Amadeo: demasiado grande para um pai´s ta~o pequeno

Amadeo, que absorveu em si o elixir do modernismo, revelou-se exemplar na incorporação dos movimentos europeus da época na sua obra

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Nelson Garrido

O que acontece na interacção com Amadeo de Souza-Cardoso na exposição Amadeo de Souza-Cardoso / Porto Lisboa / 2016-1916 é uma incontestável e avassaladora certeza de que, no misterioso núcleo da sua arte, elevava-se o maior pintor modernista português.

Amadeo, que absorveu em si o elixir do modernismo, revelou-se exemplar na incorporação dos movimentos europeus da época na sua obra. Criador raro, percursor das ideias mais arrojadas, foi sensível a todas as tendências e superou-as, atendendo, em particular, ao desenvolvimento de uma atitude fortemente criadora.

Explorador nato da harmonia de um fazer novo, o pintor partiu nessa conquista rumo à incursão cromática e à experimentação técnica. Apesar da coerência em pleno, o resultado manifestava-se num persistente inconformismo com a forma e o método. Entre as arrojadas concepções filosóficas e científicas sobre a pintura, Amadeo entendeu o abstraccionismo pela via geométrica do cubismo e, ultrapassando-a, encontrou-se na sua solução.

Provocadora, qual representação das estéticas vanguardistas que ansiavam por um lugar na História, Exposição de Pintura (Abstraccionismo) Porto 1916 intitulava a primeira exposição individual do pintor em Portugal. Sob uma tendência substancialmente óptica, na obra de Amadeo sobressaía a inquietação de um espírito invulgar. “Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga”, disse o pintor. Aparentemente estática, a sua pintura move-se numa dinâmica caleidoscópica de intensidades cromáticas que atravessam a confusão de linhas e, sobretudo, a ausência de regras representativas. Os objectos? São apenas uma razão.

Amadeo está também na memória da cultura portuguesa, que ali se mantinha como um “lugar” permanente onde poderia sempre regressar. Manhufe. Contudo, não era uma reprodução meramente paisagística. Era todo um conjunto de símbolos imutáveis e intemporais – as montanhas, as letras de canções e bonecas populares, os instrumentos musicais regionais, os interiores domésticos e as figuras humanas locais – que suplementava a sua identidade plural.

Amadeo tinha a consciência do que é ser moderno, como um todo. Amadeo, que soube incorporar os elementos do passado aos do futuro numa composição não hierárquica, cruzou lugares distintos num espaço de representação que nunca fora suficientemente amplo para a sua vontade. Amadeo, nunca proposto ao nosso país de forma nítida, está finalmente a ser libertado do esquecimento.

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