Dêem-lhes brioches!

De acordo com Nuno Carvalho, da Padaria Portuguesa, é urgente flexibilizar as horas extra de trabalho, vulgo alargar os horários de trabalho a troco de brioches, ao melhor estilo de uma Maria Antonieta dos tempos modernos

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Brooke Cagle/Unsplash

Nuno Carvalho, sócio-gerente da Padaria Portuguesa e primo de José Diogo Quintela, o outro sócio-gerente, foi a figura da semana ao defender a flexibilização da contratação e do despedimento dos trabalhadores. Nuno Carvalho seria a figura do mês se começasse desde já por flexibilizar o seu próprio cargo de modo a rapidamente voltar à Jerónimo Martins, de onde, aliás, nunca deveria ter saído.

De acordo com o Nuno é urgente flexibilizar as horas extra de trabalho, vulgo alargar os horários de trabalho a troco de brioches, ao melhor estilo de uma Maria Antonieta dos tempos modernos.

Diz o Nuno que o mercado de trabalho hoje deve ser regulado em função das necessidades das organizações, até porque se hoje precisamos de 800 colaboradores, amanhã precisamos de apenas 100, e forçar uma empresa a garantir, mês após mês, salários para uma massa laboral constante é a melhor garantia de como este ano nem o Nuno nem o Zé vão de férias de mãos dadas, juntos e felizes.

Porque, dependendo do Nuno, um trabalhador não se pode restringir a 40 horas semanais apenas porque a lei o diz. Não, se esta semana for preciso trabalhar 60 ou 80 horas, então que se mude a lei, até porque os custos adicionais advindos das horas extras são incomportáveis para as organizações, isto é, incomportáveis para o Nuno, o qual já prometeu ao Zé um mês nas Maldivas e o Zé não foi feito para ficar à espera.

O Nuno tem problemas laborais. Pois tem. Para o Nuno, os direitos dos trabalhadores são um problema. Infelizmente, Nuno, para os trabalhadores de todo um país, o nosso, erigido com o sangue e a vida de nove séculos de luta e história, os teus direitos e de outros como tu são um problema que também urge tratar.

Mas nem tudo são más notícias. Para o Nuno, se a organização aumentar a sua produtividade, os colaboradores ganharão mais por isso. Se o Nuno assim o decidir, porque se naquele dia o Nuno acordar virado para o lado errado da cama, lá se vai o prémio de produtividade e o pagamento dos livros da escola do mais novo.

Infelizmente, para o Nuno não há nenhuma entidade patronal interessada em pagar o salário mínimo aos trabalhadores. Pois não, Nuno, e neste aspecto estamos de acordo, porque o problema é vivermos num país onde as entidades patronais nem sequer o salário mínimo pretendem pagar, sendo precisamente essa a razão que levou o “Bochechas” à criação dos famosos recibos verdes, à custa dos quais se precarizam gerações inteiras em nome de meia dúzia de empresas, hoje e sempre, ao leme do modo de viver e morrer de milhões de pessoas, portugueses incluídos.

E porque o Nuno não está só no meio desta aventura empresarial que é a Padaria Portuguesa, eis que o Zé Diogo já veio dizer das suas, horrorizado que está por num repente se aperceber de que a sua padaria afinal paga salários aos colaboradores, acrescentando ter sido seu intuito desde a criação da Padaria Portuguesa a pura e simples parasitação de empregados, sendo que para executar tal tarefa teve de começar por: "1) expropriar uma fábrica que produzia próteses gratuitas para vítimas de minas em África, para passar a fazer pão; 2) obrigar órfãos sírios a construírem lojas a troco de não lhes batermos muito; 3) adquirir vários contentores de escravos prontos a oprimir."

Pois é, Zé, e porque mais vale cair em graça do que ser engraçado, infelizmente perdeste uma óptima oportunidade para estar calado, deste modo trazendo ainda mais publicidade negativa a uma empresa que de há uma semana para cá tem sido abertamente exposta como o pior exemplo da exploração do Homem pelo Homem, pelo que só tenho pena dos teus 800 colaboradores, precários como folhas ao vento e, dentro em breve, a engrossar as filhas dos centros de emprego em resultado da prepotência e sobranceria de quem se acha acima das poucas leis ainda existentes em prol de quem se levanta às quatro da manhã todos os dias para, literalmente, pôr as mãos na massa, sem culpa nenhuma desta ganância esfomeada contra quem, por não ter nascido em berço de ouro, não tem outro remédio senão trabalhar, todos os dias e de manhã à noite, para gente como tu.

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