad-hoc" não são suficientes para limitar conflitos de interesse. Basta ver que Barroso é só mais um na longa lista de comissários que transitaram do seu cargo oficial para empresas privadas e vice-versa. Este rodopio é tão recorrente que ganhou o nome de portas giratórias. O nome pode não parecer sério mas estas portas giratórias criam conflitos de interesses e oferecem acesso e influência desmesurados sobre processos políticos da UE a multinacionais

Poucos meses após o fim da Comissão de Barroso, mais de um terço dos seus comissários já tinha aceite posições polémicas. Mais recentemente, Karel De Gucht, ex-comissário do comércio, aceitou uma posição na multinacional mineira Arcelor Mittal e a ex-comissária da agenda digital, Neelie Kroes, transitou para a Uber e Salesforce. Estes casos podem ter sido menos mediáticos do que o de Barroso mas o risco que representam para o interesse público e para a integridade das instituições europeias é comparável.

Actualmente, as regras exigem apenas que os comissários notifiquem a Comissão de novos cargos por 18 meses após o fim do seu mandato. A título de comparação, o Canadá exige que ex-ministros esperem cinco anos.

É claro que isto não é suficiente. Até agora, quase 63.000 cidadãos europeus já assinaram a petição para rever as regras para comissários lançada pela Aliança para Transparência de Lobbying e Regulação de Ética (ALTER-EU) e a organização de mobilização digital WeMove.EU.

Esta petição pede à Comissão que proíba comissários de aceitar, por um mínimo de três anos desde o fim do seu mandato, posições que provoquem conflitos de interesses ou que procurem influenciar a UE de modo directo ou indirecto.

Para garantir que as regras são cumpridas, precisamos também de um comité transparente e completamente independente que possa impôr sanções quando as regras não são cumpridas.

Juízos de valor e decisões "ad-hoc" não são suficientes para resolver o problema de portas giratórias na Comissão Europeia. O mais descarado escândalo de portas giratórias da história recente da UE não pode ser ignorado e esta é a oportunidade perfeita para impôr regras mais fortes e impedir que se repita.

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