Transcendente Bruce Davidson

Na captação de uma realidade excessiva, violenta, mas igualmente plácida e genuína, a autenticidade da obra fotográfica de Davidson mantém-se actual

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Discutir o progresso da fotografia é evocar, inevitavelmente, Nova Iorque. Para compreender as raízes desta cidade, a leitura do trabalho de Bruce Davidson é obrigatória. Concebido a partir de uma perspectiva humanista extraordinária, a obra deste fotógrafo norte-americano é um compêndio real sobre a evolução social dos EUA no século XX.

Davidson fez-se cumprir através do compromisso antagónico entre a sublimação e a vulnerabilidade do ser humano. No início da década de 60, o fotógrafo – que trabalhou como freelancer para a revista LIFE e em 1958 tornou-se membro da Magnum – dedicou-se à captação dos momentos mais distintos da luta pelos direitos civis no seu país. Com uma visão fugaz, o fotógrafo aproxima-se dessa energia que então vigorava para testemunhar a volatilidade de um país em frenética mudança, do qual também fazia parte.

Na justificação elementar de que a fotografia serve uma única intenção, ou seja, desvendar a verdade, o fotógrafo agia por intuição, entregando-se inteiramente ao contexto diante de si. Assim, numa observação que se manifesta desapegada, intima e profundamente profissional, a perspectiva de Davidson transcende os próprios interesses das personagens e opera, particularmente, na obscuridade.

Cedo, os lugares menos aprazíveis são os cenários mais pitorescos. De Coney Island ao Bronx Zoo, Davidson integra-se no habitat natural dos sujeitos para revelar os extremos da diferença real entre os vários grupos, na maioria segregados.

Na sua qualidade emocional, as histórias tornam-se audíveis. Entre as trepidações de uma vida acelerada, os retratos são acompanhados por uma linguagem visual lírica, permitindo que o observador – na ausência de palavras ditas ou escritas – escute o que contempla. No fundo, esta conexão expressa-se, especialmente, na opção pelo preto e branco – presente na maioria das suas séries – o que lhe confere uma dimensão implacável, mas honesta sobre os assuntos cruéis da cidade.

Na captação de uma realidade excessiva, violenta, mas igualmente plácida e genuína, a autenticidade da obra fotográfica de Davidson mantém-se actual. Epítome da cultura underground norte-americana, o seu arquivo emerge-se no significado mais alto da mudança social da contemporaneidade, trabalho documental exemplar para a compreensão da luta pela liberdade, igualdade e dignidade humana.

Circus (1958), Brooklyn Gang (1959), East 100th Street (1966-1968), The Civil Rights Movement (1961-1965), Subway (1980) and Central Park (1992-1995), assim como os seus trabalhos mais recentes, as séries de paisagens urbanas tiradas em Paris (2007) e em Los Angeles (2009), estão presentes na Fundação Mapfre, Madrid, até ao dia 15 de Janeiro de 2017.

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